Mesa para três

A ala de Hegestap onde habitavam os funcionários residentes possuía uma ampla sala de jantar iluminada por um candelabro (com bicos de gás, não velas), abaixo do qual estendia-se negra uma imensa mesa de mogno polido para 16 pessoas, no momento coberta por uma toalha de renda branca. A bibliotecária estava sentada à cabeceira, de frente para a porta que dava para o corredor, com a governanta à sua direita. O assento à esquerda estava obviamente reservado para Sjutsje Ykema, que havia entrado no recinto pontualmente às 20 h e lá já encontrara as outras duas à sua espera.

- Somos somente nós três? - Indagou a jovem para Frauke Wassenaar.

- A criadagem mora no subsolo - replicou a bibliotecária. - Você vai vê-los ocasionalmente, inclusive agora, servindo o jantar, ou cuidando dos jardins durante o dia; mas são muito discretos, e só falam quando interpelados. Aqui, nós prezamos o silêncio.

- Por causa da biblioteca - apressou-se a acrescentar Marte De Vos, em voz baixa.

Sjutsje fez um aceno de cabeça, aquiescendo. Teria que partir do pressuposto de que por "biblioteca", a governanta queria referir-se à toda a área ocupada pelo castelo...

- Como foi enviada para cá como aprendiz, - prosseguiu a bibliotecária - sua primeira tarefa será ler o Regelboek. Há um exemplar na primeira gaveta do seu criado-mudo, caso ainda não a tenha aberto.

Sjutsje, que após o banho estivera arrumando suas poucas roupas e sapatos no armário do quarto, não tivera tempo de examinar o móvel citado, mas prometeu que seria a primeira coisa que faria ao voltar, depois do jantar.

- É importante que crie afinidade pelo Regelboek - enfatizou Frauke Wassenaar. - Não é um livro extenso, tem cerca de 100 páginas, e o objetivo não é que memorize cada regra, mas que saiba as mais importantes para cuidar da biblioteca.

E diante da expressão dúbia de Sjutsje, acrescentou:

- Você tem uma boa aura; não vai ser difícil criar afinidade com o Regelboek. Quando entender o que eu quero dizer com isso, avise à Marte, para que eu possa apresentá-la à biblioteca.

A jovem perguntou-se como poderia saber que havia criado afinidade por um livro de regras, mas a bibliotecária não parecia estar para brincadeiras.

- Desculpe a pergunta, senhora... mas quanto tempo isso costuma levar? - Indagou Sjutsje cautelosamente.

- Não há um prazo definido - foi a pronta resposta. - Dois, três dias, uma semana... mas Marte aposta que, no seu caso, iremos ter uma surpresa agradável. A sua aura foi a melhor que vimos por aqui em muito, muito tempo. O vínculo talvez se forme de imediato.

Apesar de temer uma resposta atravessada, Sjutsje atreveu-se a fazer a pergunta seguinte:

- E se esse vínculo, por alguma razão, não se formar, senhora?

Frauke Wassenaar lançou-lhe um olhar severo:

- Então, você não será digna de trabalhar com a biblioteca e terá que partir.

Após pronunciar a sentença, sua expressão desanuviou-se de pronto, e ela voltou à afabilidade anterior:

- Isso, contudo, não irá acontecer. Você foi avaliada positivamente antes mesmo de vir para cá, não tenho receio de que irá se revelar uma inapta.

Voltou os olhos para o relógio de pêndulo a um canto do salão, e depois ergueu uma sineta que estava sobre a mesa, ao lado do prato. Balançou-a duas vezes e uma porta no extremo oposto do recinto abriu-se, revelando um homem de uniforme branco, gorro na cabeça.

- Senhora? - Indagou, solícito.

- Pode servir, Richold - comandou Frauke Wassenaar.

- [Continua]

- [26-11-2021]