Mamãe disse que todo mundo vai morrer.

– Mamãe disse que todo mundo vai morrer!

– Eu não vou morrer não – desafiou Pedrinho em voz alta enquanto largava o "Hot Whells" para encarar a irmã.

– Vai sim – repetiu Maria sentando ao sofá. Mamãe falou que é todo mundo!

– Eu não me importo de morrer – resmungou Simão, sem tirar os olhos do videogame.Morro, desde que todo mundo morra também.

– E todo mundo vai morrer mesmo – enfatizou Maria mais uma vez. Mamãe disse que ninguém escapa. Ninguém! – Repetiu Maria, desta vez olhando para Pedrinho com superioridade.

– Deixa de mentira – contestou Pedrinho irritado. A vovó me disse que ninguém morre. Se todo mundo fosse morrer, por que veio?!

– Sei la por que veio – exclamou Simão, sem olhar para o irmão para não comprometer o seu jogo. Mas se todo mundo vai morrer, eu que não quero ficar aqui sozinho. Morro também.

– Se mamãe morrer, morro também – completou Maria esticando o beiço enquanto abraçava as pernas, encolhida no sofá.

Alguns minutos de silêncio e mamãe entra na sala:

– Que cara de velório é esse, meus filhos?!

– É a Maria, mamãe – disse Pedro escondendo os olhos úmidos . Ela tá espalhando que todo mundo vai morrer. Eu já disse que não vou.

– Que história é essa, Maria? – Indagou mamãe. Por que você está dizendo isso?!

Maria agora chorava e balbuciava palavras que só a mãe entendia.

– "...cê disse pru papa que um dia tudo mundu ia morre..."

Mamãe refletiu alguns segundos enquanto serenava o olhar e se aproximava da filha.

– Oh, minha filhinha. Você só tem 7 anos. Vocês e seus irmãos não conseguem entender isso ainda.

– Então é verdade? – Perguntou Simão, soltando o controle do videogame pela primeira vez.

Pedro, que tentava disfarçar o choro, agora erguia os olhos para mãe esperando a sentença.

Vencida pelas circunstâncias, a mãe revela.

– Isto é natural, crianças, tudo que nasce, um dia morre.

– Não faz sentido, mamãe, – disse Pedro, que já não continha o choro.

– Se todo mundo vai morrer, então tudo bem – reafirmou Simão de olhos baixos agora com menos segurança;

– O Horácio também vai morrer, mamãe?! – perguntou Maria, já mais calma, acariciando o amistoso cãozinho que entrará junto com a mãe e agora se aninhava no colo da menina.

– Vai sim, filha. É natural. Tudo que nasce morre um dia.

– Eu já falei que não vou morrer – disse Pedro, arremessando os carrinhos e correndo para se refugiar no seu quarto.

Agora eram Simão e Maria que acariciavam o Horácio como se fosse os últimos dias de vida do animalzinho.

Mamãe foi ao quarto ter com Pedro. Estava preocupada com a reação do pequeno.

– Pedrinho. Posso entrar?! Pedrooo?!

A mamãe mal entrou no quarto e Pedro se jogou nos braços dela, inconsolável.

– Por que tenho que morrer mamãe?!

– Ah, Pedrinho. Você é muito novo. Quando você crescer você vai entender melhor. A morte é uma coisa natural. Tão natural quanto a vida. Lembra a vovó Carmem? Aquela que te dava bolacha de açúcar sempre que nós a visitávamos?

– Lembro – disse Pedrinho, aconchegado na mãe.

– Ela era a minha mãezinha querida. Ela morreu. Por isso não a visitamos mais.

– A vovó não morreu, mamãe – disse Pedrinho limpando os olhos e olhando para mãe.

– Por que você diz isso, Pedrinho?! – perguntou a mamãe um tanto intrigada.

– Porque ela me visitou em um sonho e me explicou que o Espirito nunca morre.

– não brinca com isso Pedrinho, você está me assustando.

– não se preocupe, mamãe. Vovó me disse também que te ama muito e que um dia a senhora também iria entender.

Mamãe começa a chorar e todo mundo entra no quarto.

– Por que mamãe esta chorando? – pergunta Maria.

– Mamãe descobriu que a morte não existe, disse Pedrinho.

Então Horácio latiu e pulou na cama e todos se abraçaram embalados pelo mistério da eternidade.

Atma Jordao