A arvore mais bela.

Ainda era noite quando eles se sentaram naquele mesmo banco de praça como faziam há alguns meses. Se passaram alguns anos deste eles haviam começado aquela amizade, o típico tipo de amizade que começa sem ter nada em comum, mas que com o passar do tempo acaba se tornando um respeito e admiração mútuo sobre as qualidades que cada um tem em seu ser. Na época ela ainda era muito nova para dividir noites em claro compartilhando segredos sinceros e discretos sobre o seu pequeno mundo, mas que para ela era tudo o que podia se agarra até o momento.

Naquela noite ela já devia estar entrando na maior idade, mas isso era algo que ele não lembrava ao certo. De lá para cá muitas coisas escapavam de sua memória, menos o sorriso dela, inocente e discreto, mas que ao mesmo tempo iluminava o dia dele, cada vez que ele chamava por ela na frente da sua casa. Quando ele gritou seu nome naquele portão laranja descascado, que devia não ver uma boa mão de tinta já fazia uns bons carnavais, ela apareceu em poucos segundos na sua janela de madeira que dava direto para o por do sol naquela época do ano. Ela já deveria estar esperando por ele há algum tempo pensou ele, um rapaz já na casa dos 24 anos, não se achava velho para cultivar uma amizade tão forte com uma menina mais nova, porem se achava um pirralho nos assuntos do mundo.

Era do costume deles conversarem um bom tempo na frente do portão velho, mas o fim de tarde estava tão belo nesse dia, que concordaram em sentar-se no banco da praça que ficava a poucos passos de sua casa. A praça possuía uma história interessante, pois uma velha amiga da época do fundamental contava que seu antigo afeto havia morrido ali, de bala perdida ela dizia triste ao se lembrar, mas todos sabiam que em boa companhia ele nunca andou. O banco que eles escolheram para ficar era de interesse dos casais apaixonados por ficar bem atrás de uma arvore, muito antiga pelo seu tamanho que se destacava perto das suas companheiras de terra ao seu redor, mas também ele tinha quadrados pintados de duas cores em uma mesa de pedra, deveria ter sido feito por algum grupo de jogadores de dama. Porem faltavam as peças então só ficariam ali para jogar conversa fora.

Os finais de tarde estavam se tornando cada vez mais frios com o fim do outono, ela vestia um casaco de lã que parecia ter sido tricotado pela sua avó ele reparou. Mas quem era ele para falar de moda ela sempre dizia, sua companheira de passeio nos fins de tarde sempre foi a sua velha camisa xadrez, como saído de um clip grunge dos anos 90. Ela olhava intrigada para a mochila cinza que ele carrega em apenas uma alça em seu ombro direito. Qual era a surpresa que ele trouxera dessa vez para eles compartilharem. Orgulhoso como se estivesse de posse do Santo Gral ele retirou uma garrafa de vinho de custavam apenas alguns trocados, mas ela não precisava saber dessa parte pensou ele. Serviram-se no gargalo da garrafa mesmo, pois não haviam levado taças ou algo que pudesse ser usado, quando se estava entre melhores amigos esse tipo de coisa não importavam.

Pouco ele se lembra sobre qual foi o assunto dessa noite específica, se conversaram sobre algum novo cacho do colégio, o nome que os adolescentes da época davam para seus namoricos, ou se falaram sobre algo do seu serviço. Como eles sempre trocavam de assunto sem nem terminar o anterior e voltavam para lembrar de algo que não havia ficado entendido, era difícil se lembrar o motivo de risadas e lagrimas de alegria daquele início de noite. A conversa devia estar boa ela exclamou, pois se ele havia chegado em sua casa no fim daquela tarde já deviam ter se passado horas, pois já era noite escura e já estavam em sua terceira garrafa do vinho que ele trouxera, sangue de cristo como ela não se cansava de falar.

Ela dançava ao redor da mesa, meia cambaleante pelo vinho ingerido, ele ainda lembra, daquele sorriso em seu rosto, a aquele sorriso pensou ele, porque lhe despertava sentimentos tão diferentes ao mesmo tempo. A ternura de um irmão mais velho ou a paixão de um homem que não sabe mais como esconder o que sente. Enquanto não se decidia sobre o que sentia ele ficava feliz por ser seu amigo. Tanto criticava os personagens das novelas mexicanas que sua mãe assistia que se tornava pouco a pouco igual a eles. Jose Fernando Martins Colunga Lopes deveria ser seu novo nome, já que apenas o fato dela estar feliz já o agradava, se não fosse com ele não importava, se ela decidisse apenas pela sua amizade já era o bastante. Até ele já estaria sobre o efeito do álcool já que as arvores pareciam estar em uma dança lenta e suave no mesmo ritmo do corpo de sua jovem amada, não havia nenhuma brisa suave para chacoalhar aqueles galhos, então devia ser sua imaginação que sempre alçava voos longos como de costume.

Agora todas as arvores dançavam no mesmo ritmo, diferente da dança suave que acompanhava seu amor secreto, elas estavam em um ballet que pairava o frenesi, como se um grupo de casais apaixonados tivessem se unido pelos abraços mais apertados em uma roda que não possuía início e fim, um círculo perfeito e frenético. Mas algo estava errado, pois os galhos já não possuíam folhas e pontas, tudo era apenas um borrão verde e marrom. Que musica era aquela que fazia as arvores vibrarem tão apaixonadamente pensou ele, mas o som que estava ao fundo não eram de notas musicais e sim mais pareciam um bater de asas vindo ao longe. Algo o despertou da dança hipnótica que havia lhe fisgado como um marinheiro perdido em uma ilha dominada pela deusa Circe. Seria ela sua amada, uma deusa grega cultuada a eras atrás quase esquecida pelo homem... Não, ela era apenas mortal, mas que possuía todas as qualidades e pequenos defeitos que ele admirava em uma mulher, o que seria o amor se não fosse você se apaixonar pelos pequenos defeitos de uma pessoa. Porem não foi o seu sorriso discreto, muito menos o jeito de mexer em seu cabelo que o despertara das garras de Circe.

O rosto dela estava mais pálido do que o menino albino que ele conhecera na infância, olhos arregalados como se fosse um personagem saído de um manga shounem, as mãos tremulas apontavam para estranha sombra que plainava no ar em sua direção. Havia ele já visto uma ave que podia ficar parada no ar como um helicóptero sem mesmo precisar bater as asas. Sabia ele que os beija-flor eram como pequenos helicópteros de resgate que voavam de flor em flor, mas um pequeno beija-flor não deveria ter uma envergadura de mais de 5 metros. Aquela monstruosidade saída dos livros de King que ele lia durante sua adolescência solitária não deveria existir no mesmo mundo que o anjo que ele chamava de amiga. Aos poucos aquele ser inimaginável se aproximava de onde eles estavam, mas ele não conseguia se quer imaginar qual deveria ser a reação a ser tomada. Quando ele menos esperava ela estava a correr na direção contraria ao ser alado, porem aquele que ate hoje ele não sabe de onde veio, acabou por se aproximar ainda mais rápido na direção dela, se foi porque ela correu ou ele já estava mirando a jovem menina, em um piscar de olhos ele já estava com as asas ao redor da sua pequena vítima. Ela olhou de relance para ele com um olhar de quem sabia o trágico final que teria, mas devia estar em paz com isso, uma pequena lagrima deslizava pela sua face ate seus doces lábios, um sabor que ele nunca conheceria se deixasse aquele ser levantar voo com ela dali. Ele ate tentou correr na direção deles, mas suas pernas não respondiam, sentia como se tivesse virado parte da praça assim como a velha arvore que ele escolhera horas atrás para ser o local de sua confidencias. Quando ele finalmente conseguiu se livrar das amarras que o prendiam ao chão, seriam elas medo ou sensação de impotência sobre algo que ele não compreendia, ela simplesmente olhou em sua direção e disse três únicas palavras desconexas: - Fica! Eu te.... Mas não pode acabar de dizer as palavras que eram mais importantes que a sua própria vida. As asas gigantescas bateram tão forte que um estrondo mais alto do que um raio caindo a poucos metros de distancia o ensurdeceram no mesmo momento e acabou por cair desacordado no gramado já ressecado do fim do outono.

Quando o jovem rapaz acordou já deveria estar no meio da madrugada, cachorros uivavam na redondeza. Ele se levantou e correu ate o lugar onde sua amiga havia sido capturada, mas nenhuma marca da existência daquele ser ou dela tinha ficado ali. Será que ele havia imaginado aquela noite pensou ele, tateou em seu bolso a procura do seu celular e ligou para o primeiro número da discagem rápida, mas caiu na caixa de mensagem. Seu mundo acabava de partir em mil pedaços como um espelho partido nas brigas de casal que seus pais tiveram por muitos anos. O chão parecia cada vez mais longe de seus pés, o céu tinha um borrão noturno que mais parecia uma espaçonave preste a invadir a terra, mas uma vez seus olhos fecharam e não conseguiu mais se segurar.

Meses se passaram, até um julgamento rápido foi montado. Várias provas que o apontaram como culpado serviram para sua condenação. Pais, amigos e vizinhos não acreditaram na história sobre o ser alado que arrancara sua amada de seus braços. Ate um corpo eles dizem ter encontrado, mas claro que tudo isso fora montado, pois aquela das fotos não era a sua melhor amiga, não tinha o sorriso no rosto por qual ele se apaixonara com tanta intensidade. Após ficar alguns dias em um quarto confortavelmente acolchoado, ele pode se sentar em uma sala ampla com várias cadeiras. Escolheu a mais perto da janela, apesar de já estar ficando escuro, era uma linda noite de primavera. A poucos metros dali havia um belo parque com várias arvores, ao fundo havia uma que se diferenciava de todas, pois não era sempre que se via uma ave tão bela sobrevoando uma arvore velha.

Demetrius de Oliveira
Enviado por Demetrius de Oliveira em 28/06/2019
Código do texto: T6684102
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