A Casa das Previsões

Calmamente, pendurou a placa com seu nome na tenda de sua propriedade e aos poucos guardava seus pertences. Assobiava feliz enquanto ajeitava livros de diversas áreas do conhecimento.

Dona Jandira resolveu ficar depois da insistência das amigas. As que tinham pouca afinidade com ela e até mesmos clientes que não pertenciam a seu ciclo de orientação. Todos manifestaram apoio para que permanecesse.

Foi trabalhoso convencê-la a esticar sua estadia na casa das previsões. Fazê-la entender que cometer equívocos, dependendo das circunstâncias, é normal. Ressaltaram que gênios e intelectuais, líderes mundiais e locais, todos eles, mesmos detentores da mais sublime sabedoria e influência, provavelmente se enganaram. Talvez não saibam e nem assumam publicamente, mas já erraram.

Só depois de uma longa conversa, Dona Jandira resolveu perdoar-se por cometer uma falha aparentemente grave com um de seus clientes e colegas de trabalho. Informaram-a que sempre existirá a possibilidade de rever conceitos. Melhorar e reparar danos e consequentemente ter consciência tranquila. E naquele caso, não foi diferente, porque o mal-entendido foi resolvido.

*******************

As doze funcionárias da casa das previsões dividiam o tempo em dedicar-se aos estudos e atendimento aos clientes. Eram disciplinadas. Agiam com seriedade e compromisso.

Tinham a função de auxiliar os clientes. Alertá-los, sugerir pautas e caminhos favoráveis com o intuito de valorizar os dotes individuais.

Já bem cedinho iniciavam as filas na casa das previsões. Uma residência de luxo e bem decorada. Arquitetura de primeira e dividida por tendas, onde eram realizados atendimentos, com conforto, para os solicitantes e contribuintes. Não exigiam quantia, mas ficavam felizes ao receber doações.

Alguns moradores desacreditavam no trabalho daquelas “profissionais”. Tinham raiva. Considerava-as oportunistas. Outros se curvavam ante elas. Consideravam as consultas e informações prestadas, dicas valiosas para brilhar ou se precaver diante das surpresas do cotidiano.

Dentre as estudiosas da casa das previsões, Dona Jandira, habitualmente, sobressaia. Sempre a frente de suas companheiras de expediente. Tinha o costume de deixar pronto as previsões do dia e algumas do dia seguinte. Criou uma estratégia que nunca falhou, para espanto das colegas. Algumas delas torciam para que um dia ela fosse enganada por seu excesso de confiança e petulância. Tivesse de se redimir. Aprender a ter humildade. Acreditavam que era a única forma de Dona Jandira minimizar a exposição do conhecimento.

*******************

Curiosa e com seu trabalho adiantado, inclusive as previsões do dia seguinte, Dona Jandira começava a espionar os estudos das outras profissionais. Observava com cautela e dava sugestões. Enchia as amigas de palpites. Elas não gostavam da atitude. Chamava-a de metida. Sabichona. Repudiavam a iniciativa dela em intrometer na previsão dos outros.

Tentaram por diversas vezes barrar a intromissão da sabichona, mas era em vão. Desistiam. A danada fazia cara de triste e conselheira fracassada. Encolhia-se na sua tenda. Cabisbaixa. Digna de dó e piedade. Como se cortassem uma parte dela e a impossibilitavam de fazer o que mais gostava na vida: tentar ajudar. Mas do seu jeito, considerado fajuto e irrelevante.

Diante da situação, sentiam pena e convidava-a para uma pequena intervenção nas previsões. Fingiam ter dúvidas e pediam dicas, tudo para arrancar um sorriso daquele ser quase notável. Quando passava do limite, as outras atendentes não deixavam de alfinetar sua conduta e pediam com jeitinho que respeitasse. Ouvia atentamente e no princípio seguia os conselhos. Porém logo estava lá de novo com a mesma intrepidez.

Consideraram um caso perdido. E para manter a paz e alegria na casa, passaram a agir como se suas palavras fossem apenas para enfeitar o espaço vazio no ar. Deixaram de dar importância ao que ela dizia.

*******************

Numa bela manhã, ao terminar de atender mais um de seus clientes, Dona Jandira levantou-se. Respirou fundo e sentiu um vento brando tocar suas costas. Aproximou-se da janela e imaginou que aquele fenômeno da natureza não passaria daquela velocidade. Olhou os papéis sobre a mesa e ignorou os ventos. Desafiou um dos dotes da natureza com um sorriso cínico. Considerou-se pronta para mais uma exibição de sabedoria perante as colegas. E saiu de sua tenda.

E a corrente de ar aumentava a cada instante. Entrava livre pela janela indo de encontro as valiosas folhas com as mensagens, oriundas de seus estudos. As preciosidades informativas, vulneráveis ao ar, estavam facilmente passíveis de serem embaralhadas.

E o vento com força suficiente para mover pequenos itens alterou as posições das folhas. Aprontou um tremendo fuzuê naquele pequeno espaço. Movimentava as laudas de um lado a outro. Numa farra sem fim.

*******************

No final daquela manhã, Rick, um dos clientes de Dona Jandira chegou apressado para atendimento. As horas para chegar ao trabalho estavam quase vencidas. Informou que faria a leitura das previsões no trajeto, pois como de costume, precisava dar carona a dois companheiros de trabalho: uma mulher e um homem.

Esbanjando confiança, ela não conferiu os papéis e nem tão pouco percebeu a travessura dos ventos. Entregou a mensagem errada. A mesma que deveria ser entregue no dia seguinte.

Rick saiu às pressas, buscou os colegas e no meio do caminho parou seu veículo. Fez algumas observações:

- OPS! Ainda bem que li a tempo. Aqui na mensagem diz que é necessário seguir o caminho alternativo. Preciso engatar a ré.

Os colegas não questionaram. Considerava-o neurótico com as previsões. Seguia a risca. Detalhes por detalhes. E não abandonava aquela mania.

Rick sorriu contente. Tinha total confiança em Dona Jandira.

Estava atrasado e na mensagem pedia para que cortasse caminhos. Assim teria um dia tranquilo e cheio de paz.

Tentou o primeiro atalho e deu de cara com uma grande manifestação. A pequena rua estava fechada. A mulher e o homem perceberam que ele não gostou. Em respeito, ficaram calados. Retornou o carro e foi para a segunda opção.

Não acreditou no que viu. Coçou a cabeça. Um engarrafamento enorme em função de uma obra. Rick respirou fundo e os outros dois permaneceram calados. Com a face séria, partiu para o último caminho alternativo.

Acelerou o carro e quase provocou uma tragédia. Um comício eleitoral tomava conta de toda a extensão da rua que o deixaria na “boca” do seu local de trabalho. Rick estremeceu. Comentou com os colegas:

- Se os caminhos secundários estão assim, não quero nem imaginar a avenida principal. Mas precisamos tentar.

A mulher e o homem perceberam seu nervosismo. Mas continuaram calados. Rick não admitia em nenhuma hipótese que fosse feita qualquer crítica a sua orientadora. Deixou bem claro em outras circunstâncias.

Temeroso e desesperado olhou para o relógio. Assustou-se! Os ponteiros indicavam que a manhã já havia se despedido. Ele nem percebeu. Já ultrapassavam e com créditos, a metade do dia.

Rick seguiu para o trajeto. Quando dobrou a esquina e caiu na avenida com os olhos semiabertos, temendo encontrar percalços pelo caminho, surpreendeu-se. A via estava livre. Limpa. Sem congestionamento. Não acreditou. Parou o carro e esfregou os olhos. Os colegas de expediente baixaram a cabeça.

Rick chegou ao trabalho estressado e cheio de dúvidas. Mas decidiu que cobraria explicações. Comentou com a mulher e o homem que estavam em sua companhia no automóvel que faria uma visita a Dona Jandira. Pediu educadamente que o acompanhassem. Apesar de não gostarem e terem pavor daquela casa, eles aceitaram. Seriam testemunhas, se por ventura, dissessem que ele estivesse blefando.

Já no início da noite, Rick, acompanhados dos colegas, dirigiu enfurecido rumo a casa das previsões. Apesar de toda a confiança que depositava naqueles trabalhos, achou o seu dia muito estranho.

Ao chegarem bem próximo, os três avistaram um pequeno tumulto. Duas mulheres e um homem, reclamavam intensamente. Apesar de toda a elegância, estavam alterados. O cliente de Dona Jandira notou que aquelas pessoas não faziam parte do seu grupo de orientação. Já tinha visto-os em outras tendas.

E eles tagarelavam sem parar e cobravam explicações. Rick comentou com os dois colegas:

- Ufa! Não fui o único que tive problemas com previsões. Provavelmente aconteceu alguma coisa. E grave!

Os três, ao chegarem perto das outras três pessoas, de imediato, ficaram encantados. E os reclamantes, ao vê-los, sentiram uma forte e doce atração. Um silêncio se fez presente. Instantâneo e ligeiro. Logo se foi depois daquela troca de olhares e desejos. Lembraram dos objetivos ali proposto: reclamar e cobrar explicações.

Os três clientes de signos diferentes, que já estavam em frente a casa das previsões, alegaram que foram informados que teriam encontros especiais. E antes da metade do dia. Ficaram ansiosos. Aparentemente seria um dia maravilhoso e importante em suas vidas. Nasceria amores e paixões.

Diante da notícia que possivelmente encontrariam o amor de suas vidas, deram um trato no visual. Vestiram a melhor roupa e desfrutaram das melhores fragrâncias. Tudo com o intuito de agradar a pessoa amada. E nada aconteceu.

Aquele alvoroço na porta deixou as “profissionais” da casa das previsões em situação desconfortável. Sabiam que boa parte da população desconfiavam de seus trabalhos e aquela confusão, prejudicaria ainda mais.

Decidiram agir conforme pedido dos clientes. Queriam uma investigação. E elas resolveram apurar o caso.

Recolheram as mensagens dos clientes e foram todos juntos verificar onde estava o erro. Entravam e saiam das tendas dos envolvidos no caso. Até mesmo as orientadoras que nada tinham a ver com a história acompanharam.

Depois daquele entra e sai das tendas e ao conferirem mensagens por mensagens, constataram que o erro veio da tenda de Dona Jandira. Ela reconheceu que entregou a mensagem errada para Rick. A previsão era do dia seguinte. Sem cerimônias, assumiu que sua trapalhada involuntária, talvez, tivesse prejudicado as outras previsões e possivelmente, provocou o desencontro de prováveis e futuros casais. Mas aquele equívoco foi tratado como imperdoável.

Dona Jandira, aflita e com os olhos arregalados, pediu e implorou desculpas. A seu cliente, aos clientes das colegas e as próprias colegas, que não abandonavam a expressão facial de descontentamento.

Sorrisos nasceram de forma irônica de quem a invejavam. Principalmente depois de circular a informação que alguns clientes gostariam de tê-la como orientadora. Queriam ter nascido dentro do mês de seu ciclo de orientação.

Aquela situação desconcertante deixou-a abatida. Diante dos olhares de insatisfação, Dona Jandira anunciou com a voz entrecortada:

- Vou desistir da minha profissão. Desaparecer. Procurar outra ocupação, apesar que isto aqui é minha vida. Mas chegou ao fim. Desculpem-me e obrigado por tolerarem minhas atitudes durante estes anos.

Após os dizeres, com os olhos marejados, virou as costas e seguiu a passos lentos em direção a sua tenda. A princípio, as pessoas sentiram pena. Mas ela errou. Nada podiam fazer.

*******************

Dona Jandira, diante da tenda, olhou para a placa na porta com o seu nome e o signo. Tinha total apreço, orgulho e carinho. Trêmula, retirou-a com zelo e entrou.

Enxugando as pequenas pétalas que insistiam em brotar dos seus olhos, começou a juntar suas coisas. Colocava-as na mala cuidadosamente. Peça por peça.

Percebera lá fora que apesar da crise, continuavam algumas risadas afobadas. Sentiu raiva e despeito. Fechou os punhos. Depois os olhos. Sentiu um vento amigo tocar suas costas. Uma. Duas vezes. Três. Teve a sensação de alívio. Lembrou-se do que poderia ter provocado a sua falha. Terminou de arrumar as malas e sentou na confortável cadeira. Começou a refletir.

Aos poucos a ira foi cedendo espaço para a calma. As lágrimas começaram a perder espaço para o sorriso. E por fim, uma luz parece ter sido acesa em sua mente.

Recompôs-se. Lembrou-se dos detalhes. Dos ventos que havia ignorado e resultou na falha na hora da entrega das mensagens para Rick. Pensou mais um pouco. Recordou a troca de olhares, cheias de desejos entre os reclamantes. Logo sorriu. Soltou uma gargalhada e pulou de alegria. Já com as malas prontas, saiu de sua tenda sorrindo alto. Mais alto que as gargalhadas de algumas colegas invejosas que comemoravam seu fracasso.

Dona Jandira chegou na porta da casa cheia de confiança. Com a expressão tranquila. Alegrou-se ao ver que Rick, seu cliente, não arredara o pé e a defendia. Ela caminhou em sua direção e cumprimentou-o com um forte abraço. Agradeceu pelo crédito depositado em seu trabalho.

Algumas “profissionais” da casa das previsões pararam de sorrir. Observaram a cena espantadas. Não entenderam. Uma delas, irritada, não conseguiu segurar as palavras e soltou sua crítica:

- Você é uma tremenda cara de pau! Como tem coragem de aparecer aqui e ainda sorrir desse jeito? Quer arruinar a nossa carreira? Destruir a nossa imagem? Você quer…

- Chega minha ex-colega de trabalho – ela fitou o relógio, viu que não passara da meia-noite, balançou a cabeça com sinal de positivo e continuou: - quero novamente pedir desculpas e avisar que estou mesmo de mudanças. Minhas malas já estão prontas.

Antes que outras “profissionais” das previsões voltasse a sorrir, Dona Jandira prosseguiu:

- Perdoem-me! De verdade! Do fundo do meu coração. Não pelo suposto erro, mas sim, por ter deixado de avisar a vocês que agora tenho ajuda dos ventos em minhas previsões.

- Entendi! Você quer passar-se por louca para que tenhamos dó? Sinto informar-lhe, mas sua estratégia, apesar de bem pensada, não vai funcionar.

Jandira distendeu os lábios, contente. Disse que não era nada daquilo. Explicou que os papéis foram alterados pelo vento. E de forma sábia. Achou que assim ficaria mais emocionante os encontros, já que os três casais estavam reunidos ali.

Um silêncio tomou conta do ambiente. Alguns ficaram sem respostas. Sem argumentos. Sem perguntas. Ninguém tinha mais nada para falar. Até os colegas de Rick, que desacreditavam naquelas “profissionais”, ficaram surpresos. Tiveram a prova que as previsões poderiam ser úteis e reais.

Todos ali presente se alegraram. As duas mulheres e o homem que já estavam na porta quando Rick e seus colegas de trabalho chegaram, aproximaram e abraçaram-se. Formado casais, em seguida, eles se beijaram.

Dona Jandira ao perceber que tudo estava resolvido virou-se para entrar na casa e buscar sua bagagem. Estava decidida a partir. Não tinha mais ânimo para continuar a atender seus clientes, apesar do final feliz. Não queria mais fazer parte da equipe.

Após alguns passos, rumo a sua tenda para buscar as malas, ouviu a voz da “profissional” que mais a criticava e torcia por sua derrota. Chamou-a de forma educada e fez-lhe um pedido:

- Amiga Jandira, desculpe-me. Desconfiei de você este tempo todo e agora, você deu a maior prova de sua sabedoria. Por favor, não vá!

As outras pessoas que estavam na porta da casa das previsões e até alguns moradores da cidade que acompanhavam aquela confusão, manifestarão à favor da permanência de Dona Jandira. Ainda mais com uma ajuda tão pura e verdadeira como a dos ventos.

Depois de muita conversa e insistência, ela decidiu ficar. Continuar a atender seus clientes e atazanar a vida de suas colegas de trabalho.

Cláudio Francisco
Enviado por Cláudio Francisco em 05/08/2016
Reeditado em 06/08/2016
Código do texto: T5719922
Classificação de conteúdo: seguro