Poeta de programa Parte I

Sou um escritor solitário, sem editora e sem fama

além disso, sou poeta de programa.

Ganho a vida lendo versos para pessoas tristes

e cobro por hora, para ler

enquanto elas choram, até adormecerem em sonhos poéticos...

É uma profissão indiferente, mas um mercado em alta

ah muitos solitários por essa cidade, e muitos, necessitam de poesia

para tirarem o tédio de sua vazia existência.

Por mês, atendo 45 pessoas, cada uma com um gosto diferente

para leitura, uns gostam de cronicas, outros gostam de poemas

e os leitores mais exigentes, gostam de contos.

entre meus clientes, a maioria são mulheres de 25 a 40 anos

os homens são minorias, geralmente, são grandes empresários

com preguiça para ler, e por isso me convidam para ir até seus escritórios e pagam 4 horas de literatura.

Mas eu gosto mesmo de ler para as mulheres, especial uma, que não posso revelar o nome verdadeiro. A chamaremos de Jasmim

É a unica pessoa que atendo aos domingos, e a unica que prefere a minha poesia ao invés dos livros de grandes escritores.

E ela chora em meu colo, quando pra ela, leio o meu maior poema

"Canto da sereia antiga"

Canto da sereia antiga

São dias de mares perdidos e antigos

a luz do sol me encandeia, de longe

escuto o canto da sereia, a sereia antiga [...]

Com o dinheiro que ganho, pago aluguel, compro comida e cerveja,

também compro papel e caneta e escrevo novos versos, mas apesar de ler para muitos, não tenho leitores, meus versos são esquecidos nas gavetas do quarto, versos, somente de escritores conhecidos.

Mas isso não é uma lamentação de um poeta fracassado

esse texto fala do meu trabalho, sou um poeta de programa

e com a poesia levo prazer para as pessoas, ou tristeza

Essa cidade esconde tanta coisa, em cada pessoa há algo interessante

Algumas pessoas depois de uma hora de poesia, começam a falar sobre suas vidas e ganho até mesmo para fazer um trabalho de psicologo.

Um dos empresários e um dos mais ricos dessa cidade, me conta o quanto sofre com sua riqueza, os filhos moram no Canadá e ele não tem o amor de sua esposa, todos ao seu redor, querem seu dinheiro, até mesmo eu, o poeta que o escuta, não estaria naquele escritório, se não fosse por dinheiro, não que eu seja interesseiro, mas o que um poeta como eu, poderia querer com um grande empresario?

Não sei, amizade talvez, mas não me vejo amigo dessa gente, sou amigo dos vagabundos e das noites de luar.

Mas gosto de conversar com Jasmim e é a unica cliente que não cobro por horas de conversa, não queria nem cobrar pelas horas de poesia, mas ela também não aceita ser de graça. Na verdade, ela não aceita nem mesmo a atenção que por ela tenho, Jasmim somente precisa de mim para aliviar as dores dos seus longos dias, mas nunca demonstra sentir algo, para ela, tudo aquilo não passa de negócios.

Mas tento ser o mais profissional possível, Tento não sentir nada por ela e nem por ninguém, o que me faz ser tão bom, ou achar que sou bom, no meu trabalho. É a minha solidão.

O meu anuncio está nos piores jornais da cidade, nos botecos do centro e nos pontos de ônibus de cada lugar que vou. Por conta disso, sou chamado por todo tipo de gente, e as vezes são pessoas doente ou estranhas ou estranhas e doentes ao mesmo tempo.

Uma mulher certo dia tentou me agarrar, uma senhora rica achou que fosse um garoto de programa, claro que ler poesia para alguém é um tipo de sexo,receber por isso é como prostituição, mas não faço nada além de conversar ler poesia...

Outro dia, um homem me chamou e quando cheguei até sua casa, ele já tinha tudo pronto para cometer suicídio, mas não cometeu, graças a um poema de Drummond que li para ele..

[...] Inútil você resistir

ou mesmo suicidar-se.

Não se mate, oh não se mate,

Reserve-se todo para

as bodas que ninguém sabe

quando virão,

se é que virão. [...]

Depois disso fiquei amigo deste homem, e toda semana tomamos uma cerveja...