Contos de um marujo.

A aposta

Nos tempos de formação na Escola de Aprendizes - Marinheiro, eu era afeito a grandes emoções como por exemplo: faltar repetidas vezes ao treinamento físico – militar; forjar doenças para ser dispensado de serviço, principalmente o de rancho; e pular o muro. Tudo isso, se flagrado, seria graves punições.

Mas eu não satisfeito com o que aprontava, gostava de fazer algo fruto de observação e estratégia: sair, estando de serviço na sala de estudo, para ficar com minha namora. Porém, logo vi que deveria contar apenas comigo e não divulgar a ninguém minhas intenções; quaisquer que fossem meus colegas de turma. O plano, que comecei bolando ainda aprendiz, carreguei como segredo de estado – em minha mente apenas – um mistério guardado a sete chaves.

Fui, inicialmente, verificar a escala de serviço dos sargentos contramestres. Era cinco por um. Evitei a todo custo fazer esta arriscada tentativa com sargento Solstício, primeiro cão fuzileiro naval e infante, a quem metia o respeito (pela carreira e inteligência). Procurei na lista um menos arisco à disciplina para fazer de vítima e, após observação minuciosa, encontrei: loquaz, cheio de bravatas, arrastando prepotência com as almas. Era o esfíncter, natural do interior do Estado, um segundo cão de Sobral, terra de gente presunçosa, no conceito dos próprios cearenses.

Quando finalmente cruzamos nossos caminhos; ele, contramestre e eu seu auxiliar, no quarto de hora de oito às doze da manhã. Resolvi que ia dar o bote. Dei meu serviço e, ao cabo, fui ao rancho para almoçar. A comida era conhecidíssima carne moída com batatas. Alimentei – me e fui para o alojamento. Lá chegando, vi um paraense citando seus feitos: que avia pulado o muro diversas vezes; que não ia ao estudo obrigatório para namorar sua “boyzinha” (a menina no jargão marinheiro) e que ainda desafiava qualquer um a repetir suas façanhas. Eu, que já havia falsificado minha identidade com plastificação e outros por menores, resolvi medir foças. Antes, pedi a presença de uma liderança dos cariocas, o Hérbson, natural do morro do alemão na zona norte da cidade do Rio de Janeiro.

Reuni todos os dois quartos de serviços de folga no horário (para ter testemunhas em caso de traição do paraense) e fez a proposta. Este não acreditou no sucesso do que lhe propunha, achou loucura e cegamente apostou seu pagamento contra o meu. Faltava uma semana para recebermos, o que adoçou a ambição do nortista. O Fluminense achou algo escandaloso, mais propôs me ajudar. Manteve a aposta em sigilo e pediu para que eu me apressasse, pois o licenciado das treze horas e trinta minutos estava para ser trocado na boca de ferro. Quem estava de folga já se aprontava para sair. Troquei o uniforme, fui para a formatura, passei pela inspeção, prestei continência à bandeira e dirigi ao portão. Deu tudo certo. As apostas paralelas corriam soltas pelo alojamento.

Minha namorada estranhou e me inquiriu:

- O faz aqui? você não está de serviço, não? – Eu disse que não se preocupasse e fomos namorar até as dezoito e trinta. Dado o horário (que passou depressa), me despedi e fui embora em direção ao portão principal. Para a minha surpresa, algo inopinado: o sobralense Esfíncter estava conversando com o contramestre do horário de quatro às oito, a quem renderia. Estaquei olhei para o sentinela, conhecidos da aposta, em que havia investido uns trocadinhos a meu favor. Gesticulei para que observasse, sem que o segundo – cão percebesse, num momento em que ele entrasse na ida – de – estado ou olhasse na direção oposta a do alojamento, de costas para o portão. O campanha fez sinal e eu, me encostando à parede passei pelos fundos do recinto onde estavam os sargentos. A partir dali, a uma distância segura. Dei a volta e, passando pelo auditório e a piscina, dirigi - me ao alojamento. Nunca corri tanto e, a sorte estava ao meu favor, porque fui obrigado a passar em frente a praça d’armas onde fica o oficial de serviço.

A galera, enlouquecida, vibrava pelo meu sucesso. Enquanto os perdedores, ficavam sem acreditar no que viam, já contabilizando suas perdas, num silêncio sepulcral, davam – se por vencidos. O paraense, incréu que iria descer. O carioca Hérbson e a turma, na sua maioria, não deixaram. Aquele serviu obrigado a ficar, pois logo, logo foi feito um corredor polonês. Estavam todos com a toalha molhada e com nó nas pontas.

- Você não banque o safado, deixe que ele venha...assistir tudo e vai ter, “mermão” que aturas as consequências...

Já quase desfalecido, cheguei e foi motivo de aplauso no alojamento inteiro, totalmente encharcado de amor. Peguei meu cheque e o do apostador que, desesperado, disse – me que a família, da periferia de Belém, morando numa palafita, iria ficar um mês sem mantimentos; que sem revela – lo na seleção, era arrimo, sustentando a todos com o salário ou antes, ajuda de custo, ganha mensalmente na escola... ainda ameaçar e bater com a língua nos dentes, o que trouxe uma revolta total. Tomou um surra para sem, sozinho, enquanto eu tomava um banho de pia, com a ausência do plantão do banheiro. Puxei toda a água, já me preparando – me para colocar o uniforme mescla e fui à chamada das dezenove e meia. Assumir o serviço com o sargento Esfíncter e à meia noite, depois de rendido, fui dormir o sono dos justos só acordando depois do TFM, na hora do banho e uniforme para o café da manhã. Foi o presente que ganhei dos amigos. A quem tanto comoção provoquei, sejam quais fossem as procedências.

Tira a capa, Benedito!

Magno Petrus, azevinhado a ponto de na escuridão só se virem o branco dos olhos, a arcada dentaria (perfeita e alva com a lua cheia), as palmas das mãos e as unhas, foi apelidado pelos colegas de pelotão como Benedito. Carioca nascido e criado no morro da serrinha, veio compor nossa turma com seus conterrâneos após todo o processo de seleção.

Para os colegas do Ceará, era um tipo exótico. Sua epiderme retinta e escura, reluzia à luz do sol e chamou a atenção de Guaracy. O jovem franzino, fortalezense do bairro da Parquelândia, não satisfeito em apelidar Petrus, zombeteiros, não perdeu a oportunidade de implicar com o negro: Fez uma analogia com a capa de chuva da andaina utilizada na marinha. E começou a fazer a guerra, jargão naval, com o companheiro: preto e retinto.

Quando este passava, Guaracy gritava e era acompanhado ambiciosamente pelos colegas do Ceará, a princípio:

- Tire a capa, Benedito! – M. Petrus ficava de briga e xingava a todos, sem exceção.

A guerra chegou aos ouvidos do supervisor de pelotão, o cabo fuzileiro naval corneteiro Oriosvaldo, que não pode deixar de achar graça. E o único conselho ao ofendido o seguinte:

- Deixa, isto passar! Mas, ao contrário de suas previsões, a guerra espalhou - se entre praças e oficiais.

- Petrus, eu avisei... Agora se espalhou! Eu te disse que era para não esquentar e você fez tudo ao contrário.

O negão, até o fim do curso foi obrigado a se calar. Sem achar a mínima graça, ele confessou a um amigo fluminense:

- Eu, da serrinha, soando por este bando de “paraíba” comedor de arroz com feijão! Em referência ao baião de dois, prato típico da região.

Dalila, o pivô.

Este caso aconteceu na pensão de dona Amélia. A casa recebia a maior parte dos marujos que iam cursar para cabo no quartel de marinheiros na Avenida Brasil, bairro da Penha. Eu era uma raríssima exceção. Estava no estabelecimento desde que cheguei no Rio de Janeiro, provindo da Escola de Aprendizes.

As filha de dona Amélia eram três e, com exceção de Nicole, obesa e mal feita até de feições, paravam o transito. Dalila e Domitila mais e caçula respectivamente; eram esta solteira e aquela casada com um suboficial da marinha, prestes a fazer a prova para Auxiliar da armada (alfa, alfa como são conhecidos estes oficiais provenientes de praça).

Tudo começou quando Danilo marinheiro do Quadro Suplementar Taifa cujo o curso era cozinha, chegou. Natalense das Roca, era um cabra musculoso e atraente; de baixa estatura, porém. Praticamente de caratê, trouxeram com sigo um quimono e um par de chuteiras. Ao chegar foi recebido por Dalila na porta da pensão, enquanto esperava o marido para ir embora. A filha de dona Amélia ficou muito bem impressionada com o físico atraente do aluno de cozinha, um futuro taifeiro. E passou a frequentar ainda mais a casa da mãe a pretexto de dançar forró com Danilo.

A coisa evoluiu e os dois acabaram no motel e, antes aproveitando a situação favorável em que não havia ninguém na pensão, concretizaram ali mesmo aquele desejo insano. O nordestino, pouco acostumado aos hábitos da cidade grande, acabou se apaixonando e pôs tudo a perder, pois queria Dalila só para si. Casada e com três filhos pré – adolescentes. A mais velha de dona Amélia tentou contornar a situação, com tudo não conseguiu.

O natalense comprou um revolve e matou, pelas costas, o sub com cinco tiros e logo em seguida cometeu o suicídio: com um tiro apenas no ouvido direito.

O Não

Ao chegar ao Rio de Janeiro na Escola de Aprendizes Marinheiros demorei um pouco a ser movimentado. Foram necessário dois dias para que eu viesse a saber qual seria minha primeira Organização Militar. Como eu, outra parcela de minha turma designada para o Primeiro Distrito Naval, só veio a sabé-lo no cabo do expediente. A princípio fomos lotados no Grupamento Naval do Sudeste, em frente ao cais de Portuguesa, onde ficam os rebatedores de alto mar: Tridente, Tritão e Alte Guilhobel.

À noite, após arrumar uma coisa de armário e colocar minhas roupas (quer de andaina quer paisanas) aproveitei uns poucos trocados na carteira e comprei um sanduíche com batatas fritas e refrigerante no Mac Donald’s de avenida Rio Branco na praça Mauá. Daí, alimentado, resolvi explorar minha terra natal e fui a Niterói de barca. Desembarquei na praça Arariboia, do outro da Baía de Guanabara, atrás d travessa dos Leassa listas em Icaraí, de frente ao Instituto Abel. A condução me deixou praticamente na porta e procurei por Cícero e Silvana. O casal, nordestino de origem, dera anos antes hospedagem para meu pai, a mim e minha mamãe. Naquela época aquele viera para fazer o curso de sargento. Oriundo de Brasília onde seria receber essa ajuda. Ficamos eu e mamãe, uma semana, até a formatura. O curso foi no Quartel de Marinheiros (se não me falhe a memória) e a conclusão na Ilha do Governador.

Achei o prédio e perguntei ao porteiro por aqueles. O funcionário, após confirmar que era ali, ligou o interfone e a Silvana atendeu. Esta me permitiu subir ao apartamento, após o guarda portão citar o nome de meu pai. Fui bem recepcionado, mais ao pedir guarida, explicando minha situação. Recebi um diplomático e incisivo “não”. O casal disse-me que, apesar da amizade por minha família (gostavam muitíssimo de meus pais), tinha uma filha da minha idade, dezoito anos, minha presença, além de tirar a privacidade de todos, constrangeria a jovem, mesmo que por um período curto que fosse. Sai desanimado: era a primeira vez que li dava com um “não”, entre vários que receberiam pela a vida a fora.

Certo pelo Duvidoso

Ainda sou do tempo em que, hierarquicamente, as praças com o privilégio de adentrarem nos quartéis e nos navios à paisana eram os suboficiais e primeiro sargentos da Marinha. O restante não tinha essa prerrogativa. Nisto se valiam os donos de casarões antigos, próximos ao Primeiro Distrito Naval, para explorar as casa de armário alugadas aos marujos, fuzileiros e demais sargentos por um módico preço, já que a clientela era enorme.

O primeiro armário que aluguei foi no seu Agnelo. O velho, já de seus aproximadamente, creio eu, à época, setenta e poucos anos, era rígido. Não avia o perigo de furtos e arrombamentos. O idoso só permitia a entrada de clientes. Este e os filhos revezam – se durante vinte e quatro horas de domingo a domingo na vigilância. Só era permitida a entrada de inquilinos e quem não cumprisse, após a primeira admoestação era convidado a sair do recinto, sem que fosse permitido um retorno posterior.

Eu, à época, muito jovem e impetuoso, por não cumprir esta cláusula -----, fui expulso. Entrei com um companheiro e levei – o ao meu armário. O velho chiou e eu, atrevidamente, o peitei. Foi o cúmulo! E o copo d’água entornou. De imediato, fui à outra casa que não tinha que a segurança quer a vigilância de seu Agnelo. Aluguei outro armário e, como regalia, tinha acesso ao chuveiro para tomar banho. O que seu Agnelo não oferecia. Mas me arrependi. Fui furtado por um companheiro de alojamento que levara até lá. O cadeado que eu usava era de segredo e o safado decorou a senha. Uma vacilada, uma distração de um minuto. Levou – me o fardamento, toda a roupa paisana, bem como pertences e dinheiro.

O velhaco (descobriu – se, depois que havia sido expulso, por empurrar um oficial na baía) estava vivendo, desde então de pequenos golpes nas dependências dos alojamentos de cabos e marinheiros do Primeiro Distrito Naval.

A sinusite: A ameaça e a intervenção

A quem foi acostumado ao calor do semi – árido, foi fervora a chegada no Rio de Janeiro, em pleno mês de julho, pois fazia muito frio. A temperatura baixa, eu estranhei muito. O choque térmico logo me fez gripar e acabei desenvolvendo uma sinusite que se tornaria crônica ao longo do tempo. Não sabia eu como trata – lá convenientemente por duas razões: o ganho como grumete ainda e um profissional competente no navio a quem pudesse recorrer. O enfermeiro de bordo, um segundo sargento era totalmente inábil. Morria de medo do imediato, de quem era chamado atenção pela incompetência para o cargo. Não tinha voz ativa para nada e se escondia atrás das ordens dos oficiais e praças mais antigas. Cabos e marinheiros decididamente não o respeitavam...

Novato e sem experiência de ante dos primeiros sinais e sintomas recorri ele. Queixei – me de febre, dor de cabeça e nariz entupido. O sargento deu – me um ante térmico e disse que era dar tempo ao tempo, que ia passar. Não passou, voltei a procura – ló com a mesma queixa dias depois. Foi quando me disse que não poderia me ajudar. Estava ocupadíssimo e que eu fosse trabalhar. Não tinha tempo para um reles mais moderno.

Ainda tentei falar, mas o sargento, usando da hierarquia, mandou – me calar a boca, sob a ameaça de dar uma parte minha ao comandante. Naquele momento, o imediato passou presenciando a tudo: Eu calado, olhando para o chão e aquele aos berros. Interveio, curioso oficial:

- Que se sucede aqui? O enfermeiro ainda tentou tomar – me a palavra.

- Cale a boca, sargento! Eu falei com ele; não, com você!

- Explicada a situação e minhas queixas, mandou – me para o hospital.

- Se ele foi dispensado, quem vai para o livro de castigo é você!

A mancada

A situação era ridícula. O tenente me pedindo desculpas: dava vontade de rir. Tive a todo o custo que evitar uma gargalhada. Porém não podia faze – lo. Aceitei – as mas ainda assim pedi a permissão par representar contra ele.

O fato era grave. O oficial me destratou, sem a mínima razão, perante cinquenta recrutas. Estava totalmente descontrolado. Uma atitude impensada e comprometora, mesmo para uma autoridade do Quadro Complementar, um roda de fura, sem ter curso na Escola Naval aprendeu somente a marchar e ter rudimentos do regulamento, após quatro meses de formação. Foi mandado para o Primeiro Distrito Naval, a fim de servir como candidato às fiteiras do QC. Só após um ano na ativa poderia, sob observação, ser promovido a se efetivar na Marinha.

O incidente se deu no alojamento daquela organização militar. Eu que servia numa OM apoiada, cujo alojamento era de minuto e estava lotado. Recorri ao sargento do meu quartel e expliquei o problema. De imediato foi passada uma mensagem, solicitando ao 1º DN uma acomodação em suas dependências destinadas a cabos e marinheiros. Não peguei uma cópia e foi o meu erro (infantilidade de boy), mas o tenente também tinha uma parcela de culpa. Pois ao receber a mensagem mandou arquivar sem responder, eximindo-se de sua responsabilidade. Com tudo, depois de perceber a mancada grave ainda tentou pôr panos quentes. Eu não aceitei e levei o caso à frente, a pesar de oito oficias me pedirem para deixar por isso mesmo.

Meu comandante me apoia toda via, disse – me que era para eu fazer coo manda o regulamento e, não, procedemos (com ameaças recíprocas). Ao cabo o tenente e, sem o apoia de ninguém, pediu penico e fez o inacreditável: humilhou – se e pediu desculpas. Mesmo com todo o desdém! Um orgulho vaidoso que todo oficial é incentivado a ter em relação.

O imediato

Nunca tive problemas com o imediato do rebocador Tridente. Detestado por todos, praças e oficiais, aquele tocava a rotina do navio com mão de ferro. A grande maioria tinha medo de sua altiva figura, não suportava incompetência e falta de reverência. Tive oportunidade de ver, diversas vezes, impor – se perante qualquer infrator. Certa feita, o navio atracou após uma viagem de socorro a um barco pesqueiro que se perdeu em alto mar à deriva e sem comunicação. Fomos num resgate até encontramos a embarcação, com metade de nosso contingente. Éramos um navio de socorro em serviço na jurisdição do 1º DN e o embarque foi feito às pessoas para sarparmos e procurar os pescadores. Após o resgate, que durou uma semana, emendamos com uma comissão. Fomos a Santos e depois à área do 5º Distrito Naval, para patrulharmos o litoral da região Sul.

Foi penoso. A escala de serviço reduzida e comida racionada, pois nosso almoxarife (na Marinha denominado pai oleiro) havia ficado em terra. Com a despensa trancada, a tripulação ficou em regime de guerra, racionando a comida. Após esse regime de exceção, em que, além de todos esses problemas tivemos de testemunhar o rebocador em alto mar ficar apagado horas a fio, com o pessoal das maquinas trabalhando muito dia e noite nos motores, até superarmos aquele imprevisto desafio. Todos estávamos estressados e com os nervos à flor da pele, só mesmo o preparo feito nas Escolas de Aprendiz nos garantia sabedoria e paciência. Na certeza de que aquilo era passageiro e ao fim daríamos boas risadas.

Em fim chegou a hora de voltarmos e desfrutar de um fim de semana, após a baldeação. Pois na segunda, o contra mestre de serviço, o cabo Antunes, acompanhado do marinheiro Campos, seu auxiliar, estava contando uma situação hilária por que passou. O boy expressou – se com uma sonora gargalhada, dizendo que seu interlocutor era “burro demais” – o imediato ouviu.

- Cabo, que significa isso? Outra dessa e vai para o livro de castigo!

Um dia a casa cai

A Marinha do Brasil é a terra da batata quente: ninguém quer segurar! E, quando se é obrigado a fazer - lo a mão seguramente vai se incinerado... Tive várias oportunidades de observa - lo na prática, quer no navio quer nos quartéis onde servi.

A situação que vou narrar aconteceu na DADM, Diretoria Administração da Marinha. Quando tive a oportunidade e satisfação de servir com o suboficial Raimundo Ramos, tal fato se deu. O velho guarda com quase trinta anos de serviço ativo, sem nunca ter se quer sido chamado atenção (até mesmo no tempo de agregado). Uma ficha exemplar e admiração de todos com quem serviu pela conduta e ilibada e trato com os mais modernos, a quem sempre incentivava e aos superiores.

Ingressou na Marinha praticamente menino na Escola Naval, onde fez a prova para aprendiz e passou em primeiro lugar. Foi mandado para a EAM – CE, a mais rígida de todas as escolas de aprendizes marinheiros. Mas um dia a casa cai e a ocasião se mostrou.

A terceiro sargento Ohara, Corpo Auxiliar Feminino, o CAF, era admirada por todos, oficiais e praças. Um corpo escultural, aliado a rosto angelical, invejando a qualquer mulher até mesmo se fosse adolescente... Trabalhava na contabilidade e cuidava dos investimentos da Marinha. Era pessoa de confiança, seu chefe apenas assinava. Não era possível e admissível errar.

Certa vez por uma mancada, fez um procedimento errado e a Marinha teve um enorme prejuízo. O diretor, um contra almirante intendente, foi repreendido e responsabilizado severamente, ameaçando até mesmo sua promoção. Irado, fechou a cara e chamou o imediato, um capitão – de – mau – guerra na iminência de ser promovido. A cascata foi descendo e se avolumando, sub risco de ser batida uma parte, caso diretor fosse promovido. A notícia teve repercussão e a CAF, em desespero, chorava perante o chefe do setor responsável.

- Saia daqui! Chamem o sub! Berrava descontrolado pela raiva... E aquele tomou uma chamada pior do que um recruta, sem ter culpa de nada.

O enfermeiro de bordo

A enfermaria é um verdadeiro confessionário. O que é dito morre ali. Certa feita o marinheiro Sanches me procurou acanhado.

- Seu cabo, é preciso falar, com o senhor!

- Diga boy! O que é que tá pegando?

Disse – lhe enquanto esterilizava um material de pequenas cirurgias. O marinheiro se mostrava, preocupado, e eu mesmo notei pelo semblante. Após a partida do Porto de Santos, Sanches estava isolado e indiferente até o mais popular passa tempo de nossa Marinha de Guerra: o aliado. O marujo olhava para a enfermeira com desejo de entrar. Mas vacilava. Isso aconteceu durante dois dias, quando enfim me procurou.

- Eu preciso de uma injeção! Pois desde que partimos para a comissão, noto meu Bráulio ardendo e coçando. Fazer xixi dói muito...O que é heim?

Orientei, mais Sanches se mostrou resistente em falar com o médico de bordo. Certamente o oficial mandaria fazer a aplicação de um antibiótico, no entanto, eu como militar e profissional da área da saúde não poderia tomar à frente de modo precipitado sem autorização, apesar do teste ter dado negativo: Sanches não era alérgico. Disse ao marinheiro que ia consultar os meus livros. Mas eu preciso de uma receita. Era uma vida que estava em questão, após orientação do tenente, chequei para o boy e orientei seu tratamento bem direitinho. E pedi o retorno. Deu certo! Mas ele queria furar, mesmo não manifestando os sintomas. Ficou bom.

O propósito das Escola de formação

A formação dos marinheiros é destinada a quatro escolas de aprendizes: em Recife, Fortaleza, Vitória e Florianópolis. Lá são ministradas todas as nações de como se portar no navio. O leitor deve se perguntar, mas porque tudo isso?

Entre os ensinamentos (já como aprendizes) a marujada é ensinada pelos instrutores que a troca de serviços tem de ser autorizada pelo Oficial de Serviços (me lembro bem!). A maioria não cumpre, mas eu que estava a caminho de ser cabo, quando fui entender.

Foi num fim de tarde em que Miranda, companheiro de curso, veio procurar no alojamento alguém que pudesse tirar seu serviço, oferecendo dinheiro. O que não era permitido pelo regulamento. O Barbosa, um natalense boêmio, concordou. Foi ao rancho para jantar e, na hora determinada pela rotina, respondeu pelo Miranda. No momento em que foi pegar o fuzil assinou pelo companheiro e assumiu – lhe o serviço.

Qual não foi a surpresa no momento em que uma ambulância, chegou com um paciente atropelado em seu interior. Não demorou para que fosse descoberta a fraude. No mesmo instante, Barbosa foi posto a furos. E, à medida em que se instaurou a sindicância, porque a família do defunto foi atrás da indenização. Como a Marinha provou em juízo o embuste, ganhou a causa. No entanto tudo isso não livrou o Barbosa da expulsão, a título de exemplo.

O onceiro

Ele tinha desde que embarcou a fama de atrapalhado. Na faxina do Mestre, sempre ia bater ferrugem no estado, era rotina sua queda nas água da Baía de Guanabara. Mas era gente boa, simpático e se mostrava prestativo, o que fazia conquistar o afeto dos companheiros de bordo.

Certa feita, após comissão de trinta dias, para levar uma turma de aprendizes em sua primeiro viagem de instrução. Foi orientação do comandante ao oficial de navegação que não deveriam se afastar muito do litoral. Alguns alunos sentiram o jogo do navio, no entanto, a maioria dos aprendizes não se queixou ou de ânsia de vômito ou ficou tonto.

A turma se animou, pois o Rebocador de Alto Mar Triunfo era um navio de pequeno porte, se fosse um grupo para uma embarcação maior, não sentiria nada. A prova maior seria com o Ary Pareiras, um navio transporte movido à caldeira.

Voltemos, então, aos aprendizes. Muitos boys ficaram encantados com a vida de bordo, com exceção dos futuros marinheiros que trabalhariam nas máquinas, contudo, repensaram e juraram bandeira.

Na ocasião em que falamos do nosso atrapalhado marinheiro, que fora apelidado de Kid Onça (onça dificuldade e onceiro marujo atrapalhado). Ao passear pelo navio, encontrou o cabo escrevente da Cruz batendo uma infinidade de documentos, a serem atualizados. O Kid o abordou.

-Posso te ajudar? Indagou, curioso.

-Sim Kid! Carimbe estes ofícios, por favor, enquanto concluo estes aqui.

Ao fim da tarefa, quando verificou o resultado. Os olhos marejavam e as lágrimas desceram: O marujo havia carimbado tudo de cabeça para baixo. Seria necessário fazer tudo de novo.

“O velho sub”

A gratidão de, no fim de carreira, perto de ir para a resenha, era marca daquele militar. Os companheiros de círculo hierárquico classificavam – no como um “viva marinha!’’. Cearense de nascimento, nosso caro sub Heleno, alcançou um patamar restrito a poucos. E tinha muita gratidão a Deus e ao destino, uma gratidão por ter alcançado, no serviço ativo, o ápice como praça: nem todos conseguem alcançar por maior que seja o esforço e a dedicação. O sub Heleno era um militar que, ao ouvir o que ouvia o que dizia a guerra dos irmãos de armas, tinha para ela um elogio pessoal. E comentava com a boyzada que seu conceito foi ser um homem realizado.

- Lembrem sempre que vão falar, exaltar o SAM, serviço ativo da marinha, que lhe permitiu chegar ao ponto máximo da carreira. Ainda respondeu que era o rei dos cachorros, se fizer a prova para o oficial cito seria boy outra vez. O sub não se apetecia em ser o que era: o mais antigo dos praças. O comentário é que o leão era implacável com seus proventos. Teve um contador excelente para cuidar do patrimônio e também de sua declaração de renda. Quer dizer mais responsabilidades e pouco reconhecimento por parte dos oficiais. O sub já pensando nisso pretendeu ficar com o mais antigo dos praças. Além do mais, seu destino é navio e já estava batalhando para regressar à Esquadra, onde seria o senhor mestre, conforme reza a OASA. Ordenança Geral do Serviço na Armada.

-Lembrem – se, boyzada! De falar, exaltar o ambiente naval. Eu, publicamente, sempre falo que a “Briosa” me proporcionou momentos e experiências impares!

Quando procurava nas reminiscências sempre tinha histórias que, no seu pensamento, só o presidente da República teria igual. No convívio o sub, ainda solteiro, dizia que agora aos quarenta e sete anos começaria uma promissora carreira como escritor quer de contos quer, tendo como fundo, a faculdade de jornalismo. Daí decidiria se iria para a imprensa televisiva, radiofônica ou imprensa. Um sonho de menino lá no Cariri, que neste instante, já depois de velho, teria condições financeiras de arcar. Já estava agora faltando tão pouco tempo para vestir o pijama, que resolveu viver, já que conhecia inúmeros países e condições materiais como um transporte, o sub Heleno tinha transporte para escolher ou o Scort amarelo, recém saído da fábrica, ou uma Harley Davidson. Indo estacionado bem direitinho na garagem do primeiro Distrito Naval. Agora poderia ventilar a ideia de casar.

-Boys, vocês gostariam de conhecer a Europa, a América do Sul, Central e | ou Estados Unidos, bem como a China e o Japão? Quer pelo Oeste quer pelo leste navegando por oceanos atlântico, pacífico e Índico. Entre outras aventuras, o mar mediterrâneo em situação agitamento, com altas e forte vento...Se este for algum dos seus planos conhecer, a Marinha tem condições de proporcionar, tá certo que com uma paga em suor e trabalho, mas vejam se é isso o que vai realizar na vida.

Era por um jovem marinheiro na parede, pois eram necessários o sonho e a vontade de trabalhar duro. Só dava para quem era aventureiro, mas trazendo consigo uma disciplina a ser lapidada ao correr dos anos, a vontade de servir a Pátria. Era esse o alvo! O sub Heleno sabia muito bem disso, mas, uma ou outra, trazia para bordo consigo. Álbuns de fotografia, um vasto material a ser apreciado pela boyzada, juntamente com as medalhas conseguidas, ao longo da recompensada carreira. O sub trazia com muito gosto, porque sabia que tudo aquilo poderia produzir um discípulo. Lá iria ser uma semente plantada no coração do jovem quinea e germinar, e crescer e dar frutos. Sem esquecer que era uma escolha pessoal.

- Ah! Tá que essa viagem pelo nosso vizinho quer pelo Atlântico quer pelo Pacífico! Pela Constância, comecei a ver q eram nosso quintal, antes de irmos à Europa e ou à Ásia. Digam, sinceramente, se não seria o sonho de muito jovem por aí? O que os meus filhos estudam na escola, eu já vi com os meus próprios olhos e nunca achei motivos para murmurar: dar a vida pela Pátria. Quero ver, se no futuro, acharei um discípulo. Mas quero que entre para a Marinha pela parte da frente: a Escola Naval ou, então, o CIAGA, o centro de Instrução Alte. Graça Aranha ou o CIABA, que só conheço pela sigla.

Aquilo enchia o coração daquele sertanejo! Seus olhos brilhavam a cada recordação, reminiscências oculares que seus filhos viam e estudavam nos livros. Tudo aquilo puro fruto de memórias vivas. Realmente os marinheiros se entusiasmavam com o que lhes era passado. Mas ainda haviam as perguntas capciosas, das quais o velho guarda saia pela tangente.

- Sub, o senhor como se virava sem falar inglês?

Calmamente o sub, dizia aos curiosos, atentos ao que lhes seria respondido.

- Vocês, virão perceber o mesmo que eu notei diante desse entrava: a linguagem do amor e do comércio é universal! Principalmente ao redor do posto e dos bordeis.

A resposta acalmara à fervura da hora, a quaisquer outros comentários que poderiam surgir. E tal como um professor, à frente de uma sala de aula, passava o recado... Se o estudante ia aproveitar era algo do conteúdo. Só ele (alimo) poderia tomar como incentivo e responder. Afinal, Jesus foi negado três vezes, entrou num barco e acalmou as ondas do mar em fúria, fez um discípulo, que seria a pedra da sua igreja, tanto se molhar, quando tentou chegar ao mestre e depois chorar ao inquirido se o amava por três, antes de convencê – lo que seria um pescador se homens. Quem seria o sub Heleno para afirmar que fariam carreira. Ele, além de passar o exemplo tinha o dom do camareira. Era o livre arbítrio. A Marinha lhe apresentou várias situações, ao longo da carreira, e ele nunca poderia ter certeza de nada. Como ia imaginar que alguém como ele, fosse chamado para responder uma falta que não fora sua, assumindo a culpa de outrem e com uma descompostura que nem mesmo marinheiros como aqueles poderiam levar de um oficial. Isso causou uma repercussão em toda a Diretoria de Administração da Marinha, inclusive, na máquina xerox onde os militares e funcionários civis se reuniam para bater um papo, enquanto esperavam o fim do serviço que levaram até lá.

“Deixa pra lá! Ele ainda me chama em particular, num ambiente mais propício e vai me pedir desculpas,” assim pensou mais não aconteceu, tão logo saiu do banheiro, local a que recorreu para urinar, assim que o superior o liberou.

A falsidade ideológica não descoberta

A parte mais espinhosa para o primeiro Leo De Leon, na carreira militar, foi a condução do Ensino Médio (à época chamado de segundo grau). Chegou a pensar que sairia de cabo, por conta dos estudos. As viagens, tão rotineiras por conta do embarque obrigatório, e sua limitação intelectual nas matérias lógico – matemáticas, aumentavam a descrença em sair de almirantado do mescla e chegar a terceiro sargento, por isso, desde muito tempo antes contratou um professor de redação. O profissional recomendou ao De Leon que comprasse um caderno de caligrafia, pois a letra deixava muito a deseja. Era quase ilegível e, para não se perder tempo, mandou o cabo EP fazer a letra de forma, mais adequada à urgência da situação. Daí recorreu a mim, que era safo em Português e História e esperava, agindo, ano a ano, pelo curso de Barbearia. Enquanto não chegava a mensagem de convocação, eu ia estudando para o vestibular das três universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro: A UERJ, a UFF e a UFRJ.

_ Campanha! Ô campanha, você topa me ajudar? Pago bem. Tô precisando de uma pessoa safa em Língua Portuguesa e História, a fim de fazer a prova de supletivo do Estado.

Topei a parada (o que não se faz por dinheiro, quando se é jovem!), mas, de coração, não sabia que o que fazia era crime, previsto no Código Penal: falsidade ideológica. Tudo ocorreu com tranquilidade e conforme ele (o De Leon) orientou. Fiz a avaliação sem muito esforço e entreguei logo que cruzou o tempo mínimo de prova e vim embora. Ninguém percebeu nada, à exceção dos que ele avisou previamente. Os fiscais não deram pela animação feita por mim e De Leon. Contei com Jesus e Nossa Senhora Do Carmo, afim de nos proteger de alguma coisa que achassem de errado e se surpreendessem.

Ao chegar à pensão, topei com o De Leon bebendo uma cerveja com um visitante.

_ Olá, sargento! Deu tudo certo! E, animadamente, contei o que se passava comigo, da hora em que entrei na sala, até a entrega do cartão – resposta e pelo cabo na entrega da prova, garantindo a promoção ao Estado – Menor.

O Boy e o Escaler

Hoje na reserva remunerada, lembro um fato ocorrido comigo nos idos dos anos noventa. Eu acabara o curso de especialização em enfermagem e fui promovido a cabo. Tão logo me foi possível, vim ao Ceará visitar os amigos e a família. Como era de praxe a todo militar que sai de férias, vim me apresentar à Organização Militar mais próxima da minha residência. O local era a Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará.

Saí de casa e fui até lá. Peguei o ônibus do Maranguape e completei da praça da praça da estação até lá o percurso a pé e fardado com o uniforme de licença. Na EAM-CE prestei continência ao sentinela e fui à sala de estado a fim de falar com o contramestre de serviço. O sargento de “pau”- como dizemos na gíria da marinha-me encaminhou à sessão de pessoal. Falei com o sargenteante e tive a papeleta carimbada e assinada.

Ao perguntar por Franco, um amigo de turma que conseguira, após o curso de especialização, ser movimentado para lá. Soube que estava na enfermaria se tratando de uma hepatite, me encaminhei para lá. No caminho vi uma faina em que vinte aprendizes suspendiam no braço num escaler. Os cabos estavam bem retesados, quando inadivertidamente um boy passou embaixo e correndo. Vi o cenário e, no mesmo instante, chamei o aprendiz.

- Você, boy, não tem noção das coisas? Se aquela embarcação despencar em cima de ti, já pensou no prejuízo da Marinha para indenizar sua família? O aprendiz me disse que não.

- Pois devia... Saia da minha frente e pense no caso.

O Desembaraço de Vânia

Vânia, uma vendedora experiente das Loja Magazine dos Sapatos, recebeu com toda cortesia o cliente José Ramalho. Este viera à loja com o intuito de comprar um sapato marrom do tamanho trinta e oito. Não queria esperar e deixou bem claro à comerciária.

- O senhor tem alguma marca...

- Já te disse, menina, que tô apressado traga que eu levo! – falou com impaciência, não querendo muita conversa.

Imediatamente, Vânia foi ao estoque para procurar um modelo que condissesse com a vaga ideia que tinha a respeito do cliente, mesmo sem saber que agradaria.

- Eis aqui! – disse a José Ramalho com uma caixa na mão.

Sem pestanejar, José Ramalho mandou embrulhar.

- Mas o senhor se quer sentou para experimentar...

- Ah, não tenho tempo! Mande embrulhar que eu levo.

E assim foi feito. José Ramalho foi ao caixa, pagou, amassou a nota e foi embora. Já em casa, foi experimentar o calçado. Teve uma surpresa infeliz e desagradável: o número do sapato, na caixa, era trinta e oito e, no calçado trinta e nove. Ficou muito chateado. De imediato foi à sapataria falar com Vânia, atrás de seu dinheiro de volta.

- Mas o senhor, seu Ramalho, amassou e jogou fora a nota!- disse com calma a vendedora.

- Ah, mais você não viu, não! Não sabe que eu comprei. Não é o suficiente?

- Olha, seu Ramalho, o senhor tem toda a razão! Mas graças a mim o senhor não vai ficar no prejuízo. – a vendedora, então, tirou do bolso da calça um papel amassado. E o cliente bem, curioso, perguntou o que era aquilo. Vânia, então, deu a ele a nota que amassara antes de partir.

- Como você conseguiu? Eu havia jogado fora...- Você caiu do céu Vânia! Não sei o que dizer...

- Olha, é essa mesmo? – sim, é ela! – foi a resposta do cliente.

- Tão logo o senhor saiu, eu já prevendo a sua volta, dei uma olhada na lixeira e, para a sua sorte – eu encontrei ela. Era a única que no bolo estava amassada; concluí ser sua, então! Por favor, me deixe ajuda-lo. A vendedora faz uma pilha de perguntas e, antes de vir ao estoque, trouxe-lhe um cafezinho, enquanto o seu Ramalho esperava; que esperava a sua vinda. Ao vê-la voltar com três caixas, todas com o modelo diferente da cor marrom e de número trinta e oito, o tamanho do seu pé. O cliente, por fim, escolheu um de seu inteiro gosto.

- Vânia, a partir de hoje, você será minha vendedora, quando eu quiser um sapato. Grave bem o modelo. Será o de minha preferência.- Que é isso, seu Ramalho, estou aqui para isso. Mas, se está tão contente, me dê a liberdade de oferecer objetos com que o sapato combine... Se, o senhor, não estiver tão apressado, eu lhe indico para escolher e trouxe, diante da amência do cliente, produtos adicionais. E o seu Ramalho levou, parcelado no cartão de crédito.

O Alexandrino

A Marinha do Brasil tem inúmeras histórias interessantes. Hoje ao concluir uma aula de Pilates, comentei ao educador físico sobre o uniforme alexandrino. Este é usado no dia da Batalha Naval do Riachuelo, decisiva na Guerra do Paraguai. O comandante da embarcação estava dormindo e muito cansado, quando foi chamado pelo imediato para uma formatura. O uniforme a ser usado era o azul marinho completo. Dado o recado, o comandante vestiu-se apressadamente e foi ao convés.

Marujos, sargentos e oficiais estavam aguardando a ele. Este, quando apareceu em público, trajava a túnica azul marinho e a calça e as meias no sapato branco. Ao perceber o erro o almirante em chefe da Armada disse, com a maior naturalidade:

- O mais antigo nunca erra, troquem imediatamente as calças e os sapatos, com exceção da marujada!

E assim todos fizeram, trocaram o uniforme e voltaram para a formatura. Fizeram-no o mais rápido que foi possível.

A Leitura do Plano de Dia

Quando aluno da EAM-CE, Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, em um horário de descanso entre o almoço e a faxina, meu pelotão conversava, animadamente. A nossa turma esperava pelo rufo do tarol, com um minuto de tempo para chegar e formar.

Cada pelotão, quer de aprendizes quer de grumetes, tinha um responsável.

Nem todos os alunos participavam. Havia os dispensados pelo médico, os da Banda da Música, os do Conjunto de Baile, os atletas, além de todos esses, havia os daviculários. Estes alunos eram responsáveis pelas naves das faxinarias, também de colher as assinaturas de quem tirava e devolvia.

Antes das respectivas dispensas, era lido o plano de dia e forçávamos - nos, os alunos, perdermos a inibição. Era diário e só não era lido (embora publicado) nos dias de rotina de domingo: feriados e fins de semana. O monitor escolhia sempre em, para ler, em voz alta.

Nas vezes que fui escolhido, início, era um pouco difícil, no entanto fui me acostumando com o combate a timidez.

Nos dias de hoje, agradeço àqueles pela conquista da desinibição. Tudo me ajudou no trabalho em equipe e a meu comando. Agradeço muito à Escola de Aprendizes, que despertou a liderança dentro de mim.

De Tecelão a Sargento da Marinha

Foi na Diretoria de Administração da Marinha que conheci o terceiro cão Escrita e Fazenda Dos Anjos. Eu ainda carregava muitas ilusões em relação à vida civil. Achava que a vida da Marinha de Guerra, às vezes, insuportável. Na época, um marinheiro de pouca experiência era um sujeito sem muita noção do futuro. E o Dos Anjos fazia o papel de um pai para mim.

- Olhe, boy! Você fala da Marinha, mais e digo uma coisa: não é um emprego ruim... – Eu, sem às vezes, dar oportunidade de a pessoa falar ia logo, de antemão, me chamando para o diálogo.

- Ô sargento, com todo o respeito eu não acho não! A Marinha me cerceia por todos os lados... – disse a ele, convicto. Rindo de minha imaturidade, mais se curvando à minha voracidade de leitor. Me olhava como se fosse seu filho e tentava insistir no diálogo, no momento em que eu estava sensível.

- Que é isso, boyzinho! Em que você acha que está sendo tolhido na sua liberdade? Você tem uma escala folgada, não dá pau durante a madrugada e durante o dia aqui na repartição tem a oportunidade de ler um livro e estudar. Que cerceamento é esse? Eu quero poder usar barba, deixa-la crescer e aqui não me é possível...retruquei – até em minhas férias sou obrigado a faze-la. Devido à idade que ingressei, nunca tive a oportunidade de vê-la grande! – O argumento fez o mais antigo acha graça.

- Boy, seus argumentos; me perdoe, por favor! São os mais insustentáveis que eu já testemunhei. Não tem o mínimo de sustentação, porque já imaginou que isso que está falando, pode leva-lo a expulsão. Todo militar sabe que tem que raspa-la, faz parte da rotina, Isso é ensinado desde cedo nas Escolas de Aprendizes de todos os lugares do Brasil! – baixei a cabeça e fiz um ar de impaciência. Mas deixei-o continuar.

- Você já trabalhou em que na vida de civil? Qual era a sua profissão? – eu não esperava, mas disse a ele que sempre fora estudante...

- Boy, eu tenho quatro anos de experiência em firmas de fabricação de tecidos. Sou tecelão de carteira assinada. Tudo antes de ser militar e que conta como tempo de serviço...- eu escutava, atento, e concomitantemente, refletia sobe as palavras do terceiro cão Dos Anjos.

- Eu não ingressei pelas Escolas de Aprendizes. Fui conscrito e comemorei muito o dia em que, com o recruta, recebi minha primeira promoção ao Quadro Suplementar que agora tu faz parte.

- Foi mesmo, sargento! E o senhor fala como se tivesse sido uma tábua de salvação...- E foi, sim! Ele retrucou. Eu não queria voltar a condição que era antes de ser militar. Mas sabe o que foi para mim mais difícil foi conviver! Foi a Benedita, a máquina de escrever. Eu, sinceramente, digo que, apesar de tantos anos de convivência, ainda não me acostumei. Mas faço o que me pedem e com a maior dedicação e capricho. Não é minha profissão! – fiquei ouvindo o pensamento, “Sabe que o velho guarda tem toda a razão!” após ser chamado mais coerente.

O Oficial Fuzileiro Gentil

Dona Anastácia, uma senhora na meia idade e com um filho que lhe faz o maior gasto, fornecia refeições populares na saúde, um próximo à praça Mauá. Gentil, seu filho mais velho, optara pela carreira militar e desde muito cedo, queria realizar um sonho: ser um oficial da Marinha, do Corpo de Fuzileiros Navais, o CFN, formado na Escola Naval.

Na infância e parte da adolescência ajudou a mãe a fazer comida, despachar as mesas, lavar o salão de refeições e os talheres e pratos deixados pelos clientes da casa. Quando dispunha, fazia entre uma e outra lição do colégio, o que muito apreciava: conversar com 0s marinheiros. Ali foi se desenhando um futuro oficial da Marinha de Guerra.

Aos quinze anos, após concluir a oitava série do Ensino Fundamental, apoiado pelos professores e colegas do Colégio Pedro II, ele fez exame e passou para o Colégio Naval em Angra dos Reis onde era interno. Após concluir o Ensino Médio e já ganhar os primeiros trocados com os quais ajudava a mãe e se mantinha na instituição, ele ingressou na turma de aspirantes de mil novecentos e oitenta e oito, da qual devido às notas foi o mais antigo do CFN, com indicação para a Viagem de Ouro no Custódio de Melo, o navio-escola que seria substituído tempos depois pelo Navio de Instrução Brasil. Era a oportunidade de fazerem, os aspirantes, um pé-de-meia antes de serem promovidos a segundo tenente.

A mãe não se cabia de emoção no dia da formatura na Escola Naval com a luta e a conquista do filho.

Avesso à Disciplina

Nos tempos de Escola de Aprendizes, o Abraão era um aluno de ótimas notas mas avesso à disciplina. Nas formaturas do Quinto Pelotão, em deslocamentos para as aulas de Ordem Unida, instrução para o manuseio de armas ou, até mesmo, do Rancho. Sinceramente, ele gostava tanto de brincar que entregava na mão de Edmilson, o mais antigo depois dele, e ia na formatura a brincar e fazer estripolias. Era avesso às formalidades e à disciplina.

O uniforme de licença era sujo e amarelado, o Edmilson, logo depois que formam a grumete, sentenciou que se ele (o Edmilson) fosse cabo de dia e o pegasse naquelas condições para a licença de baixar terra falo-ia-voltar. Abraão nunca dera oportunidade do agora cabo-aluno Ednilson, fazê-lo voltar.

Mas um dia a casa cai e apareceu a oportunidade e o cabo-aluno o fizera voltar. Para conseguir uma peça, nova e lavada, foi obrigado a saltar o muro e ir para casa afim de que sua mãe pudesse fazê-lo. Deu certo, pegou o ônibus na praça da estação e foi a Maranguape onde, na Outra Banda, próximo ao açude Vavaú, sua família morava, isso ficou gravado. Eu vou dar o troco aquele macho e assim, depois de quase dois anos no Rio de Janeiro, os dois se cruzaram e Abraão com uma faca, feriu de arrancar sangue do esquecido desafeto. Enquanto Ednilson, sangrava com os intestinos à mostra o delinquente se evadiu. Apôs três dias de ausência, com o termo de deserção já batido, apresentou-se na polícia e no navio. Tudo rendeu uma prisão rigorosa, mas não atrapalhou a correria do transgressor em nada.

É impressionante o que faz o amor. José Firmino, um cabo da Marinha de Guerra, ao namorar Alessandra e causa de atenção a curiosidade de conversar. O militar já vinha a observando: uma mestiça cor de ébano que também não lhe era indiferente. O encontro se deu na praça XV de novembro no centro da cidade do Rio de Janeiro, pouca coisa antes do natal.

Ele era auxiliar de enfermagem na Unidade Integrada de Saúde Mental, a UISM, havia recentemente ganho os foros de Organização Militar, deixando de ser apenas uma clínica do Hospital Naval Marcílio Dias, em Jacarepaguá. A mestiça com o cabelo Black Power tinha a mãe acompanhada pelo nosocômio e os dois, de vez em quando, encontros rápidos e passageiros antes daquela ocasião.

Os dois encontraram-se na linha 240, da Cidade de Deus: o auxiliar puxou conversa e viajaram juntos batendo um papo. Dali para um convite para um chope foi rápido. Desceram no ponto do quartel da Polícia Militar. Subiram a ladeira até chegarem ao portão. Ela foi à enfermaria feminina e ele à emergência no intuito de pôr a farda e assumir sua função coberta pelo retém.

Ali se deu a ocasião para marcarem um cinema na Cinelândia e irem ao Amarelinho, iniciando um namoro que deu em casamento e renderam-lhe um filho, que Alessandra escondeu e anos depois revelou: porque queria uma produção independente.

O Aluno Responsável

O Capitão Tenente do Quadro Complementar Justo Extremo

estava de serviço naquele domingo. Durante o transcorrer da semana, já havia sido alertado aos aprendizes e grumetes, nas aulas de regulamento, que ficassem alerta. Pois ele assim, como o polícia maior, daria incertas pela Escola de Aprendizes. Os alunos eram alertados a ficar atentos.

Como militar na marca e cumpridor de seu dever, o aluno Boia foi dormir cedo na intenção de estar descansado para o horário de meia noite às três. Ao assumir o serviço, comandando a reduzida formatura que comandava por ser o mais antigo. Havia já criado entre os praças e oficiais, uma inveja. Eram poucos os confiáveis para se chegar.

O oficial, sabendo de antemão que o boy estava no horário, falou ao contramestre Malefício, de serviço no horário.

-O Boia está em qual quartel?

-O boy está na guarita bem próxima a avenida Leste-Oeste, meu chefe! Não houve nenhuma irregularidade até o momento...

-Se eu não o peguei no posto, a punição vai ser para os dois! Você, sargento e ele!

Malefício ficou preocupado. Todo aluno tem falta de caráter e o oficial sempre encontra em erro. Foi três vezes Justo Extremo a sua guarita e não o pegou dormindo. Responsável o Boia cumpriu o horário sem alteração... O oficial, sem entender, aguarda uma outra vez. Um dia é da caça e o outro do predador,

A Admoestação

O aluno Gildásio era muito atrapalhado e era constantemente chamado atenção. O cabo corneteiro fuzileiro naval Perpétuo, instrutor de Ordem Unida, ficava muito impressionado com sua coordenação motora, pois o aluno conseguia fazer o mais complicado em termos de postura corporal. Além desse problema de psicomotricidade, o Gildásio era todo atrapalhado e tinha o raciocínio lento, sem levar em conta o que ia fazer.

Em certa oportunidade o instrutor de Ordem Unida perdeu a paciência e deu uma admoestação severa, em frente a Enfermaria, um grupo de alunos suspendia um escaler pesadíssimo. A faina era feita com sacrifício (era aproximadamente uns vinte homens para sustenta-lo) e o Gildásio passou rápido e sem observar o risco que corria. O fuzileiro ficou irritado com a negligência do aluno e chamou o boy atenção.

- Aprendiz, me diga uma coisa. Você é burro?...

- Não senhor!

- Você é doido?

- E como é que você passa por baixo da escaler, correndo o risco de se acidentar? Você tem noção do que acaba de fazer?

- Não, senhor!

- Então saiba que eu vou colocá-lo no livro de castigo, para que o encarregado dos alunos decidir qual será sua punição.

A Coincidência

- Campanha, é você que nas férias vai para Fortaleza? – Assim me indagou Evilásio.

- Sou sim, por quê?

- Cara, eu precisava que me fizesse um grande favor...

- Pois, não, diga!

- Eu gostaria que você fosse à casa de minha mãe e entregasse esta carta. – disse-me já mostrando o envelope. – Aqui estão as notícias e uma foto do neto que ela ainda não conhece. Você faz isso pra mim?

- Claro, fique tranquilo! Tão logo eu cheque eu vou lá! É na Francisco Sá né?

Depois desta conversa e pegar o envelope; coloquei-o na mala, eu fui para a rodoviária Novo Rio. Peguei o ônibus e após dois dias de estrada, cheguei na hora do almoço em Fortaleza. Indo por conta de atrasos na viagem. No dia seguinte à minha chegada, mamãe chamou-me para comprar um estofado novo.

Após muito andar pelo comércio do Centro, ela encontrou a peça que queria e por saber o preço, ao passo que fiquei no balcão aguardando. Naquele exato, vi uma senhora já idosa falando com outro funcionário sobre um filho da Marinha, que havia cinco anos não dava notícias; e que já estava em tempos de ir à Escola de Aprendizes para saber se tinha notícias e mostrou a foto. Já bem desgastada. No instante em que mostrou e eu pedi para ver. Ela estranhou, mas me deixou ver: era o seu filho! Ela desmaiou, por conta da emoção forte. Ao despertar, falei da carta e da foto, que logo fui entregar.

O Alcoolismo

A bebida tinha uma passagem marcante na vida de Mônica. A jovem de vinte e um anos convivera, na infância e início de adolescência, com o alcoolismo do pai. O sofrimento que a doença trouxe foi muito grande e, muito pouco, não levou a separação dos pais. Dona Aparecida, sua mãe, só não o fez porque sabia que o marido era um homem integro sem a bebida e que a amava tanto como a família. O único problema é que não resistia à primeira dose. O seu Eufrásio, o marido, não era um irresponsável. Mas tinha essa fraqueza, um homem bem preparado intelectualmente para qualquer prova.

A jovem foi encantada pela figura de Leonel, um jovem que conhecia no curso de Enfermagem no Hospital Naval Marcílio Dias. Ele, militar da ativa, fazia o curso de cabo. Já a jovem, técnica e esperando apenas o diploma para procurar um emprego e / ou um concurso na área da saúde. O tio Humberto, irmão de dona Aparecida, incentivava Mônica para a Marinha, da qual era sargento corneteiro do Corpo de Fuzileiros Navais.

À medida em que se conheciam, ela percebeu que o Leonel bebia. O agora, cabo enfermeiro não fazia ao vício da então maioria dos militares. E, por isso, já haviam brigado e reatado, por muitas vezes, e as promessas sempre renovadas e nunca cumpridas. Levaram ao rompimento definitivo, por conta de um copo de cerveja, tomado em pleno verão por conta dos quarenta graus à sombra. Ela engolira, até então, um boi e se engasgara com uma formiga. Ele, muito orgulhoso, por ter sido preterido não quis dar o braço a torcer e, assim, não se viram mais. Ele a riscou do mapa.

O Enfermeiro Safo

No navio-hospital Oswaldo Cruz aconteceu um imprevisto, durante a comissão que terminaria na Colômbia em Letícia, mas precisamente. A embarcação da Marinha de Guerra atendia pelo caminho em determinados lugares bem adentrados na floresta Amazônica. Nas vésperas de uma dessas viagens, um sargento velha guarda já se acidentou e fraturou o dedo mínimo da mão direita, o que o impossibilitava de viajar.

Recorreu na hora, o sargento Antenor ao enfermeiro de bordo que foi falar com o comandante. O Capitão-de-fragata não queria liberar o militar de jeito nenhum, apesar da argumentação do profissional da saúde ser convincente. Mas o comandante, depois de ser bem alertado pelo subordinado, o cabo enfermeiro Márcio, resistiu o quanto pode, no entanto, diante da gravidade da situação, disse a Márcio que arrumasse uma prova material para que pudesse se justificara seus superiores.

O auxiliar técnico ficou pensando no que ia fazer. Ao ser abordado pelo primeiro sargento já desgostoso, refez o curativo na enfermaria, ainda pensando como e safaria daquela situação. A velha guarda saiu com a tala na mão direita e desgostoso. Foi quando o cabo teve um lampejo. Por que, não! Vou tentar, seja o que Deus quiser!... Chamou o primeiro cão e expôs o dedo desde o raio x do dentista. Após a exposição, minorada pelo colete de chumbo, conseguiu o que queria: uma prova material.

Assi levou ao recalcitrante: uma chapa revelada, com o dedo fraturado. Não havia como o zero um negar o helicóptero veio e o profissional foi desembarcado.

A Coroa

Epitácio era um apaixonado por mulheres e não via a diferença entre uma menina de quinze anos e uma mulher madura. No entanto, o que fez naquele dia eu achei demais. Uma senhora naquele dia bateu à porta da pensão da dona Amélia. E o marujo a atendeu. Ele disse àquela senhora já com relativa idade que a dona da pensão não estava em casa.

A visitante, querendo nitidamente puxar assunto com o vistoso marinheiro, perguntou se ele era novo ali na pensão. Epitácio respondeu que sim. O jovem disse a Lídia (a senhora a quem atendia) que descobrira, através de amigos, aquele lugar. Um recanto onde pudesse guardar quer as fardas quer as roupas civis, bem como residir fora do Quartel de Marinheiros.

Já Lídia falou que era dona de um bar no início da rua e o convidou para que fosse até lá. Aproveitando a presença da proprietária, perguntou se ela vendia cigarros. Lídia, também fumante e com uma carteira no bolso, deu a ele a que tinha no bolso. Ele agradeceu, mas disse está querendo beber uma cerveja. A comerciante, para agradar o Epitácio, abriu o bar e deu ao marinheiro um março de cigarros.

Daí continuaram conversando. E como houve clima e química. Os dois aproveitaram o momento, e na pensão mesmo, veio a intimidade. Ali entregaram e fizeram amor.

Foi de Graça a Cadeia

A capitã-tenente Clotilde era uma linha dura. Após anos servindo no Hospital Naval Marcílio Dias à frente do Centro de Terapia Intensiva, ela foi servir na Unidade Integrada de Saúde Mental. Na verdade, o padrão caiu. A enfermeira não fora preparada para conduzir uma equipe de colaboradores.

Aquela Organização Militar passava por sensíveis mudanças e que levou a sargento como o Edileno a pedir para no primeiro desembarque sair de lá. A UISM já fora um lugar excelente. Era clínica psiquiátrica do Marcílio Dias. O comando estava todos nas mãos dos sargentos, embora a segundo tenente enfermeira Eduarda, estivesse responsável pelo setor.

Ao ser elevada à condição de hospital, tudo mudou. Agora a tenente Clotilde centralizava tudo em si.

Um dia mandou um cabo fuzileiro naval fazer uma faxina (como costumamos, os marinheiros, dizer de alguma ordem recebida) e foi cumprir. Quando concluíra a tarefa, decidiu por conta própria só ir dar o pronto no seguinte. O pequeno deslize concretizou-se em dez dias de prisão rigorosa.

Quando retornou do Azul, o Presídio Naval, descontente falou da intransigência da Oficial. Escutei a história completa. Após escutá-lo, perguntei se ele lembrava de que toda faxina tem um pronto.

- Você vacilou e taí o resultado!...

A Marinha Não Muda

Comecei a ver que no meio civil não era o que eu bem pensava. O regime ainda é pior do que o das Forças Armadas, pelo menos, na Marinha da Guerra.

Há pouco na Escola de Aprendizes tive a oportunidade de falar com dois ex-fuzileiros navais, que o que a “Briosa” faz neste momento é muito bom. Aumentar a faixa etária de ingresso, na força pega um jovem maduro e que já tem a experiência do mercado de trabalho. Isso faz com que o jovem não fique insatisfeito com o serviço. Também faz com que valorize mais o emprego, após tanto ter se esforçado.

O Facebook trouxe o lema de um campanha, cujo pensamento me impressionou e que diz o seguinte: sou marinheiro e nada mais eu quero ser... Este pensamento veio à tona no dia treze de dezembro deste ano, o dia do marinheiro.

Os dois campanhas eram mais antigos que eu. Mas escutaram com atenção a tudo que eu lhes disse. E concordaram que estas mudanças não garantem cem por cento de aceitação, mas, com o tempo, o marujo encare de modo diferente a vida naval.

Comentei também o relato que ouvi de um suboficial que passou trinta anos reclamando - do ingresso à reserva - e cuspindo no prato que comeu. A vida se resume a não reclamar e, sim, ter a iniciativa de mudar sua vida, já que a Marinha não muda.

O Barbeiro

Depois de anos na reserva, vejo que a Marinha foi um excelente investimento. Além de uma carreira sólida que ela me proporcionou, aproveitei como barbeiro, ao lado de minha esposa, também da profissão. Nos conhecemos na terra do jeans, que Vilar dos Teles. Renata, esse é seu nome, também tinha pais cearenses, cujo restaurante veio com luta e vigor.

Eu fui da Esquadra e servi no NAel Minas Gerais, já desativado e vendido para uma fábrica de giletes. Além deste, também servi em outras belonaves.

Eu não podia reclamar. Fui por quase dez anos marinheiro, até chegar minha vez de cursar uma profissão e ser promovido a cabo. Eu não posso reclamar do destino, pois me proporcionou uma esposa religiosa e muito atenciosa com as tarefas do lar e as profissionais. Mãe, então nem se fala, enquanto estou fora viajando, ela toma conta dos nossos três filhos e toca nosso negócio. Sempre que posso (até mesmo fora da sede, o Rio de Janeiro) vou à igreja para pedir pelo nosso comando e tranquilidade na nossa missão: humildemente, perante ao sacrário, clamo por uma volta sem alterações e em segurança.

Quando cheguei a suboficial, eu já não pegava muito no meu apetrecho da profissão: a tesoura. Tive a oportunidade de servir na DPMM, Diretoria do Pessoal Militar da Marinha. Privilégio para poucos e que me rendeu uma comissão nas mais lucrativas: A comissão Naval em Londres, ganhamos em dólares por dois anos.

Do Início ao Fim

Lembro-me bem de que foi numa manhã de mil novecentos e oitenta e cinco, no mês de junho. Acordei, tomei meu café da manhã e parti para a Escola de Aprendizes Marinheiros.

O dia estava brilhante, o sol tomava conta de tudo e o céu estava invejavelmente azul. A vegetação ainda viçosa, devido à falta de mais casas na extensão da estrada, tomava conta de boa parte do caminho.

Ainda em casa, despedi-me de meus familiares. Todos me desejaram sorte e meus pais me abençoaram. Assim, com o peso da mochila, fui à parada de ônibus e, em pouco mais de uma hora, já estava eu no Centro, me encaminhando para a escola de Aprendizes.

No dia anterior me despedira da namorada e entre juras de amor, tão próprias de quem sai da fantasia da adolescência e ingressa na maioridade, trocamos beijos e carícias, prometendo o que não podíamos fazer: deixar a vida tomar um rumo. Afinal eu já fazia meus planos; quando estivesse na ativa, pretendia concluir meus estudos e aguardar o chamado para a especialização e, ao término, ser promovido a cabo.

Minha amada, que ao longo de nossa história nunca deixou entrar outra pessoa em sua vida, já se preparava para o vestibular de Medicina Veterinária. A vontade dela foi o que sustentou nosso relacionamento. E, sendo desta forma, acabou por convencer-me de que me amava e queria realmente ficar comigo. Hoje nossos três filhos são a prova cabal de que ela me ama e me faz amá-la também.

O Teimoso

Eu encontrara, num tempo em que nós, militares, não recebíamos vale transporte, um transporte mais em conta para o deslocamento para o quartel. Era o trem. Eu já tivera a chance de andar e, embora com atrasos e superlotação, vi que era um deslocamento rápido.

Eu pegava da Estação da Leopoldina numa baldeação em São Cristovão. Dali eu esperava o gramado para Caxias. Naquele tempo eu residia na Penha e, de minha casa, andava três ou Quatro quarteirões para a Estação.

Um macete, que aprendi com o tempo, foi que não deveria ficar próximo ao portão de embarque e desembarque de passageiros. Havia o real motivo de ser carregado pela multidão a procura de um lugar no interior da condução.

Um certo dia, eu estava com um campanha e este ficou justamente na “zona proibida” e muito refestelada mente curtia a viagem. Chamei a ele para vir para o próximo de mim. Ele insistia em não fazê-lo. Fiquei na minha na Estação de Ramos, onde descia muita gente, ele foi praticamente arrastado para fora do trem. E, aperreado, perguntou por que eu não o avisara.

Eu lhe disse que era teimoso, pois minutos antes avisara-o, para sair de onde estava. Naquelas horas não me dera à mínima atenção. Até mesmo chegou a me xingar e ofender. Tai o resultado, quase foi arrastado. Ainda correu o risco de cair no vão entre o piso do trem e o da Estação.

A Estrada em Vitória

Eu estava chegando a bordo e vi o tenente, chamando todo mundo para entrar. Iríamos para Vitória, mas depois de efetuarmos um resgate no litoral de Cabo Frio. Como fora pego de surpresa e estava sem se quer uma muda de roupa paisana a bordo, pedi para voltar à casa de armários. O oficial falou que, não; que era par entrar, do contrário, colocar-me-ia no livro de castigo e pedindo ao comandante em consideração.

Entrei e tão logo um terço da guarnição, estivesse a bordo, nós iriamos para o resgate de um barco pesqueiro que se perdera e sem quer contava com o rádio. A área era imensa e nossa procura só teve eficácia, quando o dia amanheceu, tanto que tão logo raiou o dia com pouco tempo achamos o pesqueiro. A tripulação, já afetada com a sede e a fome, dar-nos-ia graças a Deus. Deixamos o barco no posto, e fomos para o Espirito Santo.

Chegamos ainda no período da tarde e, como estive de serviço, sai com Carlos Inácio, um pernambucano seis meses mais antigo do que eu, e fomos dar um soco suicida. Saímos fardados, mas logo que cheguei numa loja de roupas comprei duas camisas polo, uma bermuda e duas calças jeans, além de um tênis. Nos ajudamos, naturalmente, a escolhermos o mais adequado.

No dia seguinte, antes da desatracação e do posto de suspender e fundear, logo que peguei o serviço. Recebi uma notícia fúnebre. O comandante do submarino Toneleiro, atacado à nossa popa, havia falecido a um sinistro automobilístico em Marataizes. Dei a notícia e pouco depois partimos.

A Viagem de Instrução no Litoral Cearense

Enquanto alunos da Escola de Aprendizes Marinheiros, tivemos direito a duas viagens de instrução como aprendiz a minha turma fez uma viagem pelo litoral do Ceará, chegando próximo ao Paracuru. O navio que nos transportava era o Rebocador de Alto Mar Alte Guilhell sediado em Natal no Terceiro Distrito Naval.

“O soco”, como diriam os marinheiros, foi a primeira experiência com o mar e o jogo que provoca no navio. Foi mostrada a nós todas as dependências da embarcação e cada um foi inserido no universo que é o navio, seus departamentos e sessões. Como boy, eu adorei a experiência. O vento, o calor do sol na pele salificada e vista do litoral cearense das praias e falésias. O visual foi lindo e a viagem foi a primeira experiência com o mar.

Nós nos detivemos a batermos fotos. Uma das mais bonitas foram com os golfinhos que d’água acompanhavam todos os nossos movimentos. Um cabo ficou conosco e aproveitou nossa curiosidade e encantamento para bater e revelar fotos daquele momento mágico na vida de qualquer marinheiro.

O navio era um pequeno japonês antes de ser apreendido por pescar em águas brasileiras. A embarcação foi presa e, depois de adaptada, incorporou-se junto com seu “congênere”, o Alte Guilho bel, que foi designado para o Rio de Janeiro, à Marinha do Brasil. Desde então, aquelenavio foi determinado a ficar no Terceiro Distrito Naval, com jurisdição de todo o Nordeste, exceto Bahia e Sergipe.

Ao concluir o “soco” voltamos para tomar banho, jantar e comentar no Estudo Obrigatório nossas impressões.

A Fome Com a Vontade de Comer

Um amigo veio de férias e foi logo me contando das novidades. Ataulfo e eu éramos amigos de infância e adolescência. Na cidade de “Salto do Peixe”, na Mata Úmida entre o litoral e o sertão do Ceará, vivemos a nossa menoridade nos sítios de banana, tomando banho de bica nas piscinas naturais que encontrávamos no caminho até o cume da casa.

Sua família (a de Ataulfo) era talhada para o trato com doentes. A mãe dele, dona Ermengarda, era técnica de Enfermagem e ajudou a muitos enfermos quer da família, quer de fora. Sua sobrinha já era enfermeira da PETROBRAS e, quando vinha visitar a mãe, nos poucos dias de folga que lhe permitiam vir ao Ceará. Ia pedir a benção aquela senhora que, por tanto amor à profissão, só andava de branco.

O sonho do menino era ser enfermeiro e, ao conhecer o sargento Pascoal, um marinheiro da gola e que chegara ao Salto do Peixe, aposentado como militar da Marinha do Brasil, ficou encantado. As histórias do velho marujo que conheceu mundo eram-lhe muito atraentes. E Ataulfo decidiu-se por tentar a Escola de Aprendizes.

O concurso tentamos juntos e fomos aprovados na primeira tentativa. Foi o início de uma carreira bem sucedida quer para mim quer para meu amigo, que ainda foi mercante, depois de concluir seu tempo de Serviço Ativo da Marinha.

Moysés Severo
Enviado por Moysés Severo em 11/04/2024
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