TESOUROS DA HUMANIDADE

”De nada adianta ter tido um livro, se no fim não aprendeu à lê-lo, assim é ter tirado uma foto do jaçanã, ao invés de tê-lo ouvido cantar.”

A água balançava a canoa de Luís que de tão feliz não podia ver seu reflexo no mar. Seus olhos azuis já denunciavam sua origem e seus cabelos castanhos claros, encaracolados e curtos, o coroavam rei. O mesmo rei que, com sua estatura baixa, se orgulhava da realeza que pelo mar gritava.

Era um sumé, mas não era como os outros, tinha outras ambições. Não viajava para o Novo Mundo com intenção de se assentar, muito pelo contrário, seu orgulho jovial e suas ambições o levavam querer viajar por todo o litoral que olhava. Voltava para a aldeia que não visitava há dois anos e estava ansioso em ver o quanto mudou sua segunda casa, a aldeia que o Sol não podia brilhar.

Foi reconhecido quando desceu do bote e afundou seus pés brancos à areia dourada. Estava ele só com dois de sua tripulação, quando adentraram na mata do doce aflorar, passando pelos buritis que ornavam aquele lugar.

Foi longe pela mata até chegar aonde queria. Queria ele o lar, sendo aquela simples clareira ou todo o Brasil. Não importava, porque para o português, só estava ali para ver uma face gentil. Em toda a viagem para voltar à esta terra, o galego apenas lembrava de um nome: “Ariê!”. Havia chamado o garoto, do nome que literalmente significava fogo.

Se alegrou muito em vê-lo que não havia mudado em nada. Estava ainda inventando histórias e contemplando a sua velocidade a terra assentada. Era esta a alma que jamais seria elogiada. Mas Luís conhecia o garoto de olhos negros, que brilhavam o futuro que sua mente junto às suas mãos bronzeadas, com seus cabelos lisos e curtos pintaria, sem que os nativos soubessem que daquelas pinturas em seu corpo, nenhuma delas á Ariê serviria.

Sua estatura alta e forte o consagrava como bravo guerreiro, que guerra alguma havia fugido, porque de todas na vida havia compreendido. Luís não perdeu tempo, logo o convidou para ir ao mar com ele, porque sabia que naquele homem queimava o saber dos lugares, a esperteza de achar tesouros e estrelas sob os luares.

Luís planejava passar por todos os lugares que haviam lhe falado. Todos estes recheados de tesouros, brilhos de ouro, que esperavam da água ser coroado, o rei que de todos os caminhos haviam levado. Rumo agora, à jornada que Luís e Ariê iniciavam, parecia mentira e seria se não fosse as fortes ondas do litoral, que manchavam das pedras um momento natural, continuaria sendo apenas história, porque dela não só se pede memória.

Do lugar de onde saíram não era muito longe a vista da Ilha de Marajó e desde já, podia se dizer que não havia nada igual, distante do mar, as espumas das ondas guiavam as barcas por seu caminho astral. Estrela alguma podia contar que naquele lugar havia tantos colossos, alinhados à mesma altura, tão iguais e tão distantes da terra, eram estas herdeiras da costa de iminente guerra. O tucumã e a andiroba se abraçavam à beira do horizonte daquele galeão que a tripulação guiava, na ingenuidade de toda a terra, para desbravar aquele mito, recuperar ao chão a verdade que escondia no seu manuscrito. As palavras escritas por outros navegantes, famosos, desacreditados, que ousaram descrever o inacreditável em instantes. Palavras essas, que guiavam Luís ao tesouro do Marajó, que estavam longe de um desembarque calmo, estando aflitos todos ao verem que naquela terra o navio estava só.

O Mito

De canoa foram à terra e pela terra trilharam sua jornada. Seguiram a trilha até encontrar uma clareira, longe de se estar habitada, apenas estava vazia, com uma estátua formosa que reluzia o ouro que foi encrustada. Talvez um presente de amigos distantes, do outro lado da cordilheira, apenas estes curiosos errantes, que foram esculpidos na pedra por inteira.

O dourado do Sol reluzia como o ouro, que da estrela foi esculpida, segurada por uma guerreira decidida. A cunhã parecia estar na guerra, na guerra por seu desejo de ao menos tocar na ponta da estrela avermelhada e dela sentir o queimar de um lugar propício. Era esta a estrela que brilhava sobre aquele mito, mas Luís não conseguia perceber isso, porque estava preocupado demais com o ouro que era o motivo daquela jornada, desde o início.

O homem apenas ligava para o metal, omitia a arte por inteiro e não entendia o que ela queria dizer, nem ao menos em verso sorrateiro. Era apenas para ele um tesouro e pouco se importava se para alguém tinha um valor imenso, sabia de seu valor, mas ainda não podia compreender o motivo intenso.

Não reluzia em seu coração o olhar para a estátua, não como para Ariê, que mostrava seu respeito e boa intensão. Sabia que não era certo pôr a mão em algo que não lhes tivessem razão. Aquela estátua não era só ouro, era também parte do coração, porque do mito se compreende a mente e da mente se mostra o chão. Rumos diferentes que trilham à moral e da moral a sua lição.

Podiam ser ridicularizados, taxados como coisas fúteis e descartáveis, símbolos da degeneração e incoerências humanas. Estava longe disso, porque mesmo estando ali há anos, nos ensinavam em histórias escritas em porcelanas. Tomavam o corpo do amor, um rosto do respeito, para seu louvor. Criadas ali ou no além-mar, que das colunas brancas se erguiam odisseias, frutos das histórias contadas por Medéia. Ensinavam de forma que ninguém ouvia, afinal era este, o mito, um dos tesouros da humanidade.

Ariê proibiu o galego de tocar na estátua. Se aborreceu, porque apenas no ouro pensava. Ele se irou com Ariê e dele cobrou um tesouro maior, que da terra podia ser procurada. Com calma disse que no próximo litoral, acharia o tesouro daquela terra que de longe ainda não era alcançada. Estava ela, um Olimpo julgado amoral, que um dia na própria independência, seria história lamentada. Chorava de saudade Luís e Ariê, porque do Brasil até o além-mar se igualava em distância, e, mesmo o Brasil, não podia se contar campos como redundância.

Por que daquela terra se sentiria deslocado? Sendo esta cheia do melhor que o mar trouxe do fundo do mundo, mentes de todos os lugares, aproximadas por um só destino, era esta a terra que viera o fim oriundo, determinado como decadência de um só povo, mas do contrário era esta, o brilhar de uma nova gente, de cor essa que fazia jus ao mundo novo.

Como um pensamento distante e como a onda brava do mar, o galego acalmaria e àquele lugar se uniria, a origem daquela terra importante, estando contra ou à favor, no fim se juntaria, ao esperar que o tempo construiria o futuro, mas quando se acalmasse, poderia voltar, de boa face na Bahia e nesta se iniciaria o que daquela terra se ostentava mais que a prata, era a promessa como como cana plantada em seu coração que nada separaria aquela união.

No balanço do mar dançava sobre o galego a raiva marginal que era acalmada pela promessa do nativo que podia, com suas palavras, encantar o homem que ainda não tinha visto nada igual. Era a maior fraqueza do nativo que velejava, mas também o tesouro que jamais da terra e do mar se achava. Era este o que perdia as palavras de seu rumo, era este o que encantava as frases em seu prumo, era esta a beleza estonteante que contaminava com suas riquezas o nosso mundo. Era o amor que Ariê tanto pensava. Podia vê-la ao mar, mas sequer lhe passava à mente o fruto de imaginar, o vento nos cabelos que a bela formosa jogava ao ar. Há pouco tempo conhecia a beleza de seu coração e fazia feliz a quem tinha calma de pensar no amor á terra, daquela nova chama que lhe encantava o sorriso e ascendia a intenção.

De todos aqueles tesouros, era este o que Ariê não tinha ainda, porque este o tinha sacrificado pela viagem, pelo rumo que o descobrimento havia de trilhar, por letras e descrições da terra, vindas de olhos do mar. Naquela terra, os corações eram sempre os mesmos, que por séculos esperaram do cheiro do café vir o perfume das abóbadas verdes, que ousavam do céu, fazer chover o choro frio da terra que este molhava qualquer lábio que tivesse o gosto do mel. Era a jandaia que cantava por algo tão lindo. Era o momento que dos livros saía um novo Brasil, que visto daquele altar, era este o lindo encontro das águas que o boto rosa levava aos corações que pela terra haviam de se aproximar.

Luís não podia entender o amor que Ariê sentia, tanto pela nativa porã quanto á Ilha Bela, que acabavam de chegar. Sentia o calor de seu peito queimar. Seguiam aquela chama até que dela formasse o mar de amor que era o Brasil, que como brasa era a sua cor, estrelada pelo mesmo céu anil.

Com quem Luís brigaria por amor? Apenas brigaria com o amor, porque via à longe sua amada ser sufocada pela vida normal que muitos viviam naquela terra distante afinal. Lugar que fazia o céu vermelho, onde vermelho também era o chão. Faltava amor, sendo este a solução de paz ou o próprio motivo da guerra. Perguntava-se Ariê, como no sangue nasce a dúvida se do tempo morre a terra?

O Amor

Para o alívio da tripulação chegaram á terra, e, fugindo do temporal, alcançaram em mente a única chama que estava acesa: estar próprio no amor, para que nele pudesse guiar a sua vida, era esta esquecida de todo o sinal de rancor, causado pela ganância que brilhava nos olhos de Luís, que mesmo sob a luz dos raios, dava apenas ao bronze real valor, sob a estátua dos dois amantes que em plena chuva estavam agarrados eternamente, sem dar ao metal sua importância, metal que o nativo de tocar lhe proibiu. Era este laço que lhe foi proibido separar, eram os donos de seu lugar. No canto sem flor, como para Capitu, estrangeiro algum podia separar aquele amor e o amor só não amou ao corpo porque do desejo tinha que afastar, do coração a sua dor.

Aquela terra havia afastado Luís de sua casa, mas não era a hora de parar. Não devia ao menos haver tempo para se atrasar. Agora já não tinha medo os fortes ombros que as águas haviam de derramar. E era este o futuro que um dia lhe foi reservado e era esta a glória que jamais lhe foi negada. Mas diante de tantos tempos bons, a dúvida de Luís o sufocava, porque podia cruzar todo o mar azul até o céu, sem que lhe fosse respondido a pior das perguntas que havia de possuir. Era em nós que um dia se quebrou o olhar do passado, porque estávamos ocupados demais quando, do futuro se veio a seguir.

Chegando ao fim do Brasil, Luís estava quase sucumbindo à sua própria coragem e à sua própria vontade de cruzar o mundo porque não havia motivo e nem origem. Podia aguentar a falta dos mitos e do amor, mas não podia jamais viver sem ser esta a vida, explicada a ele. Havia de ser alguma ilusão que substituísse seu caminho e da vida real se esquivava, seguia apenas a vida normal, porque de conquistar o mundo, impedimento algum havia da luz boreal. Lhe faltava um sentido homérico, um princípio que o guiasse até a razão. Era poupado da cruel sentença Euclidiana da sua intensão. Ariê sentia pena de seu amigo, que agora nem queria mais tesouro algum. Metal nenhum podia lhe brilhar aos olhos e perto de findar a viagem, havia ainda um último tesouro que deveria lhe mostrar, uma última promessa para pagar.

Chegava ao fim do mundo e nele o tempo pouco importava, porque se podia ver tudo, do Sul ao horizonte profundo. Podia ele ver daquele lugar, todo a humanidade, vê-la falhando e por que não á isso cantando? E o globo ia girando. Havia entendido que com toda a paz do mundo jamais do tempo se escreveram tantas palavras em memória, e que todo o poder e o ouro, de nada serviria se de nada entendessem a sua história. Da história não viveu o mundo, se ele do futuro nutriu um medo profundo.

Davi Stefanello Possamai
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 27/11/2022
Reeditado em 29/11/2022
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