O vizinho

Acordou, teve uma sensação estranha.

– Essa cama não é a minha.

Não era. Tudo bem, como em tantas outras vezes acordou em um hotel e dali a poucos minutos se lembraria em qual cidade.

– Ôpa, mas não viajei ontem. Como estou em uma cama diferente?

Não reconheceu nada do lugar, porém se recordou de abrir a porta e entrar na noite anterior. Chegou bem tarde, cansado e com sono, deitou e dormiu com a roupa que chegou. Meio atordoado levantou, ainda sem reconhecer nada.

– Meu Deus, entrei na casa da vizinha, puta merda.

Vagarosamente abriu a porta do quarto e viu duas crianças comendo cereal no sofá cinza e vendo um estranho desenho animado na enorme televisão. Era um menino de uns dez anos e uma menina que certamente não haveria ter mais que cinco. Não conhecia as crianças, mas tinha certeza que na noite anterior havia entrado na porta ao lado da sua. Absorto em seus pensamentos foi surpreendido pelo olhar da menina que calmamente se dirigiu ao menino:

- Jef tem um homem ali.

O menino, sem olhar, respondeu:

- Pára Aninha, não tem ninguém aqui.

Sem ação, ele chocado, continuou olhando para criança que disse:

- Jef, ele tá olhando pra nós.

Nisso o menino virou-se, olhou, e já voltou a atenção para a Tv e a tigela que estava quase vazia.

– Deve ser o novo namorado da mamãe.

- Como assim, namorado da mamãe? Pensou.

Todo sem graça ao falar “oi crianças” já atravessava a sala para a porta que deveria ser a de saída, quando ouviu um grito ensurdecedor acompanhado de uma ordem da mulher:

- Fique longe dos meus filhos. O que você está fazendo aqui?

– Desculpa, nem sei como explicar.... mas... eu dormi aqui.

– Como assim? Vou chamar a Polícia.

– Calma, calma, sou seu vizinho. Cheguei muito cansado ontem, já era tarde e apaguei na primeira cama que encontrei. Disse apontando para o quarto onde havia acordado.

- O senhor entrou na minha casa de madrugada, dormiu no meu quarto de hóspedes e está falando que não sabia onde havia dormido? Está drogado? Usou quê?

– Não, não, não uso nada, nem bebi ontem. Cheguei e abri a porta, nem acendi as luzes e apaguei. Já vou sair moro ao lado, já disse, sou seu vizinho.

– Quer dizer... aqui do lado? Na casa ao lado?

– Sim, no apartamento ao lado, venha vou mostrar a senhora.

Essa eu quero ver, pensou Camila. Ao ser conduzido para fora foi impossível não arregalar os olhos diante daquela visão. Ao invés do corredor com quatro apartamentos de um lado da escadaria e do elevador e quatro do outro, viu que a saída dava para uma área em comum, acessada por todos dos doze chalés que ficavam em semicírculo.

– Me mostre.

Ao dizer isso, Camila olhou para o chalé do lado de onde vinha um sorriso discreto do senhor que recebia os tímidos raios solares daquele dia.

– Bom dia Sr. Chang!

– Algum problema senhora Camila?

Perguntou o oriental com um português muito ruim.

– É que esse senhor disse que é nosso vizinho, já o viu Sr. Chang?

Após o aceno negativo de cabeça ela se voltou para o “vizinho”.

– Eu não entendo, on.. onde estamos?

– Nós, no lugar que deveríamos estar, Shenzhen e o senhor?

– Nunca ouvi falar, não estamos em São Paulo, como é possível?

– Eu quem pergunto para o senhor, como uma pessoa invade a casa de alguém, em uma vila, de uma cidade na China, pensando estar em São Paulo? Meu ex-marido mandou o senhor?

Ao longe ele via prédios altos e bonitos que bem poderiam ser São Paulo. Mas não, a arquitetura daqueles chalés, as outras casas que via a média distância davam legitimidade às informações recebidas. Outras pessoas se aproximaram e se comunicavam numa estranha língua, que pelas informações deveria ser chinês. Conversavam e olhavam para ele como se fosse um estranho. Mas era um estranho. Não conhecia uma pessoa sequer, ninguém o conhecia. Voltou correndo para dentro em busca do celular, as chaves do carro ou o notebook. Nada, nem a carteira. Parou na sala. Jef e Aninha olharam para ele mais uma vez sem parar de mastigar os crocantes cereais das vasilhas que já estavam cheias novamente. Com a porta ainda aberta, a dona da casa perguntou: - O senhor vai me explicar isso ou posso chamar a Polícia? O olhar fatídico e assustado de volta, acompanhado de um profundo silêncio não foi nada esclarecedor, e só foi quebrado após um quarto de minuto.

– Preciso de ajuda.