A Rota

Péricles sempre passava por aquele lugar em sua rota de viagem a trabalho.

A estrada passava dentro daquela pequenina cidade. Já quase saindo do lugar havia uma casa que sempre lhe chamava atenção. Ele não entendia o porquê de seus olhos sempre procurarem aquela pequena moradia. Não era linda e nem suntuosa. Era simples e um pouco desgastada pelo tempo. Mesmo assim algo nela o fascinava. Estava sempre fechada quando ele passava lá durante o dia.

E assim era a monotonia de sua vida. Sempre as mesmas coisas, sempre a mesma rota, sempre os mesmos horários, sempre a mesma rotina.

Era um solitário, sempre foi o filhinho da mamãe e morou com ela até a sua morte. Aos quarenta anos era solteiro e morava sozinho. Tinha poucos amigos, mas pelo menos um amigo verdadeiro que sempre o ouvia, o ajudava e se preocupava com ele.

Era tímido e desengonçado quando se tratava de lidar com mulheres. Talvez por isso sempre se saía mal com elas apesar de ter uma boa aparência e ser bonito.

Naquele dia ele estava contrariado. Estava atrasado e a noite o pegaria ainda na estrada. E ele não gostava de estar na estrada depois de escurecer. Quando passou por aquela cidadezinha já era noite. Ao olhar para a casa percebeu que ela estava iluminada e uma mulher estava na porta observando a estrada. Era uma mulher linda e sensual. Ele passou quase parando para observá-la. Ela vestia uma roupa que mal lhe cobria o corpo bem feito. Tinha um olhar lânguido e sorriu pra ele um sorriso de vampira, pronta para lhe sugar as energias e o sangue.

Ele seguiu seu caminho. Mas aquela mulher não lhe sairia mais da cabeça.

Na sua próxima viagem ele se atrasou de propósito e ao passar perto da casa parou o carro e desceu com a desculpa de verificar se os pneus estavam em ordem.

E lá estava a mulher do lado de fora da casa. Eles ficaram se olhando e ele sentiu que já estava perdidamente apaixonado por ela. Sua timidez o impedia de tomar uma atitude, além do mais ele não sabia nada sobre ela. Podia ser casada. Por fim ele entrou no carro para ir embora e ela acenou pra ele. Ele acenou e se foi.

Mais tarde no hotel ele estava extasiado e só pensava na bela desconhecida. Dormiu pensando nela e sonhou que ela estava em seus braços. No sonho eles se amavam sem reservas e sem pudor. Ele experimentou um prazer sem limites com a insaciável e lasciva mulher. Acordou com a sensação de que vivera uma noite de amor real e sensacional.

Esperou ansiosamente pela próxima viagem e muitas vezes sonhou com ela e teve lindas noites de amor.

Na viagem seguinte quando chegou lá ela o esperava na porta da casa.

Afastou a timidez e atravessou a estrada para se aproximar. Ela permaneceu parada, mas sorria e o provocava com toda a sensualidade que trazia em si.

Quando já estava se aproximando dela um carro buzinou. Ele se assustou e olhou pra trás. Quando voltou a olhar a mulher tinha desaparecido. Ele ficou sem saber o que fazer. Se ela fugiu dele, provavelmente era comprometida.

Ele virou e foi-se embora.

Cada vez mais os sonhos com ela o enchiam de prazer. Ele achava que estava enlouquecendo pois sentia como se aquelas noites tórridas e plenas de prazer fossem reais.

Por meses ele viveu de amor por aquela mulher.

Cada vez mais ela o visitava em sonhos e ele nem sabia mais o que pensar.

Cada vez que passava pela casa dela e a via, tentava se aproximar, mas ela nunca permitia. Apenas sorria, o provocava e fugia.

Péricles pensava num modo de decifrar aquele mistério.

Na sua próxima viagem chegou mais cedo e como previu a casa estava toda fechada. Ele procurou informações na vizinhança. A próxima casa ficava um pouco distante e ninguém lhe deu nenhuma informação. Bateu em várias casas e todos lhe negavam informação.

Ele estava ficando alucinado com aquele amor. Naquele dia ela não apareceu e ele foi embora desolado.

Mas à noite ela o visitou e ele se alegrou em seus braços.

E a vida seguiu.

Na sua próxima viagem, continuou sua investigação e encontrou uma velhinha que o convidou para entrar.

-Você tem uma pergunta a me fazer?

-Quero saber sobre os moradores daquela casa amarela que tem ali na última curva da estrada antes de terminar a cidade.

-Moradores?

-Sim. Quem é a mulher que mora lá?

-Mas aquela casa está desabitada há mais de dez anos.

-Como assim? Sempre à noite tem luzes acesas lá e uma mulher na porta.

-Você deve estar enganado. Não mora ninguém lá.

-Não pode ser.

-O casal que morava lá e eram donos do local morreram há muitos anos.

-Eu sempre vejo uma bela mulher lá na porta que acena pra mim quando eu passo.

-Desde que o meu filho e sua esposa, morreram ninguém mais morou lá. Todos evitam aquela casa.

-Não pode ser. Eu sempre vejo a mulher lá. Como eles morreram?

-Ela era uma linda mulher. Cheia de vida, fogosa, assanhada. Meu filho se apaixonou perdidamente por ela. Eles se casaram. Mas ela não era mulher que se contentava em ser casada. Em pouco tempo ela estava se insinuando pra outros homens e começou a trair meu filho sem nem procurar esconder. A vida deles se tornou um inferno. Numa noite ele chegou em casa e a pegou com o prefeito da cidade na cama deles. Num ataque de fúria pegou sua arma e matou os dois e depois se suicidou.

Foi uma tragédia que já vinha sendo anunciada. Mas meu filho estava tão alucinado de paixão por ela que nunca quis se separar. E acabou acontecendo o pior.

Tentamos vender a propriedade, mas ninguém quer comprar. Dizem que aquele pedaço de chão é amaldiçoado. Muitos até evitam passar por ali à noite. Não acredito em maldição. Ela, meu filho e o prefeito merecem descansar em paz.

Péricles não acreditou que a sua bela e a mulher que morreu fossem a mesma pessoa. Não acreditava em fantasmas e sabia que a mulher que amava era de carne e osso.

Naquela noite ela não apareceu nem na casa e nem em seus sonhos.

Noite após noite ele a esperava. E ela não aparecia.

Cada vez que passava na estrada parava e esperava que ela aparecesse. Mas ela não aparecia.

Aos poucos foi entristecendo. Ficou ensimesmado e deprimido. Não conseguia acreditar que amava um fantasma. Mas no fundo de seu coração pairava a dúvida.

A bela desapareceu de seus sonhos e de sua rota de viagem.

Ele então mudou sua rota pra não passar mais por aquela casa.

Estava vivendo mais que nunca como um autômato, apenas cumpria suas obrigações e ia pra casa. Estava definhando.

Queria dormir pra amar sua bela, mas ela não estava mais em seus sonhos.

Foi ficando cada vez mais deprimido, solitário e sem vida.

Numa manhã o vizinho e amigo viu que Péricles não saiu de casa. Seu carro permanecia na garagem. Ele pressentiu que algo acontecera. Péricles sempre seguia sua rotina fielmente. Seu amigo bateu insistentemente na porta e não obteve resposta.

Num ímpeto arrombou a porta e chegando ao quarto ele estava deitado na cama. Parecia dormir. Seu semblante era tranquilo e seus lábios esboçavam um sorriso de prazer.

Chegou perto dele e o chamou, o sacudiu. Percebeu que sua pele estava fria. Verificou que não respirava.

Péricles estava morto. Nunca ficou esclarecido como se deu sua morte, mas estava evidente que era de causas naturais.

Ele levou ao túmulo o segredo daquele amor que pensou ter vivido por muito tempo.

Talvez tenha partido ao encontro de sua bela pra viver em outra dimensão o amor que a vida lhe negou.

Talvez tudo tenha sido fruto de sua mente perturbada, tão cheia de frustrações, solidão e quem sabe até traços de esquizofrenia.

Quem poderá dizer?

Quem pode conhecer os mistérios da mente?

Quem pode conhecer os mistérios do universo?

Quem há de duvidar do poder de um grande amor?

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 15/09/2022
Reeditado em 15/09/2022
Código do texto: T7606449
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