Homo natans

Quando cheguei ao Museu de História Natural, encontrei o professor Foster num dos laboratórios de análise, retirando documentos de uma caixa de papelão sobre uma mesa. Ele me mostrou algumas fotos em preto e branco de artefatos de pedra, e restos do que pareciam ser conchas de mexilhões e ouriços do mar.

- Arqueologia subaquática... início dos anos 1940.

- Durante a II Guerra Mundial? - Questionei.

- Precisamente - assentiu o professor. - O sítio arqueológico estaria localizado próximo à costa da Crimeia, no Mar Negro. Nesta época, a região estava sob domínio da Alemanha Nazista...

- As ferramentas de pedra têm um bom acabamento - avaliei.

- São realmente muito boas, não é? Se tivéssemos apenas uma delas para avaliar, poderíamos descobrir se foram forjadas ou não... mas tudo o que restou foram estas fotografias. Também excelentes, aliás, mas inconclusivas.

- Bem... imagino que encontrar um assentamento pré-histórico sob o Mar Negro seria anunciado como um grande feito da ciência do Reich - analisei.

- Muito mais do que isso... - retrucou o professor. - Os nazistas pretendiam provar uma hipótese, bastante controversa aliás, de um patologista chamado Max Westenhöfer. Ele havia sugerido, aí por volta de 1942, que os seres humanos não descendem de macacos, mas de uma outra criatura, adaptada para a vida aquática. Isto explicaria a ausência de pelos e a orientação dos pelos remanescentes, a gordura subcutânea e outras características, que sugeririam a adaptação a um modo de existência ligado às águas.

- O homem seria descendente de golfinhos, então? - Gracejei.

- Ou quem sabe possuíam um antepassado comum... - comentou o professor. - A verdade é que os nazistas nunca avançaram tanto assim na ideia.

- Mas durante a II Guerra, tentaram provar a hipótese?

- Sim, de fato. Organizaram uma expedição arqueológica à costa do Mar Negro e fizeram escavações subaquáticas, aparentemente com grande êxito, como comprovariam estas fotos. Ferramentas de pedra associadas com restos de conchas, sugerindo que uma população humana que habitava às margens do Mar Negro há mais de 200 mil anos, quando o nível global dos oceanos era dezenas de metros mais baixo do que na atualidade, possuía uma relação estreita com o mar.

- Bem... pelo pouco que entendo do assunto, mesmo que a datação dos restos encontrados fosse condizente com a afirmação de antiguidade, isso necessariamente não confirmaria a hipótese de Westenhöfer, concorda? - Argumentei.

- Certamente, e os nazistas também deveriam saber disso - aduziu o professor. - Mas se houvessem podido apresentar as suas supostas provas perante a comunidade científica internacional, iriam dizer que agora tinham suporte material para embasar a teoria da origem aquática do homem. Infelizmente, quando os itens recuperados estavam prestes a ser embarcados de avião para a Alemanha, o Exército Vermelho bombardeou a área. Supostamente, tudo foi perdido, menos as fotos que lhe mostrei.

- Será que os russos não encontraram e ocultaram o que havia sido escavado? - Sugeri.

- Creio que se tal houvesse ocorrido, teriam prosseguido com as escavações - redarguiu o professor, começando a recolocar as fotos na caixa. - Certo mesmo é que, no pós-guerra, o próprio Westenhöfer acabou abandonando o conceito do "homem aquático"...

Guardou a caixa numa estante junto à outras similares, e comentou:

- Imagino que se a ideia fosse adiante, apesar da falta de embasamento científico, muita gente hoje diria que homem e macaco não possuem um ancestral comum, e que somos descendentes de algo mais nobre...

Balancei a cabeça, em concordância.

- Golfinhos são animais simpáticos - ponderei.

- [28-09-2018]