Doce sabor das lembranças da Infância.

Na minha infância, eu adorava quando chegavam as férias escolares, pois elas significavam poder ficar uns dias na casa dos meus pais, no sertão. Durante o período escolar, eu estudava e morava no município de Piracuruca, ao norte do Piauí, na casa dos meus avós paternos.

Semanas antes de ir para o Jacareí, nome do meu sertão, eu e os meus irmãos já começávamos a ficar eufóricos. Meus pais preparavam tudo o que a gente gostava: passeios a cavalos, tomar banho de rio, comidinhas e guloseimas que só a mamãe sabia fazer. Mas o melhor de tudo eram os passeios na casa de meus primos e de meus avós maternos.

A casa do vovô Zezinho era a melhor diversão de todas. Tinha variadas frutas frescas que podiam ser colhidas com a mão, o bolo de goma, tirado do forno à lenha, sempre bem quentinho e os saborosos suspiros, que eram motivos de algazarra, porque ninguém se contentava com a quantidade que ganhava. Também tinha o banho na quinta (roça) do meu avô, onde a água era límpida, onde podia se ver a areia branquinha do fundo. Tínhamos a permissão e acompanhamento de minha avó Mariquinha para fazermos a maior zoeira.

Meu avô, também sabia prender a nossa atenção. Contava estórias como ninguém. Podia prender nossa atenção por horas a fio a sua volta, pois ficávamos fascinados pelo mistério do enredo e pela entonação da sua voz, quando nos contava as suas aventuras. Tinha uma estória que eu, particularmente, adorava ouvir. Era sobre o curupira, figura lendária, que ele dizia ter encontrado numa noite de caça às onças, naquela região, onde ele desenvolvia suas atividades como fazendeiro, exímio caçador e pescador.

Uma das aventuras não foi tão divertida assim, mas foi a que mais marcou a minha infância. Era inverno chuvoso e estávamos em três. Eu, meu irmão mais novo e a nossa cuidadora, Chiquinha que, curiosamente, também tinha quase nossa idade, entre os sete e quatorze anos.

Saímos a pé, retornando da casa do meu avô, por volta das dezesseis horas. Já chovia, mas na nossa inocência, pensávamos que daria tempo chegar à casa dos meus pais, ainda com chuva fina. Era um percurso de três quilômetros em uma estrada de terra batida. Como a chuva ainda estava fina, saímos bem tranquilos e brincando de pegar frutinhas silvestres das arvores que margeavam o caminho. Não percebemos que a chuva foi ficando muito forte e com o passar do tempo, apesar de apressarmos o passo, fomos surpreendidos, ainda no meio do caminho, por um raio que caiu muito próximo de nós, de forma que, aquele clarão de imensa luz e do barulho ensurdecedor do trovão, nos deixou tremendo de frio e medo.

Aquele raio atingiu uma árvore, à beira da estrada, lhe cortando ao meio e espalhando muitas faíscas pelo chão. Estávamos tão próximos da árvore atingida, que o susto foi inevitável. Disparamos numa correria desenfreada e na euforia, os chinelos e os brinquedos foram ficando espalhados nas águas que escorriam fortemente pelo caminho e, tamanho era o medo que nem olhávamos para trás.

Para aumentar o desafio, ainda tinha o riacho de passagem molhada, que quando chovia muito, as águas ficavam bravas e a correnteza valente. Quem não sabia nadar bem, não corria o risco de atravessa-lo, embora a casa dos meus pais ficasse na outra margem. Sabíamos também, de histórias contadas, por moradores locais, de pessoas que não lograram êxito naquela travessia. Ficamos ali, acocorados e de mãos dadas, como em uma prece por mais de uma hora, enquanto esperávamos aquela água baixar.

Quando enfim chegamos, a nossa casa, meus pais estavam tranquilos, pois pensavam que tínhamos esperado todo aquele tempo, aguardando o passar do temporal, na casa dos meus avós.

As aventuras da minha infância no sertão são as melhores lembranças que trago para minha história. Quando fecho os olhos sou capaz de ver a menina peralta que fui, ouço as risadas do meu avô e sinto o sabor das frutas cortadas com a faquinha cutelo da minha avó, o gosto da cana caiana descascada pelo meu pai, nas noites de luar e até a coceira causada pelo bicho de pé — e isso é muito bom.

Todas essas lembranças de amor e carinho são de um tempo que não voltará; mas, também, de um tempo que nunca vai embora. É que eles não morrem jamais: vivem na nossa memória e na saudade que fica em nossos corações.

Luzinete Fontenele
Enviado por Luzinete Fontenele em 29/09/2021
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