Tratamento alternativo

Sempre achei que a homeopatia era uma tremenda bobagem, até conhecer Ermelinda. Ela me foi indicada por um amigo em comum (e essa era a única forma de um estranho entrar em contato com ela), o qual afirmou que, por mais complicado que o problema médico parecesse, ela poderia vir com uma solução melhor do que o da ciência médica tradicional.

- Em tempos de médicos que negam descobertas científicas, isso nem deveria me surpreender - ponderei.

- Ermelinda não nega coisa alguma - replicou meu amigo. - Ela apenas possui meios alternativos para tratar determinados males.

Isso não significava que ela fosse capaz de resolver todo e qualquer problema, mas ele me garantiu que valia a pena tentar e que o preço da consulta era módico. E assim, lá fui eu até o conjunto de salas que ela mantinha na parte velha da cidade, num prédio comercial de quatro andares sem elevador, quase todo ocupado por estúdios de modistas, lojas de artigos para senhoras e chapelarias. O espaço não era grande, mas possuía uma antessala (com a mesa da recepcionista, uma gordinha ruiva chamada Marianne), a sala de consultas (com uma sacada que dava para a rua), copa e banheiro. Tudo muito limpo, claro e organizado.

- O senhor veio por indicação de Durval Santiago? - Indagou a recepcionista quando me apresentei no horário agendado.

- Sim, foi ele quem me deu as referências sobre a dra. Ermelinda - redargui.

- Naturalmente - assentiu a recepcionista. - Ela logo irá vê-lo.

Uma campainha soou em seguida, e ela me indicou a porta do consultório. Lá dentro, havia armários com portas de vidro, com potes cheios de plantas secas e sementes organizados nas prateleiras. A homeopata sentava-se de costas para a sacada e a janela, atrás de uma mesa de metal; tinha idade indefinida e usava um jaleco branco sobre um vestido escuro. Sorriu ao me ver.

- Senhor Campelo - saudou-me. - Queira sentar-se!

Aboletei-me numa das duas cadeiras diante da médica e ela me perguntou a natureza do problema que me havia conduzido até ali. Expliquei sucintamente do que se tratava.

- Bem, não é algo de difícil solução - avaliou, fazendo anotações num bloco de papel. - Mas imagino que o senhor deve ter recorrido à alopatia, antes de me procurar.

- Naturalmente - acedi. - Mas meu amigo Santiago me disse que, com a senhora, o tratamento realmente funcionava.

Ela fez um gesto de cabeça, sorridente.

- Por menor que seja a sua crença na homeopatia em geral, pode ficar certo de que aqui encontrará respostas para os seus problemas.

E me receitou um conjunto de minúsculas pílulas brancas que retirou de um dos armários com portas de vidro. Depois, marcou meu retorno para daí a uma semana, onde seria avaliado o tratamento.

* * *

Uma semana se passou, e ao voltar ao consultório de Ermelinda, disse-lhe que havia me surpreendido com o efeito causado pelas tais pílulas.

- Não me sentia bem assim há anos - declarei.

- Então, o tratamento surtiu efeito - afirmou ela confiantemente.

- Mas como saber se os efeitos serão duradouros? - Questionei.

- Bem... não há nada permanente nesta vida, como deve saber - ponderou. - Isso posto, se eventualmente sentir que algum dos sintomas está voltando, sempre poderá marcar uma nova consulta e eu irei alterar a composição dos glóbulos que lhe forneci.

- Fico aliviado com esta perspectiva - redargui. - Mas, afinal de contas: pelo que pude ler, estes tais glóbulos sequer deveriam agir sobre o meu problema. Como é que a homeopatia funciona, afinal de contas?

Ermelinda estava sorrindo.

- Agora que o senhor viu que funciona, posso lhe revelar a verdade: não se trata de homeopatia.

- Oh... não? - Indaguei, aturdido. - Então, o que é?

Ermelinda inclinou-se sobre a mesa, ainda sorrindo:

- A boa e velha magia. Funciona, não é?

- Sim.

- Mas, para os descrentes, mais fácil dizer que trata-se de homeopatia - ela aprumou-se, agora séria.

Balancei a cabeça, em silêncio. Afinal, o que poderia eu questionar quanto à validade do método?

- [06-02-2022]