O AVIÃO DO APOCALIPSE

Quando os primeiros sinais apareceram no céu e as catástrofes tiveram inicio, destruindo e matando aos milhares e milhões os que ficaram, aqueles não arrebatados pelo Senhor para as nuvens, o enorme e misterioso avião decolou com as mais altas autoridades do planeta rumo ao espaço, o mais alto possível, para ficar bem longe dos mortos, dos tsunamis, do fogo, dos vagalhões, dos tufoes e tornados, da escuridão em que o sol se tornou como noite eterna e tudo o mais feito por mãos humanas desabando e virando entulhos, destroços e lixo.

Equipado com suprimentos suficientes para sustentar cento e vinte passageiros por dois meses e capacidade tecnológica de permanecer voando sem parar por igual período, o grande avião dos sobreviventes do apocalipse, homens, mulheres, adolescentes e crianças especialmente escolhidos para a possibilidade de reiniciar a humanidade após o fim, deslizava sereno sem qualquer rumo, uma ilha voando para lá e para cá até que tudo tivesse se tornado apenas escombros sobre bilhões de mortos consumidos na Terra e os cento e vinte felizardos passageiros pudessem encontrar, no tempo certo, qualquer lugar onde pousar no intuito precipuo de recomeçar a raça humana.

Mas enquanto esses que se pensavam sortudos passageiros de um novo mundo assistiam a morte cumprindo seu último papel contra a vida, ouvindo música suave, comendo, bebendo, dançando felizes por não estarem entre os miseráveis lá embaixo sendo exterminados, algo não planejado aconteceu. Porque, afinal de contas, a ira de Deus, as trombetas tocando e os selos se abrindo não cogitavam exceção, dos não arrebatados nenhum escaparia da grande tormenta. Nem mesmo um avião que se imaginava indestrutível tanto quanto o Titanic, e pessoas que se achavam intocáveis e mais especiais que os demais pobres mortais agonizando no solo, escaparam, não tinham permissão divina para esse privilégio. Semelhante a frágil papel, o grandioso e inatingível avião se rasgou em mil fragmentos, assim do nada, e seus passageiros se viram lançados no ar e morrendo assim no espaço como no chão, espatifados, em molambos, restos de orgulho e pedaços de uma superioridade inexistente.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 24/09/2022
Reeditado em 26/09/2022
Código do texto: T7613531
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