Exilados

EXILADOS
Miguel Carqueija

Dois homens encontravam-se na amurada da galera que singrava o Canal da Mancha com bom tempo. Um deles era mais alto, mais jovem e mais bem vestido. O outro, vários anos mais velho, trajava roupas mais surradas e modestas. Dizia o primeiro, um louro de ares normandos e físico avantajado:
— Pois é, Robin. O nosso grande erro foi não adivinhar o futuro, as reviravoltas que o mundo dá. Se tivéssemos podido adivinhar evitaríamos sem dúvida esta derrocada.
— Não o creio muito, Ivanhoé — respondeu Robin Hood. — Mesmo que algum profeta nos avisasse não poderíamos impedir o que aconteceu. Não controlaríamos Ricardo, que era mais guerreiro que rei e não podia ficar sossegado. Apenas, não refletimos o suficiente que nossa situação estável dependia de Ricardo vivo e se possível de John morto. O que aconteceu foi o contrário, logo...
— Ah, Ricardo Coração de Leão! — gemeu Ivanhoé. — Nunca consentiste em que refreássemos teu gênio exaltado! E teu irmão era um sujeito vingativo.
— Agora ele finalmente é o Rei da Inglaterra e nós temos de nos conformar, Wilfredo. Além disso você está saindo por prudência e ainda trouxe Lady Rowena e seus filhos. Eu larguei tudo. Marian teve de se refugiar num convento, Frei Tuck está morto, João Pequeno está escondido e se o pegam matam-no...
Assim dizendo Robin Hood fitou já com saudades a costa inglesa, cada vez mais distante.
— Sim, eu ainda tive mais sorte e pude também trazer dinheiro. Você quase nada pôde trazer, apesar das fortunas que roubou...
— O que eu roubei dos ricos dei aos pobres, não esqueça. E continuo pobre.
— Mas eu teria de fugir, Robin. John mais cedo ou mais tarde iria se vingar de mim. Ele me culpa pelas perdas de partidários como Bois-Guilbert e outros. E até pela perda da coroa naquela época. O apoio que dei a Ricardo ficou como um espinho em sua garganta. Meu pai já está morto, senão teria de fugir também.
— Se na época houvéssemos pensado nisso, Ivanhoé, bastaria uma boa flechada minha para acabar com a ameaça de John...
— Nem pense nisso. Os caminhos de Deus são misteriosos e devemos aceitá-los. A vingança não leva a nada.
— Talvez. Mas eu talvez nunca retorne ao meu país, nunca mais veja Marian... um dia porém, quando Jonh já não estiver vivo, ainda espero voltar, reencontrá-la... e aos amigos de Sherwood que não tiverem morrido...
— Você tem de cuidar de seu ferimento...
— Pois é. Não será fácil, pois chego a um país estranho. Se pudesse iria procurar Rebeca, mas ela está em terra ibérica...
— Sim, no califado muçulmano em Espanha. Por lá toleram mais judeus que cristãos. Mas ela seria a pessoa idela. Curou-me de gravíssimo ferimento, curaria o seu também com sua poção.
— Seria muito arriscado para mim meter-me lá, ainda mais com a minha fama de ladrão e salteador. Dizem que esses sarracenos cortam as mãos dos ladrões...
— Robin, ajudarei você no que for possível. Não esquecerei o quanto você me ajudou e ajudou na causa do Rei Ricardo.
— Eu agradeço, Ivanhoé, sei que você é uma alma nobre, tanto que até trouxe Gurt e Vamba, seus fiéis servidores. Mas eu sou Robin Hood, acostumado a não depender dos outros.
— Está na hora de esquecer o seu orgulho. Até heróis podem cair em desgraça e precisar de ajuda.
Robin silenciou. No fundo, concordava com Ivanhoé. Precisaria dele. Mas no íntimo jurou que algum dia retornaria à Inglaterra para reencontrar Lady Marian...


Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2019.


imagens pinterest (Ivanhoé, interpretado por Roger Moore no seriado de tv)
Robin Hood é personagem de inúmeras lendas e geralmente relacionado com Ricardo Coração de Leão. Ivanhoé, personagem do romance homônimo do autor britânico Walter Scott (1820).


 
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 17/01/2019
Reeditado em 17/01/2019
Código do texto: T6553352
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.