Alto como as águias

Quando estava perto de completar treze invernos, Sahkonteic foi enviado por seus pais para uma região selvagem nas montanhas, munido somente de um cobertor, nenhuma comida nem arma.

- E se aparecer algum animal feroz? - Indagou o garoto, preocupado.

- Não há nada ali que possa lhe fazer mal - assegurou-lhe o pai, um guerreiro dono de muitos cavalos. - Nenhuma criança jamais foi ferida durante a busca do seu wyakin.

O outono ia pela metade; na floresta silenciosa, as folhas das árvores estavam cobertas de vermelho e dourado. Sahkonteic vagou sem um rumo definido, tomando apenas o cuidado de seguir o curso de um córrego que descia para o vale abaixo. Suas opções de alimentação estavam basicamente limitadas a bagas selvagens, embora em princípio, nem se esperava que comesse nada durante os próximos dias; mas podia beber quanta água suportasse, até para disfarçar a fome. Aquele era um teste tanto espiritual quanto de resistência.

Com a aproximação da noite, encontrou abrigo sob um renque de abetos jovens. Enrolou-se no cobertor e tentou ignorar os sons das criaturas da noite ao seu redor; nada havia ali que pudesse fazer-lhe mal, o pai assegurara. Vencido pelo cansaço, acabou dormindo.

Acordou pouco antes do nascer do sol, em meio a neblina, com frio e fome. Enrolou o cobertor e caminhou até o córrego. Lavou o rosto e bebeu da água gelada o quanto pôde. Depois, voltou a sentar-se sob os abetos, meditando.

Ainda teria que permanecer ali pelo menos mais três outras noites, avaliou.

* * *

No quarto dia, fraco pela fome, Sahkonteic dormitava sob os abetos enrolado no cobertor. O crepúsculo se avizinhava e a floresta parecia mais silenciosa do que o costumeiro, quando sua visão turva pareceu ver uma forma difusa pairando no ar a poucos metros de distância. Incerto sobre a natureza da visão, o garoto apanhou uma pedra no chão e a atirou na direção daquela estranha nuvem de fumaça; a pedra atravessou o alvo e caiu do outro lado.

- Você pode me ver? - Indagou uma voz que parecia vir da nuvem.

- Eu vejo algo... - murmurou Sahkonteic, como se estivesse falando num sonho.

- Eu sou o seu wyakin! Eu sou Eapalekthiloom!

- Parece um nome bem apropriado para você... - murmurou Sahkonteic, sentindo uma grande paz invadi-lo. - Você me lembra um monte de nuvens...

- E o que voa acima das nuvens? - Indagou a forma difusa.

- A Águia Branca. Sahkonteic - murmurou o garoto.

- Você quer o poder de voar acima das nuvens? - Indagou Eapalekthiloom.

- Sim... mas como fazer isso sem me transformar numa águia?

- Eu vou lhe dar esse poder! - Redarguiu a forma.

E Sahkonteic sentiu que o chão sumia de sob o seu corpo e viu-se projetado no ar, cada vez mais alto, e que a floresta ao seu redor converteu-se num mar de copas de árvores na encosta de uma montanha. E havia outras montanhas, e vales. E um rio poderoso. E campos, onde viu búfalos e cavalos pastando. E aldeias do seu povo, com tipis brancos. E lá ao longe, muito longe, viu um brilho de água que poderia ser o mar. E então sentiu algo puxá-lo para baixo e sua visão escureceu.

Quando tornou a abrir os olhos, a noite havia caído e ele estava novamente só, entre as árvores.

* * *

Na manhã seguinte, alguém encontrou Sahkonteic caído à beira do caminho que levava às montanhas. Levaram-no para o tipi de seus pais e lhe deram de comer. Aos poucos ele recuperou suas forças e conseguiu falar da experiência com o seu wyakin.

- Ele me deu o poder das nuvens, de planar sobre a terra como a águia branca! - Declarou.

E a partir daquele dia em diante, Sahkonteic passou a ser conhecido entre os seus como Eapalekthiloom, aquele capaz de ver o inimigo à distância, como uma águia vigilante em busca da sua presa.

- [19-09-2018]