Celeiro de José

O dardejar dos raios de sol pressagiava mais uma aurora naquela fazendola no interior do agreste pernambucano. Os sabiás e os bem-te-vis desatavam a cantar e as cigarras já indicavam o castigo solar que vinha. Seu José acordou tremendamente diferente, tinha tido um pesadelo que talvez prenunciasse a algo. Acordou abatido, mesmo assim, não se deixou levar pelas intempéries oníricas, foi metodicamente realizar seus quefazeres cotidianos: ordenhar a vaca, cuidar da ração dos bois e carneiros, alimentar as aves; enquanto isso Maria, sua mulher, estava preparando o café. Quando foram tomar café, maria notou José muito abatido e questionou-o:

—o que aconteceu com você?

—nada não mulher.

—deixe de enrolação, sei muito bem quando está incomodado com alguma coisa.

—deixe de bobagem e vá tomar seu café.

—Mas num vou de jeito nenhum. cuide e desembuche logo.

—eu já disse

— você num disse nada. pois tá bem.

e assim maria saiu arretada da cozinha. Durante a tarde, após José chegar da roça, maria notou muito estranho; ele estava escrevendo algo em um papel. Maria ao vê-lo, gritou:

—Que danado tu tá fazendo agora?

—nada não

—endoidou agora. Este matuto tá escrevendo agora. Meu Deus, é o fim do mundo.

—não tô escrevendo. Cuide procurar o que fazer.

—Vish maria, tá perdendo o juízo. Nem cinquenta anos tem ainda e já tá pirando.

Após esse ínterim, Maria foi preparar uma sopa para o jantar. Seu José ainda não saiu do quarto e isso causou novamente um grande incômodo a maria. Ao terminar a sopa, maria pegou uma colher de pau e foi até ele descobrir o que estava fazendo.

—O que danado tu tai fazendo zé.

—já disse, nada.

—cuide, me dê esse papel aí.

E maria ferozmente tomou o papel da mão de José e ficou muito surpresa, ele não estava escrevendo e sim desenhando; desenhou uma espécie de casa.

—que diabos é isso agora? você virou desenhista foi?

—não! disse ele friamente

— e o que é isto então?

—já falei que não é nada.

—Mas num to cega. Você vai me dizer dum jeito ou doutro. cuide desembuche de uma vez home.

—Eita mulher para aperrear meu juízo. Isto aí é apenas um desenho que veio na minha cabeça.

—pra que tu quer isso?

—pra nada.

Foi quando maria pegou uma vassoura que estava no quarto e ameaçou ele impiedosamente. Ele, temendo levar umas porradas, acabou contando o que estava por trás daquele desenho.

Maria ao ouvir, disse que ele estava bem doido mesmo. José calmamente retrucou: talvez!

No dia seguinte José foi coletar madeira para tal projeto e isso deixou maria perplexa.

Passaram 4 meses, José estava prestes a terminar o seu projeto. Maria cada dia ficava mais preocupada com a loucura dele. José de tempos para cá, começou a trabalhar incansavelmente, plantando, colhendo, estocando, construindo…

Quando por fim terminou seu projeto, não aparentava uma casa e sim um grande celeiro. Ele estocou comida não só para ele como também para seus animais. Os vizinhos acharam José muito estranho, eles se perguntavam o por quê de tanto trabalhado, e além do mais, para quê um celeiro no sertão. Certa vez, veio uns primos distante até a casa de José, com uma pretensão implícita, eles vieram trazer alguns produtos orgânicos como forma de omitir sua verdadeira intensão: descobrir o porquê dessa construção. Ao passar o dia, eles em uma conversa trivial, acabaram induzindo ao questionamento do celeiro. José disse que era para se proteger contra o frio, e assim, eles discretamente riram, e retrucaram:

—Seu zé, de onde é que esse frio virá? Aqui é sertão e o único frio que tem é o da geladeira.

José por um momento se omitiu mentalmente, refletindo sobre o seu sonho assustador. Após alguns segundos, ele retornou e disse:

— Certa vez tive um sonho curioso. E que me fez fazer isto.

— Que sonho, conte-nos?

— A terra quente e amarronzada do sertão ficava fria e branca.

—Mas zé, ter pesadelos é normal, pesadelos e sonhos são distorções da realidade.

—tempos atrás, sonhei durante 2 semanas o sertão morrendo, não pelo calor e sim pelo frio, nos dois últimos dias da sucessão de sonhos, vi uma casa no meio do gelo, era grande e abrigava animais, era o celeiro que fiz.

—Zé, aqui é agreste, é até difícil chover, imagine gear . Sertão é seco, nem Antônio estava certo, quando disse que o sertão ia virar mar. E agora vem você, dizendo que vai nevar.

—Se não acreditas, não cabe a eu julgar. O que eu tive foi uma visão, que por mais que seja bobagem, a convicção que tenho é que esta estiagem vai dar lugar a uma passagem, em que ninguém ia imaginar.

E assim, seus primos saíram rindo, e José calado ficou, Maria cada vez mais preocupada com José, pensou que ele deva está doente e que o sol quente tenha fritado seu juízo.

Em uma noite calma, uma chuvinha fina dançava sobre as telhas. Acresce que, aos poucos essa chuvinha começava a engrossar, e José na cama dizendo que a hora já ia chegar. De manhã cedo, José acordou, a chuva ainda estava forte, pegou um guarda-chuva, e foi até seus bichos guardar no celeiro. Quando voltou molhado, a mulher se arrepiou, pensava ela: será que ele está certo, será que com o dilúvio a neve vai chegar?. Mas tarde a chuva parou e o sol novamente raiou, sem piedades evaporou tudo que na terra foi abençoado. O calor reinou e com isso maria viu que José estava errado. José não ficou preocupado, disse a maria que no seu sonho, aquilo era um aviso, e mas tarde a neve ia chegar. Passaram semanas, meses, e o sol cada vez mais forte, o sol castigava tudo e todos, a água estava escassa e José ainda não desanimou. Maria estava com medo de José perder o resto do juízo que tinha com aquela ideia fixa. Após 3 meses do projeto de José ter sido finalizado, a chuva começava a lavar a terra estéril, o pasto vagarosamente crescia, os animais se deliciavam, as seriemas gritavam anunciando a vida que nascia do solo rachado — era o paraíso. José sempre com a convicção iminente, tinha fé na sua profecia. Os meses foram se passando e a seca foi reinando, tudo que em um momento vivia o apogeu, viu seu declínio sendo devastado com sol…

Até hoje os bisnetos de José levam a profecia do tataravô como uma emblema. Quem sabe um dia do sertão o sol se canse, da chuva a neve surja e José fique lembrado como um profeta do passado.

José Rony de Andrade Alves
Enviado por José Rony de Andrade Alves em 22/03/2019
Reeditado em 25/03/2019
Código do texto: T6604376
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