Uma Volta Muito Longa

Já era próximo do meio-dia e a jangada de Roberval e Zacarias aproximava-se do porto de Natal, quando Zacarias apontou para o mar aberto, donde vinha um barulho de avião.

- Olha só o tamanho daquele bicho! - Exclamou.

A aeronave que vinha se aproximando, voando à baixa altura, era realmente grande. Quatro motores, mais de 30 metros de comprimento e 46 metros de envergadura. Passou próximo à jangada, e tocou o mar algumas centenas de metros à frente numa manobra elegante, girando sobre seu eixo para posicionar a proa para o porto. Agora flutuando sobre as águas, parecia uma gigantesca ave marinha prateada, de barriga negra.

O vento favorável empurrou a jangada para perto do hidroavião. Na cabine de pilotagem, na parte superior da aeronave, uma janela abriu-se e um homem louro, de quepe branco, colocou a cabeça para fora.

- Natal? - Gritou com forte sotaque para a jangada.

- Natal! - Respondeu Zacarias, acenando. O homem ergueu o polegar da mão direita e desapareceu da janela.

- Não sabem onde estão? - Indagou Roberval desconfiado. - Será que são alemães?

- Eu vi a bandeira pintada no casco, quando deram a volta... - retrucou Zacarias. - Acho que são americanos...

Uma lancha da Capitania dos Portos aproximou-se do hidroavião. Através de um megafone, um oficial gritou:

- Follow us!

Fez a volta e foi obedientemente seguido pelo hidroavião, motores na potência mínima. A jangada embicou na areia da praia no momento em que a aeronave era ancorada no cais. Curiosos, Roberval e Zacarias foram se aproximando para apreciar de perto a movimentação. Uma porta abriu-se na proa do hidroavião, foi levantada uma escada até lá, e um grupo de homens uniformizados começou a desembarcar.

- Não são soldados... - avaliou Zacarias.

- De onde será que vieram? - Insistiu Roberval.

Só muito mais tarde naquele dia, depois que o hidroavião já havia levantado voo e retomado sua rota de volta à casa, é que eles ficaram sabendo de parte da história por Adroaldo, um agente da Malária, que havia participado da fumigação da aeronave contra mosquitos, exigida pelas autoridades portuárias:

- Eram americanos... estavam vindo do Congo Belga e seguiram para Nova Iorque - explicou.

Com o ataque japonês à Pearl Habor, aquela que seria a rota mais curta de retorno aos EUA, pelo Pacífico, foi inviabilizada. O hidroavião da Pan American Airways foi obrigado a voar em sentido contrário, cruzando cinco continentes numa viagem de mais de 50 mil km e que levou quase 30 dias para ser completada.

Orgulhoso, Adroaldo ainda mostrou aos pescadores um maço de notas de dólar.

- Lhe deram uma gorjeta? - Indagou Zacarias.

Adroaldo balançou negativamente a cabeça, exibindo um sorriso com várias falhas de dentes.

- Desceu todo mundo pra poder fazer a fumigação... eu fiz a festa!

Era o primeiro indício de como seriam, dali para a frente, as relações entre natalenses e norte-americanos, naqueles dias conturbados da II Guerra Mundial em solo brasileiro.

- [14-07-2018]