O ENCONTRO

Há sempre em qualquer cidade, por conservadora que seja, um bar que passa aberto além da meia-noite, que acolhe em seu resguardo a maior diversidade de tipos peculiares, no caso o - Sentinela Noturna - era o melhor pior bar que se podia desejar, nele ficavam os que não queriam encontrar conhecidos, que procuravam ficar somente na companhia próxima de um bom conhaque e cigarros, que pudessem, além de afastar qualquer vestígio de ansiedade, também esconder de olhares alheios a nítida imagem cansada de quem frequentava.

Ninguém quer ficar completamente sozinho, a própria companhia é, às vezes, barulhenta demais para se suportar todos os dias. Então, nada melhor que compartilhar de várias solidões num mesmo ambiente.

Sentei numa sexta-feira à noite na mesa do canto, estava mais só do que qualquer dia, não havia nada que eu quisesse a não ser degustar minutos de álcool e tabaco observando o movimento modorrento de quem não queria, igualmente, muita conversa. O fato é que há presenças que gritam, saltam aos olhos, reivindicam olhares, atenção....Ela estava ali de cetim, vestida num vestido brevemente decotado, roxo escuro, olhando perdidamente o vazio, como naquelas horas que fixamos a olhar vendo nada e pensando em quase tudo na vida...Eu a olhava, como a reconhecendo, não tinha como não olhar, linda, era tanto mistério, tudo em sua volta esmaecia, ficava opaco, a música distorcia. Ali, como animal admirando a pretensa vulnerável presa, demoradamente a olhava.... Até que não aguentando mais, me adiantei, quando próximo, sem pestanejar disse a ela:

- Esperava por você, talvez sempre a procurei.

Ela, no entanto, não escutou ou, pelo menos, fingiu não ter ouvido, então de novo lhe falei,

- Onde estavas?

Ela assoprou forte e se postando ereta retrucou:

- Talvez não quisesse ser encontrada, isso é algo que me cabe, é de minha vontade e no meu tempo. Vens aqui inocente até mim, com esse olhar sedento, o que achas que encontrará aqui para saciar sua sede? É melhor que vá e me deixe fazer o que me é de ofício.

- Tens um ofício?

- Claro e todos não tem?

Me senti nesta hora, realmente imbecil, claro que tinha ofício, afinal, mesmo que não fizesse nada da vida, eu deveria fazer perguntas que reafirmasse a sua postura obviamente independente...Onde eu estava com a cabeça? Estava a desejando. Tentei de outra forma manter um diálogo que me favorecesse, perguntei então com o que ela gostava de matar o tempo? Ouvindo isso ela riu demoradamente, parou olhando de lado e disse:

- Maneira curiosa de se expresssar você tem!

Outra vez tive impressão de estar falando besteira, mas, pelo menos, dessa fez consegui fazê-la rir, daí entendi como uma deixa para progredir em minhas investidas...a endaguei sobre seu gosto por vinhos..

- Tinto, por favor.

Garçon um tinto para a senhorita, do melhor que tiver. Após seu primeiro gole, briquei questionando se ela podia beber em serviço, se não haveria problema com a chefia em se deleitar com espedientes etílicos, respondeu que tinha muito apreço da chefia, que o vinho representava muita coisa, e seu consumo deveria ser obrigatório para todos, afinal de contas, como uma existência poderia ser completa sem o ardor de um bom vinho à boca. Eu escutava seu discurso sem nada discordar, ora, ela tinha razão: o vinho é algo que deveria estar na cestas básicas das famílias, essa vida exige o mínimo de torpor para ser suportada.

Já naquele altura me sentia a vontade e como um camicaze, mergulhei de cabeça, falei tudo que pudesse convencê-la a deixar aquele lugar e fugir comigo para um outro lugar insuspeito...avançada a madrugada, me falou que conhecia e entendia os meus desejos e por mais que resistisse à ideia achava justo matar-me a curiosidade. Então partimos dali no primeiro carro de aluguel que consegui chamar, fomos até um quarto que eu alugava num pequeno hotel no centro, honesto e discreto o lugar.

Em portas fechadas, roupas abertas senti o meu corpo - estremecia - o cheiro se espalhava pelo quarto, meu deus como a quero, pensei. Naqueles segundos que antecedem o toque valem uma vida inteira, o abrasamento que dá no corpo todo é inexplicável - dela eu via a mais pura conivência, não sei se vencida pelo cansaço de minha insistência ou se consegui de alguma forma despertar seu apetite, o fato é que ela estava ali, nua na mais bela forma de magreza em curvas, um olhar profundo que parecia adivinhar o que aconteceria fitando o meu de vaga dedução e desejo solto.

De repente me falou:

- Saiba que o que pede vai te tirar a chão, quando do ato consumado será o fim, é esse o meu ofício, sou a Morte, e por mais que sintas prazer, será o último que sentirás, não há nada após o gozo.

Eu escutando as palavras que me davam a certeza que aconteceria o que eu tanto desejava, apenas repeti :

- Esperava por você, talvez sempre a procurei .....

- Onde estavas ???

Renan Ivanildo
Enviado por Renan Ivanildo em 08/09/2017
Reeditado em 22/09/2017
Código do texto: T6108582
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