A sombra do amanhã

Um trovão qualquer ribombou no céu escuro de um campo qualquer, a chuva descia com indiferença, molhando tanto a pobres quanto a ricos, tanto a donzelas como a dragões, ela não se preocupava com a ética, apenas fazia o que nasceu para fazer. Talvez fosse assim que devêssemos agir, pensou ele, quem sabe deveríamos ser como a água?

Ela estava lá no começo, Deus criara o céu e a Terra e seu espírito pairava sobre a face das águas. Indicaria isso alguma coisa? Outro trovão qualquer voltou a tronitoar nos céus levando embora os devaneios teológicos do samurai. A caminhada seguia lenta e constante, a chuva descia moldando-lhe toda a roupa e trazendo consigo um frescor a sua alma; A chuva descia e ele seguia em frente. Não sabia quando chegaria ao seu destino, não havia destino para chegar, seguia marchando com os olhos baixos, cada passo o levava mais longe do seu passado e, acreditava ele, mais próximo do seu futuro. Sentia falta da sua espada, amiga que o acompanhara por quase uma década. Parou. Não poderia alimentar esses pensamentos, nunca tivera uma espada repetiu para si mesmo, nunca tivera nada, sua vida iniciara-se agora. Era um homem privilegiado, quantas pessoas sonhavam com a oportunidade de recomeçar suas vidas, com a chance de ganhar uma folha em branco para escrever suas histórias? Retomou a caminhada. Um presente era um presente mesmo quando inesperado. Parou novamente. Estava infeliz, não conseguia argumentar consigo mesmo, não queria um recomeço, não queria abandonar sua espada e nem deixar seu passado. Uma lágrima perdeu-se entre a água da chuva que agora engrossara como que seguindo o estado de ânimo do guerreiro. Sorriu. Quem será que atribuiu a chuva à tristeza? A chuva era o que mais lhe agradava nesse crepúsculo. Outro trovão se fez presente, dessa vez laureado com a flamula brilhante de um raio que, como a voz de Deus o fez retornar a caminhada, agora sem pensar em nada. O manto da noite se deitou sobre ele, agora só o brilho dos raios iluminava a grama debaixo de suas sandálias. As horas se passaram e com elas a chuva oscilou em seu poder, de chuva para garoa, de garoa para sereno e de sereno para tempestade novamente.

Uma luz. Ao longe, aparentemente sobre um morro, uma luz fraca apareceu. O samurai parou, fitou aquele farol em meio as trevas que vivia e rumou para lá, não sabia o que o esperava, estava como todos os homens, à eterna sombra do amanhã

"O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito."

João 3:8