Cachorro-quente
O diretor do laboratório conduziu-me até as instalações onde os testes com amostras vindas de todo o país (e até do exterior) eram realizados. Técnicos e cientistas em jalecos brancos movimentavam-se entre bancadas cobertas por vidraria e máquinas de aparência complexa.
- Aqui é o coração do nosso negócio - declarou ele. - Através das análises efetuadas neste laboratório, podemos determinar a composição exata de itens consumidos pelo grande público.
- E foi assim que descobriram a fraude dos hambúrgueres feitos com carne de cavalo? - Indaguei.
- Esse foi um dos nossos primeiros sucessos - disse ele, com satisfação. - Um caso até relativamente simples, já que a análise do DNA da carne determinou que ela era oriunda quase que 100% de equinos.
- Normalmente, os percentuais não são tão altos?
- Não, muitas vezes há apenas resquícios, dentro de uma margem de tolerância aceitável pelos padrões industriais. Podemos determinar o DNA dos principais componentes, ainda assim.
Paramos em frente à um terminal, onde trabalhava uma técnica de feições orientais.
- Joyce, - disse o diretor - poderia mostrar ao nosso convidado o relatório das salsichas Wienner?
- Pois não - respondeu a técnica, digitando alguns comandos no teclado. Na tela do computador surgiu uma planilha, onde havia uma coluna para os elementos analisados e outra para os percentuais de cada um.
- Aqui - disse o diretor, apontando para a coluna numérica. - Veja que 85% do produto provém de porcos, 10% de frango, 4% de carne bovina e 1% de ovinos. Não chega a ser destoante da média do mercado, mas já recebemos aqui salsichas supostamente vegetarianas com 10% de matéria animal!
Assobiei.
- Mas o problema surgiu com as salsichas da marca Terra Nova. Joyce, por favor.
A técnica mudou a planilha na tela. Os percentuais assemelhavam-se aos da Wienner, com exceção de um item residual.
- O que vê de diferente aqui? - Indagou o diretor.
- Vejo que há 1% de produto animal, origem desconhecida - li a informação exibida.
- Exatamente - disse o diretor. - Tivemos um grande trabalho para detectar a procedência do material, já que não era de se esperar que fosse encontrado em salsichas.
- E do que se trata?
O diretor baixou a voz.
- Carne humana.
- Carne humana? - Repeti, incrédulo.
- Bem, a análise do DNA aponta para isso. Claro, não quer dizer que estejam matando pessoas para produzir salsichas, mas certamente houve alguma contaminação no processo de fabricação. O que precisamos que descubra, é se esta contaminação foi acidental ou proposital.
- E esse fenômeno vem ocorrendo há muito tempo? - Indaguei.
- Por quê?
- A participação da Terra Nova no mercado de salsichas para cachorro-quente cresceu expressivamente nos últimos seis meses. Muitos concorrentes têm se sentido ameaçados...
- Crê que poderiam ter sabotado a produção da Terra Nova? - Questionou o diretor.
- Não, - retruquei - meu medo é que comecem a imitá-los, para não perder mercado. Seja lá o que quer que estejam fazendo...
[11-03-2017]