O Enigma do Abominável Shiba-inu

Meu pai estava me visitando, num daqueles raros momentos em que abandonava o sítio no interior e vinha até a cidade. Quando minha mãe ainda era viva, ele costumava vir com mais frequência, mas desde que ela se fora, as visitas andavam rareando. A situação francamente não me agradava, visto que ele ficava muito tempo sozinho, apesar de que o sítio contasse com um caseiro que vivia na propriedade com sua família, os quais cuidavam do trabalho doméstico.

Minha irmã, Margareth, apareceu para vê-lo e trouxe o cachorro, um Shiba-inu sésamo de três anos chamado Kintaro. O animal era amigável, mas daquela vez, ao ver meu pai, comportou-se de modo estranho: começou a dar voltas ao redor dele, cheirando-o com suspeição.

- O que há com o Kintaro? - Indagou meu pai, apreensivo.

- Não sei, nunca o vi assim - repliquei.

Margareth, que havia ido até a cozinha me dar uma ajuda com o almoço, também ficou surpresa ao retornar. Chamou o cachorro, que correu para ela - mas continuou a encarar meu pai, orelhas erguidas.

- O que foi, meu bebê? - Indagou ela, acariciando a cabeça do animal.

Kintaro deu um latido, de advertência, sem deixar de olhar para meu pai.

- É alguma coisa com o senhor, papai - disse ela.

- Eu tomei banho - replicou meu pai, tentando gracejar. Mas ele estava visivelmente incomodado com a situação.

- Vamos para a cozinha - determinou ela, me chamando. - O senhor fica aqui, papai.

Fomos. Eu, ela e Kintaro. Na cozinha, cochichou ao meu ouvido:

- Eu só vi o Kintaro fazer isso uma única vez, com o pai de uma amiga, e se for o que eu estou pensando, é melhor marcar uma consulta para o papai com um oncologista.

- Do que você está falando? - Indaguei, assustado.

- Calma. Pode não ser nada, mas é melhor não arriscar.

Marquei consulta com um oncologista para o dia seguinte, e consegui convencer meu pai de que ele iria fazer um checape de rotina.

- Acho que será bom - conformou-se ele. - Ultimamente, ando com alguns probleminhas... prisão de ventre.

O médico prescreveu alguns exames, que só ficariam prontos em alguns dias. Fiquei de avisar ao meu pai assim que eles estivessem em minhas mãos, mas quando vi os resultados, minha primeira reação foi ligar para Margareth:

- Câncer colorretal! Papai vai ter que vir para a cidade, talvez precise operar!

- Eu imaginei que poderia ser algo assim - respondeu Margareth. - Foi o que aconteceu com o pai da minha amiga.

- Kintaro farejou o câncer nele?

- É o que parece - assentiu ela. - Cães têm um olfato muito desenvolvido, e mesmo que não sejam treinados especificamente para isso, podem acabar descobrindo alguma doença só em cheirar a pessoa.

Meu pai ficou internado algum tempo, mas felizmente a doença ainda estava na fase inicial e ele conseguiu se recuperar bem.

Graças ao Kintaro.

- [22-05-2020]