O SILÊNCIO MORTAL

Apenas o mais pesado, profundo, inesperado e inusitado silêncio nos quatro cantos da cidade. Embora já fosse mais de nove horas daquele novo amanhecer, nada e ninguém acordou. Os galos não desceram dos poleiros e nem cantaram aos primeiros raios solares, bem assim os pássaros e demais aves, os animais nos currais, tudo, fauna e flora permaneceram adormecidas quando normalmente aquela altura já estariam em pleno movimento os ruídos, urros, berros, grasnar, correria de bichos e gente, carros, ônibus e trens. Mas não!

A vida não despertou e cada ser vivo continuava em seus próprios leitos como se noite ainda fosse, como se, talvez, houvesse uma morte ou torpor coletiva. Nem mesmo as folhas farfalhavam, pois não havia vento, reinando sepulcral calmaria e dando a forte impressão de que um cálice de morte fora tomado pela existência em todas as suas formas. O que teria sido a causa daquele paradeiro assustador, repentino e absoluto na cidade inteira?

Porém o sol estava vivo e acordado, brilhando mais intensamente à medida que as horas passavam, o imenso manto amarelo sobre o sono de justos e injustos. Sono, aliás, inexplicável. E, por mais incrível e incoerente que possa parecer, notava-se visível mudança de tonalidade em seu fulgor minuto a minuto; ora tons de verde tímido, a seguir toques suaves de azul, depois vinha uma alvura de neve, estás ladeadas pelo amarelo usual do Astro Rei. Então, com se obra de magia ou encantamento, as cores se abraçavam, se misturavam, ficavam mais intensas e nítidas, até que, finalmente, as quatro, fulgurantes, realçadas e firmes, se estabilizaram no céu.

Foi aí que, espantosamente, o sol, ostentando as cores verde, amarelo, azul e branco, penetrou na fresta da janela do quarto de uma criança e tocou seu coração. Acordando-a. O corpo infantil, da cabeça aos pés, estava pintado pelo sol com as quatro lindas cores da cidade. A criança, sorrindo, abriu a janela. E veio o milagre: a cidade inteira e seus habitantes, além da fauna, da flora e do vento, finalmente acordaram. Embalados pelo ar de alegria e esperança renovadas.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 04/11/2022
Reeditado em 05/11/2022
Código do texto: T7642824
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