Snein

Acima e além das mesas dos veranistas e dos coqueiros à beira-mar, erguia-se a imponente estrutura do resort Noardlike Badplak, que com seus oito andares e centenas de quartos, lembrava um elegante navio branco encalhado na costa. Em seu dia final na praia, Jakkele Bokma e família aguardavam à sombra do gigante, junto à piscina, a chegada do almoço, previamente solicitado ao restaurante do estabelecimento.

- Filha, já decidiu em qual associação de jovens vai querer entrar? - Indagou Bokma para a caçula, divagando sobre o Presintaasjedei do ano vindouro.

Wjera olhou para a mãe como quem pede um sinal, e não recebendo nenhum, respondeu de modo ambíguo.

- Bom, pai... pode ser qualquer uma. Conheço meninas que falam coisas legais, tanto da FJA quanto do FB.

- Eu entrei para o FB, - atalhou Ummichje Bokma - mas você é livre para escolher o que achar melhor, não é, Jakkele?

Pego de surpresa, o comissário fez um gesto afirmativo.

- Claro... embora eu mesmo tenha entrado para a FJA quando tinha a idade do Akke - replicou.

Akke cruzou os braços e encarou a irmã.

- Acho engraçado que as garotas tenham duas associações para escolher, e nós, homens, só a FJA - comentou. - Por que essa proteção?

Ummichje deu uma risadinha.

- "Nós, homens"; não faz nem duas semanas, ainda era o meu menino...

- Isso foi antes do Presintaasjedei - corrigiu Akke altivamente, exibindo o bracelete de aço no pulso direito.

- Oh, claro - caçoou a mãe. - Mas, respondendo à sua pergunta, não é uma "proteção", é uma tradição que vem do tempo em que as mulheres não podiam servir às forças armadas e só lhes permitiam ocupar funções auxiliares, como enfermeiras, médicas, veterinárias, radiotelegrafistas... pessoal não combatente, enfim. E mesmo não indo para a linha de frente, se arriscavam a serem mortas pelo inimigo durante um ataque. Se fossem "protegidas", estariam nos abrigos, junto com a população civil.

Jakkele deu um piparote na orelha do filho.

- Podia ter ficado sem essa lição de história, hein, campeão?

Desconcertado, Akke não respondeu e olhou para o lado, ver se o almoço estava vindo.

- Não sei se quero ser força auxiliar dos militares... - disse cautelosamente Wjera, sondando o terreno onde pisava.

- Será bem-vinda na FJA! - Garantiu com entusiasmo Jakkele. - E poderá contar com o apoio do seu irmão, não se esqueça.

Akke franziu a testa, mas achou mais prudente não se manifestar.

- Trabalho de verão - retrucou Ummichje do nada.

O marido e os filhos a encararam sem entender.

- Se você quer trabalhar durante as férias de verão, entrar para a FJA vai lhe garantir isso - esclareceu Ummichje. - Se você lhes perguntar, os contínuos, o pessoal que limpa as piscinas, as meninas que arrumam as mesas do restaurante... muito provavelmente são temporários da FJA.

- Eu disse que isso das FB era proteção - resmungou baixinho Akke, cabeça baixa.

Wjera franziu os lábios.

- Trabalhar no verão é obrigatório na FJA? - Questionou, encarando o pai.

- Ninguém vai lhe obrigar a isso - afirmou categoricamente Jakkele.

- Mas se não aceitarem algum trabalho no verão, não ganham pontos na hora de concorrer às melhores universidades - atalhou Ummichje.

- Ah... não creio que no seu caso isso seja um argumento válido - intrometeu-se o marido.

- Como assim, Jakkele Bokma? - Ummichje baixou a voz e aproximou o rosto do marido. - Que tipo de exemplo quer dar à sua filha? Que o pai é um homem importante e poderá lhe conseguir vaga numa boa universidade?

Jakkele olhou feio para a mulher.

- Por favor, Ummichje... não distorça as minhas palavras.

Um silêncio tenso surgiu na mesa, os dois adultos se encarando; Wjera tentou acalmar os ânimos.

- Pai, mãe, por favor... eu tenho até o ano que vem para resolver isso!

O jogo do siso entre marido e mulher foi interrompido pela chegada de uma jovem atendente uniformizada, trazendo pratos e talheres para o almoço.

- Mesa 27... com licença, família - disse ao se aproximar e começar a arrumar a louça sobre a mesa.

Parecendo receber uma súbita inspiração, Jakkele voltou-se para a atendente e perguntou:

- Desculpe, moça... mas você é associada à FJA?

Ela o encarou surpresa pelo inusitado da pergunta, mas respondeu sem pestanejar:

- Sim senhor, FJA.

- Esse é o seu trabalho principal ou temporário?

- Temporário.

- E você estuda?

- Mas claro, senhor... acabei de terminar o Liceu. Só falta fazer a prova de capacitação para pegar o diploma.

- E você veio trabalhar aqui para aumentar os seus créditos extracurriculares? - Insistiu Jakkele.

A atendente o encarou como se ele houvesse acabado de cair do céu azul.

- Desculpe senhor, mas trabalho de verão não conta pontos como matéria extracurricular. Eu venho aqui faz três anos, pelo mesmo motivo: preciso ajudar nas despesas em casa, e os turistas dão gorjetas.

Jakkele virou-se para Ummichje, triunfante.

- Eu te disse.

Tirou uma nota de dois siclos da carteira e a colocou na mão da jovem.

- Muito grato pela sua ajuda, moça. Como se chama?

Ela enfiou a nota no bolso do avental, antes de responder:

- Sjutsje. Sjutsje Ykema, senhor.

- [23-12-2021]