De que se trata, afinal?

Na Rua Five fora construída recentemente uma casa de tijolos muito bem planejada. Era tão extraordinária quanto um céu estrelado. Não era muito grande, mas o fato de estar localizada em um morro alto e suntuoso, a favorecia. Parecia ser gigante aos olhos dos pequenos que passavam por ela.

Lá moravam quatro pessoas, quer dizer, três. Porém, o quarto já fazia parte da casa. Ia sempre que podia, fazia sol ou chuva, vendaval ou um calor de matar, ele estava lá, quer fosse quarta-feira ou domingo. A casa que mais parecia a assombração da rodovia não espantava ninguém mais além de mim. Honestamente, não sei dizer o que tanto me assusta, contanto não consegui manter meu lado curioso. Tentei perguntar sobre a casa a meus tios, amigos, vizinhos, pais de outras pessoas... Ninguém me disse nada interessante, pois não sabiam de nada sobre a casa, nem mesmo sobre quem morava nela.

Pelo que vejo todas as manhãs trata-se de um homem e pai de uns cinquenta e poucos anos de estatura média. Uma mãe de uns quarenta, loira de olhos azuis, sendo uns três centímetros mais baixa que ele, de aparência pouco alegre. E um filho. Quase mais alto que eles, olhos e cabelos escuros como a escuridão que escondia a cidade no início do inverno.

Certo dia a aflição me despertou uma vontade enorme de visitá-los, conhecê-los melhor, talvez eu pudesse pedir a mamãe para cozinhar um bolo ou entregá-los o chaveiro de propaganda da nova empresa do Mike, meu irmão. Claro que eu não estaria sendo honesto, mas era o único jeito de saber. Era isso. Algumas vezes temos que levar o bolo a diante, mesmo que quiséssemos comê-lo. Pra garantir, peguei os dois. Mamãe ficou orgulhosa por me ver tentar fazer novas amizades e não mediu esforços ao fazer um melhor do que eu pedira. Mike, que estava passando por uma fase difícil de iniciação dos negócios, imprimiu até panfletos. De acordo com ele, se aquele tal homem fosse rico, poderia ajudá-lo a segurar as pontas no empreendimento, quem sabe virar um sócio futuramente.

Confesso que estava confiante de que descobriria algo. Sai por volta das três da tarde assim que mamãe tirou o bolo do forno. Três leves passos e eu já me via em frente ao portão. Era um portão escuro de formatos longos e estranhos, apesar de não ter nada de diferente dos outros, a não serem as lanças de proteção acima das grades. Definitivamente, quem morava ali se preocupava com a segurança do que fosse que estivesse lá dentro. Cansei de apertar a campainha e nada de respostas, ninguém sequer apareceu. Nem mesmo pra espionar as frestas da porta, as quais me certifiquei de olhar a todo tempo. Mike me olhava do portão da garagem e mamãe da janela da cozinha, juntamente com a vizinha indiscreta que tentava disfarçar aparando as flores do jardim. Depois de tanto esperar, finalmente desisti. Voltei para casa, decidido a comer aquele bolo e de alguma forma esquecer de tudo aquilo. Ficava desviando meus pensamentos enquanto eles forçavam a me levar a casa novamente, constantemente me sentindo vazio por dentro.

À noite depois do banho, fiquei na janela observando o vento balançar a calha. Percebi nitidamente que eu não era como os outros meninos que passam as férias na piscina até tarde e há essas horas estaria dormindo para um dia totalmente igual e corrido amanhã. Eu era só um simples garotinho que tinha medo de água, e provavelmente o erro estava em mim invés do outro lado da estrada. Cochilei.

Acordei cedo na manhã seguinte ainda no sofá próximo a janela. Minha primeira vista foi a casa que eu tanto desconhecia, que pela primeira vez, tinha uma de suas janelas abertas esbanjando as cortina grotescas. De longe eu imaginei que quem fosse que estivesse lá, possivelmente tinha o mesmo pensamento que eu, temendo o desconhecido da casa à frente, decerto pensando o que escondia aquelas portas e janelas que não nos dizem nada.

Embora eu duvidasse de que ninguém realmente conhecesse aquele lugar e aquelas pessoas, disse a mim mesmo que eu nunca os conheceria, e seria melhor assim, eu continuaria com aquele mesmo pingo de empenho em chamas dentro do coração, que me motivava a escrever todos os dias novas histórias, apenas com identidades diferentes. Engolir o bolo, muitas vezes, pode não ser o mais certo a fazer, mas é uma forma de permanecer a diante. Trata-se de entender que alguns enigmas merecem continuar sendo apenas enigmas. Ainda que exista um jeito de decifrá-los, colocar o pé a fundo era o maior medo que um simples garotinho teria de quebrar suas expectativas.

Ana Carolina Fretta
Enviado por Ana Carolina Fretta em 10/12/2018
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