As bodas

AS BODAS

Conto inspirado na peça 'Muito barulho por nada', de William Shakespeare

Corria o ano de 1599.

Olinda borbulhava riquezas e, como não podia deixar de ser, borbulhava, também, amores, desilusões e pecados. Mas, mesmo muito movimentada em relação ao restante da capitania, que mais parecia um imenso cemitério, a vila cabeça de Pernambuco era um lugar pacato. Fora o burburinho rarefeito vindo dos engenhos de cana-de-açúcar e o açoite público deste ou daquele escravo - movimentações que logo se incorporavam ao cotidiano dos moradores deixando de ser novidade -, o dia-dia da vila era monótono. Embora conveniente às almas mais puras, a calmaria não representava exatamente o sonho daqueles que, por saudade ou ambição, a queriam como Lisboa, Madri, Paris, Roma ou, mesmo, Londres.

Vale dizer que, naqueles dias, graças a Deus e, claro, por conta do iminente casamento do jovem Balthazar, herdeiro e sucessor de Dom Bonifácio Mendonça, rico senhor de um mar de cana lá pelas bandas das Tabocas, com a senhorinha Brites, filha do comandante Benjamin Manuel Divino, a vila estava agitada. Não só porque o casório fora anunciado às pressas, contrariando os prognósticos (que esperavam um casamento, mas não com a nubente anunciada) e deixando um rastro de boatos maliciosos, mas, principalmente, porque, como todos sabem, "um casamento é sempre um casamento" (mesmo aqueles arrancados à força, sob ameaças pela família da noiva e intervenção pessoal do governador, que não suportaria uma guerra de elites na capitania).

Pelos becos, ladeiras e vielas não se falava de outra coisa senão no casório.

As moçoilas casadoiras, desdenhando o coração despedaçado da senhorinha Beatriz - que, numa reviravolta dos caminhos do coração repentinamente deixara de ser a favorita do jovem ricaço -, viviam aos cochichos invejando a sorte de Brites. Elas tinham um pouco de razão, pois, mesmo sem ser herdeira de fortuna apreciável, poço de virtudes ou céu de belezas, talvez por ser filha do influente comandante maior da vila, iria desencalhar, escapando do caritó que ameaçava a todas. Sem o mesmo recado, os rapazes comemoravam, pois, ao ter uma mulher só para si, o fogoso Balthazar quiçá deixasse de atacar as donzelas e órfãs do Rei, abrindo o caminho para eles próprios. Os taberneiros preparavam as festas paralelas e inevitáveis 'despedidas de solteiro' tão ansiadas pelas mariposas do cais do Beberibe e dos Milagres. Pelo casario encarapitado nas ladeiras, lembrando tempos perdidos na memória, beatas e donas-de-casa desocupadas cuidavam dar asas à língua enquanto preparavam a decoração da Matriz da Sé.

E, assim, cada qual a seu modo, se ocupava, fazendo a vila ferver e deixar de ser a pasmaceira que incomodava tanto os chegados da metrópole como aqueles que lá queriam chegar.

Entusiasmado com a repentina animação, sempre cheio de ideias e saudoso do ti-ti-ti que dava charme a Lisboa e a Madri, o governador interino Antônio Barreiros e Duarte de Sá, substituto provisório do poderoso Manuel Mascarenhas Homem, lugar-tenente oficial do donatário Duarte de Albuquerque Coelho, imaginou que os casamentos poderiam dar à vila a animação que faltava. "É isso", pensou Dom Barreiros, rasgando um leve sorriso - aquele sempre visto quando o interino se julgava mais esperto do que Dom Manuel (que, segundo as mesmas mexeriqueiras de sempre, só exercia a titularidade do cargo porque era pai de moças cobiçadas por Matias, irmão do donatário). Estava claro como as auroras de Olinda: de casamento em casamento, a vila poderia ganhar vida. O ar de riso, no entanto, foi efêmero, tendo desaparecido quase que imediatamente, tão logo o governador atinou que a odienta calmaria voltaria inevitavelmente com o fim das bodas de Brites e Balthazar.

O que fazer? Era preciso arrumar outro casamento. Isto, no entender do governador, que lembrava como sua intervenção fora fator terminante para a decisão do relutante Balthazar, não seria problema. Estava decidido. Passado o casamento de Balthazar e Brites, viria outro [casamento] e mais outro. Sem perder tempo, era hora de escolher os pombinhos da vez.

Da lista das mulheres habilitadas aos planos de Dom Barreiros, foram prontamente descartadas as casadas, as pobres, as inválidas, as matronas - que, tendo ultrapassado os 30 anos, dobraram o cabo-da-boa-esperança para ingressar no vasto rol das respeitáveis solteironas - e as meninas - esperanças que, ainda contidas pela linha dos 14 anos, embora pudessem ser desejadas e, mesmo, reservadas para alguém, não se prestavam para as bodas nababescas desejadas. Despontou, então, Beatriz, filha do comendador Bráulio Oliveira, fidalgo cuja família acompanhava o clã Albuquerque Coelho desde os tempos do primeiro donatário, uma moçoila de 17 anos que, a julgar pelos suspiros que arfava ao declamar os mistérios gozosos nas missas dominicais na Igreja do Monte, estava pronta para o matrimônio. Na lista dos 'bons-partidos', sem qualquer titubeio, a visada do interino fixou-se no vereador Benedeto Martinho, um dos muitos sobrinhos do primaz Dom Bartolomeu, que, embora avançado na idade e necessitado de uma mulher para dar uma dona-de-casa ao rancho das Águas Belas, no caminho do Povo, e de filhos para garantir a sucessão do engenho da Casa Forte, no interior da capitania, ao contrário dos irmãos e primos, todos pais de família há tempos, ainda permanecia solteiro. Das conversas com o escolhido, inclusive na má afamada 'Taberna das Quatro Santas', no Varadouro, Dom Barreiros percebera o excessivo recato de Benedeto, mas, lembrando o esmero como o homem tratava o bigode, sempre penteados e limpos, e o caimento das pantalonas, sempre mantidas justas na cintura, sabia que para o vereador casar bastaria uma pequena ajuda. Era, exatamente, isto o que estava disposto a fazer para manter a vila animada.

Sem saber que, embora descompromissada, Beatriz tinha feito a jura de se entregar ao Recolhimento da Conceição caso não casasse com o mancebo rico e viril pelo qual estava apaixonada e que Benedeto nascera vocacionado para a vida misteriosa dos eternos solteirões, o governador interino pôs-se a trabalhar imediatamente.

Ainda naquela tarde, Dom Barreiros convocou Brites ao scritorium na Torre de Pedra, como era chamado o casarão onde despachavam os governadores da capitania.

O que poderia ser? - se perguntou a noivinha, que, atormentada pela síndrome do buquê desfeito, estava progressivamente impaciente com a já longa viagem de Balthazar à metrópole. Imaginando o pior (passara a manhã recordando a triste sina reservada à sua prima Bárbara depois que fora abandonada em pleno altar) e sabendo que o casório era a chance derradeira de recobrar a reputação arranhada por mexericos infundados sobre a perda precoce da sua virtude, Brites só retomara a calma após as incontáveis xícaras de garapa tomadas às escondidas da mãe.

Foi muito barulho por nada.

Ao contrário do que a moça imaginava, a conversa não girou em torno do casamento. O assunto era outro. Para surpresa de Brites, depois de tranquilizá-la com informação sobre a iminente chegada de mais um navio vindo da Europa e azeitá-la com insinuações sobre a entrega de alguma colocação ou concessão ao consorte Balthazar, o governador abriu um sorriso maroto e disse que precisava dos seus préstimos como corta-jaca para fazer o casamento da filha do comendador Bráulio Oliveira, a rapariga Beatriz, com o vereador Benedeto Martinho. Especificamente, Dom Barreiros queria que ela convencesse a jovem Beatriz a aceitar a corte do vereador Benedeto. Não seria fácil. Ele sabia. Afinal de contas, Beatriz tinha apenas 17 anos e, segundo o batistério da Igreja de Nossa Senhora das Graças, Benedeto quase quarenta. Confrontando a imagem evocada na memória do par escolhido pelo governador - ela, jovem, franzina e cobiçada por todos os rapazes da vila e ele, velho, gordo e ojerizado por todas a moças que ela conhecia -, Brites não pode deixar de sorrir.

- Eles, de fato, formam um belo casal, Dom Barreiros - Brites comentou com ironia prontamente percebida pelo governador.

- Então estamos acertados. A senhorinha cuida dela, que eu cuido dele - o governador pôs um ponto final na conversa sem valorizar as diferenças.

O dia seguinte foi de grande movimentação.

Logo cedo, recalcando a curiosidade sobre a identidade do condutor da charrete estacionada em frente ao chalé do rancho das Águas Belas (que, contrariando o costume local, em momento algum apareceu para o tradicional beija-mãos ao governador), Dom Barreiros visitou o vereador Benedetto e, sem maiores delongas, em meio a uma série de piscadelas, comentou que estava muito feliz com as notícias.

- Que notícias, Dom Barreiros? - estranhou o vereador, com a delicadeza de sempre.

- Ora, meu caro Benedeto. Já é quase público que você e a senhorinha Beatriz, filha do comendador Bráulio, vão oficializar o noivado...

- Que noivado, Dom Barreiros? Eu mal conheço a moça... - balbuciou o vereador, com a voz melíflua de sempre.

Sem ligar para a reação assustada de Benedeto, Dom Barreiros prosseguiu falando que, além de calar as línguas maldosas e levianas "que não param de levantar falsidades" e "dar uma dona-de-casa para este rancho tão carente de um toque feminino", o casamento daria novo impulso à carreira política do vereador e blá-blá-blá, blá-blá-blá e mais blá-blá-blá. Depois de, praticamente, afogar o vereador com argumentos a favor do casamento, o interino comunicou que, para proclamar o apoio da capitania à constituição da nova família, resolvera oferecer um almoço ao comendador Bráulio, "seu futuro sogro, meu caro Benedeto". O desprevenido Benedeto respirou fundo.

- O regabofe será no sábado. A senhorinha Beatriz estará presente. E, por obséquio, chegue antes das nove porque temos muito o que conversar - arrematou o governador, já se levantando, sem dar chance a qualquer reação de Benedeto.

Ainda naquela manhã, antes que o sol levasse a vila à fervura maxima, ao tempo que, na Ladeira da Misericórdia, boquiaberta e com crescente náusea, Beatriz ouvia Brites contar sobre a imensa paixão recolhida que o vereador Benedeto ("um partidão", frisara a filha do comandante Benjamin Manuel Divino) devotava por ela, no rancho das Águas Belas, no maior casarão no caminho do Povo, Benedetto enfrentava a cara amuada do amigo Benévolo, coincidentemente vizinho do comandante Benjamin, na ladeira da Misericórdia, a quem, desde a partida do lugar tenente, tentava explicar que "esta história de noivado é um mal entendido, uma mentira deslavada, coisa de quem quer nos prejudicar".

Pouco ou nada preocupado com o rastro de confusão que estava deixando por onde passava, Dom Barreiros esperou pela saída de Brites para visitar a casa dos Oliveiras. Recebido com as cerimônias devidas à maior autoridade da vila, Dom Barreiros encheu o comendador Bráulio de alegrias. Sem compreender exatamente as razões que teriam levado o interino Dom Barreiros a dirigir-lhe tamanha honraria, todo cheio de mesuras, o comendador Bráulio Oliveira agradeceu e confirmou a presença de toda a família no almoço que lhe seria oferecido na Torre de Pedra. Ao ser levado à porta meia hora mais tarde, o lugar-tenente interino não tinha como imaginar a devoção e gratidão que angariara no seio daquela família, tão afeita às subserviências próprias dos velhos cortesãos.

Confirmando a expectativa de Dom Barreiros, como um caminho de pólvora que distribui faíscas por onde passa, o boato do iminente noivado de Dom Benedetto com a filha mais nova do comendador Bráulio tomou a vila, chegando, mesmo, a ofuscar os comentários sobre o casamento de Brites e Balthazar, que, por instantes, passou para o segundo plano das conversas. As pessoas só queriam falar no noivado de Beatriz com o vereador. Como que tomados pelo medo do novo assunto desaparecer repentinamente, nativos de todas as nações e imigrantes dos quatro cantos do universo, senhores e servos de todas as cores, homens e mulheres de todas as idades, padres e beatos de todos os níveis de fervor, pecadores e virtuosos, todos, todos, mesmo, falaram do novo romance e falaram muito. Muitos disseram que, como o noivo era velho, só a fortuna explicava a decisão do comendador Bráulio Oliveira entregar a filha para o vereador. Para outros, ao querer esposar jovem tão cobiçada, o vereador Benedetto procurava se livrar dos comentários maldosos que o acompanhavam pelos tempos.

Não foi diferente na Taberna das Quatro Santas, lupanar do Varadouro animado pela permissividade, para onde, no final da tarde, convergiam amantes do ócio e das diversões mundanas, sendo, por isso mesmo, palco de conversas inconsequentes que, com base nas vozes das ladeiras e becos, rumores anônimos, desconfianças, pressentimentos, opiniões, lembranças e informações adquiridas sabe-se lá como e com quem, fluíam desregradas ao sabor do vinho e da aguardente. Dessas que levam a conclusões tão efêmeras quanto a carraspana que lhes deram origem. De qualquer forma, pelo menos enquanto prevaleceu o estupor, poucos foram aqueles que acreditaram nas notícias vindas, principalmente, de canais que levavam ao governador Dom Barreiros e à noivinha Brites. Na realidade, ao longo da noite, se ouviram gargalhadas tanto daqueles que conheciam Benedetto dos tempos de menino e sabiam das estranhas manias que o vereador revelara desde aquela época, como daqueles que conheciam os sonhos de menina casadoira alimentados pela filha do comendador.

Nenhum ébrio notou, mas, naquele começo de noite, tão logo soube do comprometimento da filha do comendador Bráulio Oliveira com o vereador Benedetto, alterando a rotina de soltar a voz para cantar até o vinho embotar-lhe a garganta e, de quando em quando, estalar palmadas maliciosas nas estalageiras, Dom Basílio Mascarenhas Homem, irmão do lugar-tenente do donatário e frequentador assíduo da casa, ganhou um ar taciturno. Ele jamais comentara, especialmente com os parceiros de farra, mas, entre os muitos sonhos que acalentava, estava a união das famílias pelo casamento do seu primogênito Bertholdo com a jovem Beatriz.

Contendo a explosão de ira, Dom Basílio apurou o ouvido. Havia alguma coisa muito estranha naquela história, pois, conhecendo o vereador desde a mais tenra idade, época em que o sobrinho do primaz era famoso pelas delícias que oferecia à toda a meninada sem pedir nada em troca, sabia que aquele noivado não era "coisa de Benedetto". A campana auditiva surtiu efeito, pois, com os detalhes revelados pelo burburinho desconexo e fragmentos de conversas entrecortadas, até o final da botelha, quando, enraivecido, resolveu voltar para casa, o irmão do lugar-tenente concluiu estar diante de um conluio tramado pela filha do comandante Benjamin, uma tal Brites, que, embora, todos diziam, já não fosse mulher-moça, casaria de véu e grinalda com Balthazar, herdeiro e sucessor de Dom Bonifácio Mendonça, uma das maiores fortunas da capitania. Caminhando lentamente para casa no Paço do Carmo, sentindo a espuma da raiva escorrer pelos cantos da boca, Dom Basílio explodiu e jurou a si próprio que, não só reconquistaria Beatriz para Bertholdo, mas, também, como vingança, impediria o casamento de Brites, jogando-a no caritó.

No dia seguinte, logo cedo, duas forças saíram em campo. Numa frente, dizendo falar em nome do vereador Benedetto, Dom Barreiros mandou rosas vermelhas para Beatriz, a qual, sem jamais saber, pela pena de Brites, as retribuiu com carinhoso bilhete de agradecimento. Na outra, Dom Basílio baixava a voz para, sob a jura de silêncio eterno, cochichar a todas fofoqueiras da vila que, segundo corria à boca miúda no mercado da Ribeira, Balthazar ainda não retornara da metrópole porque, desconfiado de que, além dele próprio, houvera outros homens na vida da senhorinha Brites, relutava em levá-la ao altar, conforme prometido a Dom Barreiros.

A vila ferveu.

Na ladeira da Misericórdia, recolhida a seu quarto, pouco depois de jogar as flores recebidas do vereador pela janela, sem ligar para as lágrimas que escorriam pela face de menina, a senhorinha Brites escreveu mais uma carta ao seu verdadeiro amor, renovando os sentimentos e a promessa de perdão, "desde que você não cometa a loucura que veem dizendo por toda a vila". Ao terminar, sem ter como remetê-la, a dobrou com carinho e selando-a com um beijo, a guardou na caixinha sobre a penteadeira na qual guardava seus maiores tesouros. Vendo o monte de cartas escritas e não remetidas ao amado secreto, Brites suspirou e, num sussurro, disse para si própria que preferia a morte à casar com Benedetto.

Na casa ao lado, cansado da noite insone, ainda com o nariz vermelho de tanto choro e trêmulo de raiva, Benévolo tentava imaginar um modo de livrar Benedetto da angústia que o atormentava e desfazer aquele noivado maluco. Das conversas com a jovem vizinha, sabia estar Brites apaixonada por um homem misterioso. Seria Benedetto? Embora achasse que não, precisava tirar aquilo a limpo. Nem que, para isto, precisasse matar ou, mesmo, morrer.

No rancho das Águas Belas, Benedetto, que, decididamente, não estava disposto a alterar seu estilo de vida, ainda pensou em inventar uma desculpa para não comparecer ao almoço oferecido por Dom Barreiros a Dom Bonifácio e, com isso, evitar um encontro com a tal senhorinha Brites, mas, pensando melhor, constatou que, na condição de vereador, não estava em condições de declinar de um convite do governador interino. Decidiu, então, comparecer ao almoço e enfrentar a situação: ele aceitaria conviver numa festa, mas jamais coabitar com a fedelha.

Em alto mar, de volta à Nova Lusitânia depois de uma curta temporada na metrópole, sem saber da nova movimentação que agitava a vila e se aquele enjoo insuportável era coisa de marinheiro bissexto ou temor pela chegada a Olinda, Balthazar odiou o instante em que dissera o 'sim' para Dom Barreiros. Já cansado da vida devassa, Balthazar estava disposto a se aquietar e baixar o fogo que o levava às farras, às serenatas e a querer todas as donzelas para si. Se pudesse, voltaria no tempo e não tocaria a flor de virtude de qualquer mulher só para conservar a liberdade de desposar quem quisesse e bem entendesse. E, neste caso, pensava ele, não seria Brites. Mas, não havia mais jeito. A cerimônia estava marcada. Os proclamas corriam. E, ruminando as ameaças e promessas ditas pelo governador interino, dormiu. Sonhou com que estava com uma mulher no engenho das Tabocas e não era a sua noiva.

Na Torre de Pedra, Dom Barreiros caprichava os preparativos da festa em homenagem à família do comendador Bonifácio Oliveira, desculpa que encontrara para reunir Beatriz e Benedetto num mesmo lugar. Seria a chance de, quem sabe, fazer acontecer alguma coisa, no mínimo aumentar o cordão dos alcoviteiros. Valia tudo naquele jogo, inclusive um retetel de primeira para seduzir os pais da moça e amansar os pombinhos ariscos. Na lista dos convidados de honra, além dos homenageados e, claro, o vereador Benedetto, apenas a família do irmão do governador titular - Dom Basílio, esposa e o filho Bertholdo -, que daria mais pompa ao encontro, e Brites, que renovaria o corta-jaca.

No Paço do Carmo, ao receber o convite para o almoço em homenagem ao comendador Breno pelas mãos de um furriel paramentado, Dom Basílio exultou. Aquele seria o momento certo para apresentar Bertholdo a Brites e, se Deus quisesse e permitisse, vendo um homem de verdade, ela, talvez, desistisse da ideia do noivado com o vereador Benedetto.

De fofoca em fofoca, chegou o dia articulado pelo governador. De tão bonito, nenhum outro poderia superá-lo, nem mesmo o mais belo dos mais belos dias sonhados por Dom Barreiros e pelos passarinhos, que pareciam cantar mais alegres como se acompanhassem o novo ritmo da vila. O céu estava claro e, arrancando uma música tropical das árvores levemente agitadas, uma brisa suave ventilava a vila, afastando o calor natural daqueles dias. Na realidade, tirando a ojeriza mútua dos pombinhos - que, até então, resistindo a ação corta-jaca do anfitrião e da noivinha Brites, não estavam lá muito dispostos a se entender - tudo parecia impecável. Guarnecida por furriéis em traje de Gala, com a entrada sinalizada por uma espécie de portal construído com ramas de cana-de-açúcar e perfumada por um tapete de pétalas de jasmim e folhas de canela que se espalhava pelo chão desde a rua, a Torre de Pedra estava enfeitada com bandeirolas coloridas bem ao jeito da terra.

À porta desde às oito horas, Dom Barreiros recebeu os convidados de honra e, só após a chegada da família homenageada, devidamente ladeado por Dom Bráulio e pela jovem Brites, dirigiu-se ao jardim do Palácio para circular entre os comensais, apresentando-os e gastando um dedinho de prosa aqui e ali para criar a ambiência adequada a seus planos.

A peregrinação a esmo foi rápida. Em poucos instantes os olhos de águia do interino localizaram o vereador Benedetto, que, fingindo não saber a real causa daquela recepção, conversava animadamente com Dom Basílio e o filho Bertholdo à sombra do caramanchão - um local extremamente romântico, muito apropriado para o encontro desejado. Prontamente, Dom Barreiros contornou convidados menos importantes e seguiu diretamente para o grupo.

Ninguém jamais comentou, a chegada de Dom Barreiros e seus homenageados provocou uma brusca alteração na atmosfera, que, até então, exalava descontração. A mudança foi perceptível, pois, ao tempo que Dom Basílio se animava, ávido para apresentar Brites ao filho Bertholdo, o vereador se impacientava, louco para se livrar da moça.

- Ah! Que bom vocês estarem aqui - começou Dom Barreiros, falando como se fosse uma velha cafetina - Conforme proclamamos nas melhores casas, aqui estão o comendador Dom Bráulio e sua filha Brites, a mais bela flor da Nova Lusitânia, para receber as homenagens da Capitania - o governador quase empurrou a moça em direção a vereador.

Aquele primeiro encontro não ocorreu conforme gostariam os alcoviteiros.

Sem sequer uma troca de olhares, ao invés dos arrulhos que teriam levado Dom Barreiros ao êxtase, à guisa de cumprimento, mal olhando a mesura feita a contragosto por Brites, o vereador Benedetto resmungou alguma coisa e, prontamente, virou o rosto em direção ao corredor de entrada do jardim. Foi quando viu a inesperada chegada do jovem Benévolo, que, instantes antes, alegando ser vizinho do comendador Dom Bráulio e convidado especial do vereador Benedetto, não tivera dificuldades para ultrapassar a guarda de honra e correr em direção ao amigo acossado pelos corta-jacas. Embora agastado com a presença da senhorinha Brites e com o comportamento acintoso do governador interino, Benedetto não pode deixar de sorrir com a ousadia e dedicação do jovem amigo.

Dom Barreiros, no entanto - que, de tão entretido com a urdidura, não vira a chegada de Benévolo -, interpretou o sorriso enviesado do vereador como um gesto de timidez e, com esperança renovada, decidiu fazer um lance mais ousado. Usando o poder dos anfitriões, especialmente daqueles que exercem (mesmo interinamente) o cargo máximo de uma capitania lusitana, impostou a voz e, sem chance a qualquer recuo, comandou:

- Venham comigo. Quero mostrar uma coisa a vocês - e, sem esperar opiniões, arrastou Dom Bráulio , Dom Basílio e o filho Bertholdo para o mirante, no outro lado do jardim palaciano, deixando a senhorinha Beatriz à sós com o vereador Benedetto.

Foi o caos.

Como se não tivesse recebido um carinhoso bilhete de Beatriz (ou justamente por isso), Benedetto não sabia o que dizer a ela (e, sinceramente, não estava interessado em ouvir qualquer coisa que ela quisesse dizer). De sua parte, ainda ressabiada com as flores recebidas na véspera, Beatriz também não sabia o que dizer a Benedetto (e, sinceramente, também não estava interessada em ouvir qualquer coisa que ele quisesse dizer). Ficaram ali, calados e teriam ficado naquele silêncio agressivo por toda a manhã se não fosse a chegada de Benévolo, que, sem esperar convite, para alívio dos dois, se aprochegou dando início a uma conversa qualquer. Ao ver um trio e, não o par que desejava, Dom Barreiros espumou de raiva e, se perguntando como o vizinho de Dom Bráulio entrara na festa, convocou e despachou Brites com a missão de retirar Benévolo do caramanchão e restaurar a dupla.

- Leve aquele menino para conhecer o Palácio, para tomar ponche, faça qualquer coisa, mas deixe os nossos pombinhos em paz, Brites - orientou o velho alcoviteiro.

A emenda, no entanto, saiu pior do que o soneto, pois, ao colocar os olhos em Brites, uma mulher que jamais vira tão de perto, tomado por repentina e incontrolável atração, Bertholdo percebeu o quanto era enfadonha a conversa dos velhos e que não era preciso viajar muito para encontrar o céu. Sem pensar duas vezes, o mancebo deixou-se levar pelo impulso viril e correu de volta ao lugar de onde saíra instantes antes, complicando, ainda mais, os planos do anfitrião. De longe, vendo o quinteto formado, Dom Barreiros exasperou-se, pois, segundo compreendeu do relance, surpresa com a corte descarada, Brites parecia encantada com Berthold e não estava se esforçando o suficiente para impedir que Benévolo continuasse a atrapalhar a tentativa de unir Beatriz e Benedetto.

O interino, então, resolveu intervir pessoalmente. Numa incursão meteórica, Dom Barreiros voltou ao caramanchão e, sem maiores rodeios, levou Brites, Bertholdo e Benévolo para o mirante outro lado do jardim palaciano, deixando, mais uma vez, Benedetto e Beatriz a sós.

Novo caos.

Ao invés de fazer a vontade do governador interino, o Cupido pareceu ter deixado a sombra do tal 'caramanchão romântico' para aboletar-se ao sol que queimava o mirante palaciano. Foi mesmo. Ao tempo que, no caramanchão, numa ponta do jardim, a sós e incomodados um com a presença do outro, Benedetto e Beatriz entregaram-se mais uma vez a um silêncio quase agressivo, na outra, como se não fosse uma noiva ás vésperas do casamento e não houvesse o testemunho de Benévolo, toda assanhada, Brites aceitava a corte de Bertholdo, entregando-se ao flerte escancarado, como se não houvesse qualquer impedimento. Em poucos instantes, quase esquecida dos votos que receberia em breve, Brites estava convencida de que sua felicidade não estava ao lado de Balthazar, um homem que só decidira desposá-la pela força. Não havia como negar o que seu coração dizia aos berros: a sua felicidade estava ali, com Bertholdo.

De longe os casais eram acompanhados por olhares vigilantes e preocupados. Sem entender o que acontecia no mirante, a evidente harmonia entre Bertholdo e Brites preocupava a Dom Barreiros - que, desesperado com a indiferença mútua observada entre Benedetto e Beatriz no caramanchão, começou a perceber alguma ameaça ao casamento da senhorinha com Balthazar - e, igualmente, a Dom Basílio - que, entusiasmado com indiferença mútua observada entre Benedetto e Beatriz no caramanchão, queria ver o filho casado com Beatriz.

De sua parte, acossado pelo o que acontecia no caramanchão e no mirante, Benévolo foi tomado por uma profunda sensação de abandono e inutilidade, pois, percebeu, o mundo girava como se ele não existisse. Bem ao seu lado, a noiva Brites e o sobrinho do lugar-tenente paqueravam às claras e, na outra ponta, fingindo-se desinteressada, a fedelha Beatriz fazia charme para seu amigo Benedetto. Era demais para a sua estrutura delicada. Pensou, até, em se matar. Depois, passada a fase mais aguda da tristeza, decidiu ir à luta e, impelido por alguma inteligência desconhecida, resolveu confiar nos seus instintos de homem diferente. Precisava sair dali para fuçar, imediatamente, as coisas daquela menina mimada que queria afastá-lo de Benedetto.

Enquanto Benévolo urdia detalhes do plano de invadir, ainda naquela manhã, os aposentos de Beatriz na mansão da Ladeira da Misericórdia, inesperadamente a festa ganhou frisson, sendo agitada pela aparição da Cruz de Malta na linha do horizonte. Era, seguramente, o navio que trazia Balthazar da Europa. Preocupado com o crescente perigo vindo do outro lado do jardim, Dom Barreiras correu até o mirante e, interrompendo os arrulhos e olhares perigosos, gritou:

- Veja, Brites. É a caravela que trás Balthazar de Lisboa. Viva!

Acompanhando o entusiasmo do anfitrião, todos gritaram vivas, incluindo, Beatriz e Benedetto, que, salvos pela gritaria, puderam se livrar um do outro, correndo para se juntar aos demais convivas.

Estranhamente, vendo a nave se aproximar do cais dos Milagres, Brites e Bertholdo não pareciam animados. Foi quando, preocupado com a melancolia que tomara conta da dupla, Dom Barreiros decidiu salvar, pelo menos, um dos casamentos e, numa ideia que julgou genial, propôs que a festa fosse momentaneamente interrompida para que todos pudessem dar as boas vindas a Balthazar.

Naquele momento, aproveitando a revoada rumo ao cais, ao invés de descer a rua de Palhais como todos, Benévolo tomou o sentido contrário e correu à mansão do comendador Bráulio Oliveira, na ladeira da Misericórdia. Enquanto, nos Milagres, para tristeza de Dom Barreiros, lançando olhares à Bertholdo, Brites recebia o noivo friamente, Benévolo - que, melhor que qualquer homem, conhecia profundamente a mente feminina - cascavinhava as coisas de Beatriz em busca de segredos. Cheio de esperanças, ele procurava qualquer coisa que pudesse ser usado para afastar a dona do quarto de Benedetto. A busca foi mais rápida do que o rapaz esperava. Tão logo sentou à penteadeira (como faria uma moça casadoira), Benévolo percebeu a caixinha. Uma caixinha decorada com lacinhos e fecho de prata. Própria para guardar os tesouros de uma moça. "É aqui", pensou Benévolo, imaginando, inicialmente, ter achado o diário de Beatriz. Abriu o fecho e, surpresa, ao invés de um caderninho como esperava, encontrou um maço de cartas. Levado pela curiosidade, leu uma por uma, perdendo a conta de quantos 'oh!s' pronunciou. Ali estava a munição que precisava. Na realidade, munição para impedir a realização de dois casamentos e, não apenas daquele que desejava. Talvez angariasse algum descontentamento, mas livrar mulheres do caritó não era responsabilidade sua. A única coisa que interessava naquele momento era impedir o noivado de Beatriz para conservar a amizade de Benedetto.

Minutos mais tarde, todo ancho, com um ar de vitória nunca visto, após apresentar as boas vindas na última posição da fila de cumprimentos, Benévolo lançou um olhar ferino em direção às mulheres e, no curso de uma rabissaca, colocou o maço de cartas no bolso interno da jaqueta de Balthazar:

- Leia cada uma delas. Leia ainda hoje, Balthazar. Você vai me agradecer.

Com um pulgueiro atrás da orelha, sentindo o volume das cartas pressionar o peitoral, Balthazar avisou a Dom Barreiras que, antes de seguir à festa na Torre de Pedras, recolheria os baús e tomaria um banho refrescante para aliviar "as tensões da travessia do Atlântico".

- Não há problema, Balthazar. A festa não tem hora para acabar - concordou Dom Barreiras.

Em casa, quase por 'desencargo de consciência", Balthazar abriu um dos envelopes. De imediato, reconheceu a letra arredondada que dava vida às cartas recebidas da pessoa que quase o fizera abandonar voluntariamente a vida de boêmio e, que, de um instante para o outro, tão logo começaram a correr os proclamas do seu casamento com Brites, suspendera a remessa. Com o sangue acelerado, leu todo o calhamaço. Eram as cartas escritas, mas não remetidas depois que noivara. A cada uma sentiu surgir um novo homem. A leitura esclareceu muita coisa, inclusive a qual coração deveria entregar a seu amor. Ao final da leitura, numa espécie de êxtase emocional, Balthazar decidiu que, se era para perder a liberdade de garanhão, que, pelo menos, fosse com a mulher amada e não com aquela imposta pelo governador. E, respirando profundamente, deixou emergir a coragem de homem rico e, junto com ela, a decisão de dizer a Dom Barreiras que desposaria a filha do comendador Bráulio e, não a filha do comandante Benjamin.

Estava formada a confusão. Como desfazer um casamento para fazer outro? De qualquer forma, tomado pelo entusiasmo, Balthazar correu à festa. Queria encontrar a jovem Beatriz e, se tivesse oportunidade, ter uma conversa de maioral para maioral com o interino Dom Barreiras para fazer um 'ajuste' na agenda do seu casamento.

Não precisou fazer muito esforço para fazer o que queria.

Tão logo ultrapassou o cordão de furriéis, ingressando no jardim perfumado, fingindo não ver Brites - que, deliciada com a conversa com Bertholdo, fingiu não vê-lo -, antes de se dirigir ao anfitrião - que, de olho na 'futura noiva', fazia sala ao homenageado e não o viu -, Balthazar deixou os olhos vagarem em busca de Beatriz. Bastou um olhar para desencadear a maior explosão de amor já vista na Vila. Sentindo-se correspondida, Beatriz desvencilhou-se de Benedetto e correu ao seu encontro. Uma corrida vista por todos e que dizia muita coisa.

Embora a etiqueta recomendasse recato e, mesmo, afastamento, especialmente por tratar-se de um mancebo noivo, Beatriz não conteve o impulso e, praticamente, jogou-se nos braços de Balthazar. Não houve necessidade de qualquer conversa. Como se estivessem sós e não houvesse qualquer tipo de impedimento, beijaram-se loucamente, selando publicamente um novo compromisso.

Diante do beijo apaixonado de Balthazar e Beatriz, a festa parou, dando lugar a um profundo rearranjo de corações apaixonados. Sentindo-se livre do compromisso articulado pelo governador interino, que àquela altura arfava sentindo um inédito revirar dos bofes, Brites aprofundou, ainda mais, o flerte e, em instantes, estava de braços dados com Bertholdo (há quem jure tê-los visto aos beijos), provocando um pequeno colapso em Dom Basílio, que tinha outros planos para o filho. No outro lado do jardim, assim que viu a corrida de Beatriz em direção a Balthazar, Benévolo correu no sentido inverso, rumo ao caramanchão, para abraçar Benedetto, que, embora abandonado (ou justamente por isso), parecia aliviado e, com o sorriso dos que ganham a liberdade, abriu os braços para acolher o amigo.

Sem entender como aquelas coisas estavam acontecendo, mas percebendo as consequências da nova disposição dos amores no mapa do poder da Vila, os mais velhos reagiram. O comandante Benjamin ameaçou recorrer às armas para tomar satisfações com Dom Bonifácio, que pensou em admoestar o comendador Bráulio, que não sabia o que fazer com "essa juventude tresloucada". Uma barafunda dos diabos. Já sob o efeito dos sais, Dom Berreiras recorria à indignação de Dom Basílio para justificar a própria indignação com as surpresas trazidas pela festa.

Parece jamais ter havido recepção tão movimentada como aquela na Torre de Pedra.

Ao final daquela festa, muitas alianças trocaram de rumo, alterando destinos, planos familiares, pactos genealógicos e, não se pode desconsiderar, a agenda matrimonial pensada por Dom Barreiras para animar a vida pacata de Olinda. Ao invés de Brites, Balthazar casaria com Beatriz, ao invés de Benedetto, Beatriz casaria com Balthazar, ao invés de Balthazar, Brites casaria com Bertholdo, ao invés de Beatriz, Bertholdo casaria com Brites e, ao invés de Brites, Benedetto permaneceria solteiro, livre para continuar a profunda amizade com Benévolo.

A confusão foi grande, especialmente nos primeiros dias após a movimentada homenagem prestada pela Capitania à Dom Basílio. Pelos becos e vielas não se falava outra coisa. Sem saber, exatamente, o que havia acontecido, todos arriscavam uma versão para os novos casórios anunciados. Aos cochichos, as pessoas comentavam sobre o ocorrido na Torre de Pedra, dizendo o que lhes vinha à telha. Foram muitas as versões para a súbita alteração no calendário das festas anunciadas pelo governador. Duelos pela mão da donzela Beatriz, bate-boca entre as senhorinhas Brites e Beatriz, discordâncias sobre o valor de dotes, alterações impostas pelo próprio donatário. Não havia certeza nem sobre quem seriam os noivos. Para uns Benedetto casaria com Beatriz e Benévolo casaria com Brites. Para outros, era justamente o inverso. Houve quem dissesse que Bertholdo casaria com Brites e Balthazar entraria para o convento dos Beneditinos. Línguas mais ferinas disseram que, loucamente apaixonado, era o interino quem casaria com Beatriz e, numa reviravolta inexplicável, Brites casaria com Benedetto.

Pouco a pouco, no entanto, como sempre ocorre, com as poderosas famílias apaziguadas por acertos patrocinados e só conhecidos pela governadoria, a poeira assentou e, mesmo turva, a vida retomou o eixo. Só que, desta vez, como queria o governador interino Dom Barreiras, animada pela perspectiva de dois grandes casamentos. E, por fim, animada como qualquer cidade europeia, Olinda desfilou preparativos, alegrias e fofocas até o grande dia, quando, toda enfeitada, a Igreja de São Salvador do Mundo, a Matriz da Sé, recebeu dois casais para, em festa, receber o sacramento matrimonial.

Na primeira fila, no dispositivo das autoridades e padrinhos, ao lado do vereador Benedetto, que eventualmente disparava sorrisos em direção do amigo Benévolo, o interino Dom Berreiras cumprimentava as pessoas e, com a tranquilidade de quem fez a coisa certa, observava o orgulho como, todos paramentados, ladeando o pároco-geral Dom Benigno, Dom Bonifácio aguardava a entrada de Balthazar e Dom Basílio aguardava a entrada de Bertholdo. Com nova animação, já esquecidos das rusgas recentes, eles abriram largos sorrisos quando viram, em passos ensaiados, a entrada na Matriz de Beatriz, conduzida por Dom Benjamin, e Brites, conduzida por Dom Bráulio. A belíssima cerimônia só foi perturbada pela tosse usada por Dom Benigno para disfarçar as vezes em que trocou os nomes dos noivos. Desta vez, a recepção nupcial oferecida às elites de Olinda na Torre de Pedra não sofreu nenhuma perturbação.

E, assim, abrindo caminho para a felicidade de Benedetto e Benévolo, Balthazar e Beatriz e Bertholdo e Brites, que foram felizes para sempre, Olinda viveu a movimentação tão desejada pelo governador interino.

Alexandre Santos é ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural