Greyhound

O coiote tinha olhos azuis-acinzentados e parecia mais texano do que mexicano. Contou cuidadosamente os 15 mil dólares que eu e Francisca havíamos levado e depois perguntou:

- Vão querer um guia do outro lado da fronteira?

- Não - repliquei. - Vamos por nossa conta e risco.

Ele nos olhou de cima a baixo, como que duvidando de nossa capacidade, mas balançou a cabeça em concordância.

- A rota que faço é a La Bestia, que os levará até Piedras Negras, na fronteira - explicou. - Dali, atravessarão o rio Bravo para o Texas.

- E é longe até o outro lado? - Indagou Francisca.

- Apenas 36 metros. Não vão encontrar lugar mais fácil para atravessar - assegurou ele.

- E quando partimos? - Perguntei.

- Daqui à uma semana. Até lá, vocês vão ficar numa casa com uma família de seis guatemaltecos, aguardando o transporte.

Não havia mais como desistir. Aceitamos os termos do acordo.

* * *

A distância até os Estados Unidos era curta, de fato. Mas o que o nosso guia não havia nos dito é que seria feita numa noite sem lua, nadando num rio cheio de redemoinhos que puxavam os incautos para baixo. Quando chegamos na outra margem, exaustos e ensopados, nosso grupo de doze clandestinos havia perdido dois integrantes, muito provavelmente arrastados pela correnteza. Não havia tempo para lastimar os mortos ou desaparecidos; seguimos adiante, já em território texano.

Os guatemaltecos tinham um esquema com um coiote local, que os esperava num caminhão pequeno próximo à rodovia 480. Eu, Francisca, e uma mexicana, Delfina, com o filho, Christian, um menino de dez anos de idade, seguimos adiante para Eagle Pass.

- Vocês têm onde ficar? - Indaguei para Delfina.

- Tenho parentes em Eagle Pass - explicou. - Vão arranjar trabalho pra mim.

Trocamos de roupa no meio do mato para não despertar suspeitas, já que estávamos encharcados. De lá, Delfina e Christian seguiram para um lado e nós para outro, já que não tínhamos a intenção de passar noite ali.

- Estamos indo para a Califórnia - informei à Delfina quando nos despedimos.

- Há um ponto de ônibus da Greyhound no Stripes da Veterans Boulevard. É a melhor maneira de se deslocar pelos Estados Unidos sem despertar suspeitas - sugeriu ela.

Finalmente, chegamos ao Stripes, uma loja de conveniência. Paramos na calçada e virei-me para Francisca.

- Bem-vinda á América - disse para ela.

- Nem acredito que chegamos - ela sorriu.

E agora, era esperar pelo ônibus da Greyhound. O qual, como soubemos depois, costumava atrasar...

- [30-10-2020]