A encomenda

Sob a luz da lua cheia, um "koch" negro de dois mastros adentrou a baía de Cing'iyak, na ilha Kodiak, orientado por uma grande fogueira acesa na praia. Lançou âncora, e pouco depois, um bote conduzindo seis homens armados, dirigiu-se ao ponto de encontro em terra firme. Ali foram recebidos por cinco guerreiros sugpiat, um nativo usando um penteado moicano, e um homem branco barbado vestido de modo eclético, com um casacão militar sobre uma parka sugpiaq e calças de couro gitxsan, do continente. Outros membros da comunidade sugpiat acompanhavam o encontro à distância, sem se manifestar, mas com evidente interesse.

- Fez boa viagem, capitão? - Indagou em russo o branco, dando um tapinha afável nas costas do líder dos recém-chegados.

- Eu trouxe o que você pediu, Toyόn Kalliq - foi a resposta direta do marinheiro, após retribuir o gesto. - E o que tem para mim?

- Vamos nos sentar primeiro e comer um bom guisado de urso - convidou-o Kalliq. - E eu ainda tenho algumas garrafas daquele rum jamaicano, para abrir o apetite.

O convite e a referência à bebida desanuviaram os ânimos. Comeram o que foi trazido por mulheres sugpiat e depois de alguns goles de rum, o capitão fez sinal para que dois de seus homens descarregassem o bote. Eles trouxeram duas caixas de transporte de armas, dois barriletes e um baú.

- Não é uma beleza? - Indagou o capitão, ao abrir as caixas e expor o carregamento.

- É o Charleville modelo 1763? - Indagou Kalliq, erguendo para a luz um dos mosquetes de pederneira acondicionados na caixa.

- Não! Esse é o novo modelo aperfeiçoado, o 1766 - exultou o capitão. - Carrega muito mais rápido; com uma certa experiência, você pode dar uns três tiros por minuto!

- Caramba - comentou Kalliq, sem parecer estar nem remotamente impressionado. - E temos pólvora e munição?

- Os dois barriletes, e mais 300 pelouros. Acompanha doze baionetas para os mosquetes, uma garrucha espanhola e um sabre polonês.

- Muito bom. As roupas vieram? - Questionou Kalliq.

O capitão abriu o baú e começou a tirar vários itens: casacos, camisas, calças, tricórnios...

- Deu um pouco de trabalho, mas finalmente consegui tudo. Não são peças novas, contudo.

- Não, perfeito, eu queria mesmo roupas usadas - assentiu Kalliq. - E a bandeira?

- Aqui está - disse triunfante o capitão, abrindo uma Union Jack sob a luz da lua.

- Perfeito - aprovou Kalliq.

- E de brinde, você ainda leva uma luneta naval - acrescentou o capitão.

- Muito generoso da sua parte - agradeceu Kalliq, voltando-se para o moicano, que acompanhara a discussão em silêncio.

- Peça para que tragam as peles - disse em francês.

O intérprete bateu palmas e repassou a instrução em língua alutiiq. Os guerreiros balançaram as cabeças e dispersaram-se. Voltaram pouco depois escoltando outros nativos, que traziam fardos de peles de lontra-marinha.

- Está aí, pode conferir - disse Kalliq para o capitão. Este começou a examinar as peles uma a uma, e as ia repassando aos demais marinheiros.

- É sempre bom fazer negócios com você - disse ao fim da conferência.

- Igualmente - redarguiu Kalliq. - E, a propósito, quanto me cobraria por um "koch"? Um mais simples do que o seu, de apenas um mastro.

Os olhos do capitão brilharam.

- Eu não tenho essa resposta agora, mas quando voltar, no próximo verão, lhe digo. Enquanto isso, vá juntando peles!

Kalliq abriu um sorriso despreocupado.

- Meu caro capitão Gera, eu não pretendo pagar com peles. Traga o "koch"; vamos fechar o negócio em ouro, como pessoas civilizadas que somos.

- [29-12-2023]