Na praia

Dias se passaram sem que Varvara desse o ar de sua graça. Finalmente, ao sair mais cedo da biblioteca para ir à praia conhecida por Zeltaini, Sedriks avistou a bicicleta azul da garota sob uma amendoeira. A dona estava sentada junto ao tronco da árvore, um livro nas mãos e expressão concentrada. Ela ergueu a cabeça quando Sedriks a chamou.

- Varvara!

- Mas se não é o filho da bibliotecária... - foi a resposta mordaz.

- Ainda está chateada comigo? - Indagou o rapaz, parando sua bicicleta vermelha em frente à garota, um pé no chão para dar apoio.

- Eu estaria, se a biblioteca já estivesse aberta e você renovasse o empréstimo do livro de Bergmanis por mais uma semana.

- Isso não aconteceu... - apressou-se em dizer Sedriks. - E se tivesse me procurado antes, eu teria dado um jeito de devolver o livro.

Ela o encarou com uma expressão curiosa.

- Bem... não fui mais lá porque vocês ainda não têm uma data de reabertura. De nada adiantaria o livro estar na prateleira e não poder ser emprestado.

Sentindo que sua presença parecia não incomodá-la, Sedriks apeou, segurando a bicicleta.

- A biblioteca vai reabrir no final do mês... - afirmou, erguendo a mão direita num gesto solene. - Palavra da minha mãe.

Ela deu um meio sorriso e colocou o livro aberto sobre a areia, lombada para cima.

- O que está lendo? - Indagou ele.

- As "Obras Selecionadas", de Daigone Pence.

E diante da expressão de dúvida do rosto dele, acrescentou, ampliando o sorriso:

- É poesia. O fato de ser filho da bibliotecária, não te obriga a conhecer todos os autores.

Sedriks também sorriu.

- Valeu! Acho que gostaria de ler mais... minha mãe, com certeza, ficaria muito feliz.

- Não sei se iria gostar da Pence - avaliou Varvara, lançando-lhe um olhar especulativo. - É uma escritora feminista, sabe.

- Posso colocar minha bicicleta ao lado da sua? - Indagou Sedriks.

- Não vou cobrar pela vaga - replicou Varvara com ar maroto.

Sedriks sentou-se ao lado da garota, o livro de poesia entre eles.

- Por falar na minha mãe... ela sugeriu que eu poderia convidar você para ir ler o livro de Bergmanis lá em casa.

Varvara o encarou com um olhar penetrante.

- Sua mãe está querendo me garantir como a primeira leitora da biblioteca?

Sedriks deu uma risadinha encabulada.

- Você sabe... enquanto o "O Mar de Júrmala" não volta para a prateleira.

Varvara balançou a cabeça, como se avaliasse a proposta. Depois, falou com calma:

- É um calhamaço, e eu gosto de tomar notas. Essa proposta da sua mãe inclui almoço, jantar e lanche da tarde?

Sedriks baixou os olhos, acanhado.

- A gente passa boa parte do dia na biblioteca... mas acho que ela não teria nada contra você ir lá, para ler o Bergmanis.

- Está bem - respondeu simplesmente Varvara.

- E os seus pais? - Indagou Sedriks.

- O que têm eles? - Replicou a garota, testa franzida.

- Vai ter que pedir autorização para ir à biblioteca?

Ela fez um gesto negativo.

- Para isso, com certeza não preciso pedir autorização. Considere-me convidada.

Pegou o livro do chão, abriu-o na última página e tirando uma caneta do bolso da calça jeans que vestia, entregou-a a Sedriks.

- Anote aí seu endereço. Amanhã de manhã, eu apareço na biblioteca.

Ele escreveu o endereço e devolveu o livro com uma pergunta:

- Por que quer tanto ler esse Bergmanis?

- Por que você, que nem gosta de ler, está lendo? - Retrucou Varvara com um sorriso irônico.

- [Continua]

- [23-03-2022]