Matilda - minha quase doce vida

Como é mesmo que os humanos falam quando acham que suas vidas estão difíceis? Ah, lembrei: “ tô levando uma vida de cão”. Bem, sei que muitos da minha raça passam dificuldades, eu mesma tive um início de vida complicado até ser resgatada da rua. Também sei que muitas das pessoas que recitam este dito popular não tem ideia do que seja o verdadeiro sofrimento, aquele que iguala um humano a um cão abandonado. Mas o que aconteceu comigo me levou a reforçar uma palavra humana, que entendo ser fundamental para toda sobrevivência – ESPERANÇA.

Sim, esperança pois é com ela que passei a entender que muitas ações dos outros seres que estão a minha volta, podem fazer do sofrimento momentâneo um bom aprendizado e é o que tem acontecido comigo.

Sofri quando, logo depois da primeira semana que estava na minha nova morada, fui deixada numa outra casa, casualmente a mesma onde havia estado para tomar banho e cortar as unhas dias antes. Só abrindo um parênteses: do banho eu até que gosto, mas cortar as unhas... perguntem aí se algum cão gosta! Chorei baixinho no primeiro momento, mas como sabia que a humana, tia Paula, era bem legal e, melhor, lá ao invés de bichanos tinham cães, acabei me divertindo muito. Mas feliz mesmo fiquei quando meus humanos chegaram pra me levar pra casa.

O tempo passou, eu brinquei muito na minha casa, me aproximei dos bichanos (é, assim, mais ou menos, porque essas criaturinhas são ruins de negócio, só querem saber de dormir), fiz amizade com os pedreiros que estão trabalhando aqui, inclusive tem um que gosto muito, o seu Alemão, ele sempre tem um petisco pra me dar, gente tri boa esse senhor!

Eis que de repente meus humanos me colocam a guia de aço na coleira de novo (sim, guia de aço, é que não suporto me sentir presa e já roí três guias de tecido), me levaram para o carro com uma sacola onde vi estavam meu prato e minha ração. Já comecei a ficar agitada, meu coraçãozinho batendo forte e, não deu outra, paramos na casa da tia Paula. Desta vez meu choro foi imediato, pulei na minha humana “latichurumingando”: por favor, por favor ... de novo não, me leva junto..., mas a tia Paula me pegou, minha humana virou as costas entrou no carro e partiu. Chorei baixinho, mas bem pouquinho, porque nós, caninos, temos uma certa facilidade de adaptação e logo revi meus amigos, então fui brincar com eles e fiquei de boa.

Porém, na manhã seguinte não entendi quando a tia Paula me colocou a guia na coleira e, pior, me prendeu num arame e saiu. Gente, entrei em desespero, o filme do início da minha vida sofrida me veio a mente e, outra vez lutei bravamente pela minha liberdade. Meus amigos tentaram me acalmar, mas eu tratei de mexer meu corpinho a exaustão e consegui tirar a coleira do meu pescoço (achei melhor do que quebrar meus dentinhos roendo a guia de aço, pois sei que ainda não existe prótese dentária para cães), pulei a cerca e corri, só querendo voltar pra minha casa.

Até fiquei com medo de me perder, mas confiei no meu faro, diminui o ritmo da correria e tratei de achar uma direção, eis que vejo meus amigos pedreiros e me senti tranquila. Bah, quando a tia Lúcia me viu (tenho várias tias humanas) ficou apavorada, mas vendo meu cansaço logo me serviu água e pude, então, descansar meu corpinho. Enfim na minha casinha. Mas, quando achei que tudo estava bem, chega a tia Paula, muito mais apavorada que a tia Lúcia, acho até que em pânico mesmo. Veio pra me buscar. Baixei minhas orelhas e meu rabinho, meus olhos tentaram falar por mim, mas ninguém entendeu meu recado – queria ficar em casa, nem me importava de ficar sozinha com os bichanos... e lá fui eu de volta ao cativeiro “ó vida de cão”.

Mas, lembram do meu lema - nunca perder a esperança? Foi o que fiz, resolvi ficar na minha, aproveitando o que de bom tem na casa da tia Paula, pois sei que meus humanos já tem um “ quezinho” por mim, sinto até que já é quase o amor que eu espero, que sei que mereço porque sou uma cadelinha muito fofa, e que não vão ter coragem de me abandonar assim, pra sempre.

Minha esperança, mais uma vez se concretizou, eles voltaram, eu estava de banho tomado, bem cheirosa e estamos aqui levando uma quase doce vida, afinal, como é outro ditado que os humanos dizem? Ah, lembrei: “ a vida é como rapadura, doce mas por vezes dura”!

Assim estou vivendo e aprendendo, ah e também ando aprontando muitooo. Uma hora dessas conto minhas façanhas.

Matilda, Tilda para uns ou Tildinha para outros - mania dos humanos de reduzir nomes ou por apelidos.

Tânia França
Enviado por Tânia França em 14/11/2018
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