O ENTERRO DA PRAGA

Sempre achei Mariazinha tristonha, embora sorrindo por forra, mais por dentro tinha algo muito errado. Fazia anos do nosso casamento, ela sempre feliz, as coisas andavam muito bem para nossas bandas, não tínhamos do que reclamar, os negócios iam bem, e nosso filho José acabará de chegar, lindo e com saúde, trazendo mais harmonia e felicidade para nosso lar. Por vezes, sem querer, eu pegava minha amada Mariazinha chorando pelos cantos, e quando perguntava pra ela o que era aquilo, ela simplesmente olhava para mim com ternura e dizia _- nada meu bem, isso não é nada. Passava alguns dias e lá estava ela chorando, escondida pelos cantos da casa, e eu já nem perguntava mais, pois já sáb a resposta, nada. Imaginei mil coisas, tipo depressão e algo parecido, doenças em familiares, mais ela continuava firme, sempre dizia, _- não é nada. Um belo dia de domingo, estávamos sentados no parque observando José correndo pela grama, quando de repente ela me fala_- sabe amor, eu hoje vou te contar um segredo, um segredo que corta minha alma, que murcha meu coração, que eu trago dentro de mim faz tempo, solitariamente, eu e essa desgraça que me acompanha há anos. Por segundos fiquei perplexo com aquelas palavras de desabafo, ao mesmo tempo curioso, apreensivo por minutos e nervoso finalmente, _- pois é meu amor ( continua ela há me falar), eu sofro com isso desde o tempo de criança, meu pai morreu e minha mãe se casou com o Oswaldo, como você já sabe, eram tempos difíceis, eu e meu irmão éramos muito novos, minha mãe era muito nova, e papai deixou a gente em situação muito ruim, sem casa, sem renda e sem nada. Mamãe conheceu Oswaldo e logo percebeu que ali era nossa salvação, e logo se casou com ele, e nos fomos morar na casa dele. Mamãe ( continuou ela) trabalhava no centro, em uma lanchonete, nos estudavamos no parque da criança, e Oswaldo era sargento da Polícia Militar, trabalhava um dia e folgada o outro. Por vezes eu ficava junto com meu irmão sozinho com ele, e ele sempre ficava me observando, principalmente quando eu ia ao banheiro, eu notei suas intenções, já era uma menina moça, percebia o perigo mais não contava nada para a mamãe, pois não queria trazer problemas, um dia, quando estava no quarto ele mandou meu irmão ir na bodega, pediu para ele comprar pão, ele sabia que o pão só saia as quatro horas e mandou meu irmão as três e meia e falou pra ele esperar, se o pão ainda não estivesse pronto, só voltasse com os pães, e assim meu irmão foi, eu fiquei no quarto, ele entrou e me pegou, colocou a mão na minha boca para eu não gritar e me estuprou, depois ele disse que se contasse para minha mãe ou para alguém ele matava minha mãe e meu irmão, e me mostrou um revólver, que ele sempre carregava. Eu fiquei, muito triste e sem ter com quem falar, estou falando para você, você é a primeira pessoa que eu falei sobre esse assunto, eu não suportava mais carregar esse pesos nas costas, agora me sinto mais aliviada, e voltou a olhar para nosso filho, dessa vez ela chorava e eu também chorava, quando José chegou e viu nos dois chorando perguntou, _- o que foi papai, o que foi mamãe? Quase que ao mesmo tempo respondemos, _- nada filho, não foi nada. Meu mundo foi para o beleleu, eu não tinha mais vontade de nada, ficava calado pelos cantos, e por vezes chorava escondido, como aquilo podia ter acontecido com uma pessoa tão boa como ela, como um mostro desse podia viver sorrindo pelo mundo. Quantas pessoas ele já tinha cometido essas ações desumanas, que monstro era aquele ser? Não podia mais nem olhar na cara de Oswaldo, nunca mais iria na casa dele, mesmo ele sendo casado com a mãe da minha mulher, e pai de duas moças, meninas que eu gostava muito, eu e minha mulher, suas irmãs. Fiquei um tempo meio que diria esquisito, um tanto quanto fora de foco, minha mulher percebeu, e pó vezes falava, se ela soubesse que iria ficar assim, não teria me contado, mais já que tinha, que eu ia me acostumar e o tempo iria apagar o ódio que eu sentia. Só que o tempo, maldito tempo, nao apagava nunca, só crescia, crescia como bola de neve. Um dia fui falar com o irmão da minha mulher, vê se ele sabia daquilo, e quando acabei de contar ele me falou que não sabia, choram ele me falou que não sabia, mais que também foi abusado pelo padrasto, que que só não falou para ninguém porque ele tinha falado que se ele falasse ele iria estrupar a sua irmã também. Aquela conversa me deixou mais abalado ainda, parecia que não existia mais mundo, o abismo rondava minha vida, e eu só pensava em uma coisa, eu ia matar aquele elemento. Passei dois meses estudando o comportamento daquele cachorro, sabia cada passo que ele dava, hora e local de suas andanças, É numa sexta feira, onde ele costumava beber num bar, ele ia voltando para sua casa, estava sem ninguém na esquina, como era normal, ele se aproximou, tomou um susto quando me viu, eu sabia que não podia dar a menor chance, ele quis dizer algo, mais eu não contei pipoca, tirei o 38 e dei um tiro na cara dele, ele caiu, quis falar de novo, encostei o cano na sua testa e falei, isso é por ela, e dei o segundo tiro, coloquei o cano dente da sua boca e falei, isso é por ele, dei o terceiro, os outros foram por mim. Sai apressado dali, entrei no carro e fui até a outra esquina, parei lá, vesti um casaco por cima da camisa, coloquei o revólver no porta luva e voltei até a cena do crime, já tinha muita gente, não tinha ninguém da Polícia ainda, um velho colocou uma vela, estava morto, mortinho da Silva, pensei eu, dei um sorriso e fui embora, tomar umas cervejas com espetinho, amanhã seria um dia belíssimo, irei pro enterro da praga.

Fred Coelho
Enviado por Fred Coelho em 30/05/2019
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