A LENDA DO JEQUI

A semana estava começando e durante anos, as terças-feiras, era um dia aguardado com muita ansiedade por um grupo de amigas. Acordavam cedo, juntando o que era preciso ser lavado: roupas, lençóis, redes e até mesmo, aquelas peças que ainda podiam ser usadas mais uma vez. No entanto, quanto maior a trouxa de roupas sujas, mais tempo teriam para colocar os fuxicos da semana em dias.

Nas primeiras horas da tarde elas desciam a rua, trouxa de roupas na cabeça, animadas e com passos apressados em direção ao Jequi. No caminho passavam em frente à casa da luz vermelha, que naquele momento, portas e janelas fechadas. Talvez pelo fato de ainda ser cedo da tarde, ou porque as mulheres dali, sabiam daquelas senhoras e alguns de seus maridos eram frequentadores do local. Melhor evitar constrangimentos.

Chegaram e tomaram posição, sentando-se nas pedras as margens das águas do Jequi, como de costume.

Logo nos primeiros esfregões e batidas das roupas sobre as pedras, entre gargalhadas, a conversa entre elas corria solta, isto é, a vida alheia era o assunto predileto. Existem comentários entre os populares de Inhuma, que a maldade das línguas ferinas daquelas mulheres, deixavam o ar no Jequi, ainda mais carregado. Pois, a população local tinha conhecimento que fatos estranhos e assustadores aconteciam ali, principalmente em noites de lua cheia.

O tempo transcorria normalmente e o sol se aproximava do ocaso. Aquela seria uma noite de terça-feira com lua cheia. Trataram de recolher as rupas do varal, amarrar as trouxas e sair dali. Não era aconselhável estar no Jequi durante a noite, era perigoso. E mais, elas sabiam que eram naquelas noites de lua cheia que seus maridos inventavam desculpas para sair de casa à noite e irem se divertir na casa da luz vermelha. Eles tinham a certeza de que suas esposas, pela proximidade com o Jequi, não iriam até lá no escuro da noite.

Tinha outro motivo que deixava inquietas, as lavadeiras de roupas. Elas, mesmo com o desejo de tomar banho nas águas frias e cristalinas do Jequi, não podiam. Naquela tarde, não! Tinham sido avisadas da presença na cidade, do Aleijadinho da macaca. Este, um retirante que costumava aparecer em Inhuma, nas segundas-feiras, dia que acontecia a feira local. Ele aproveitava a aglomeração de pessoas, para angariar alguns trocados. Assim, pedia aos presentes que mostrassem algum dinheiro e a macaca, sob seus comandos, através de pulos, acertava o valor da moeda. Isto é, cinco réis: cinco pulos, mil réis: um pulo.

Quando ele tinha a certeza de ter arrecadado o suficiente para se manter de pouca comida e muita cachaça, por dois ou três dias na cidade, parava as apresentações na feira. Costumava nos finais de tarde, comprar uma garrafa de pinga e descer para o Jequi na companhia da macaca e juntos (isso mesmo, relatam que ela vez em quando, tomava pequenos goles) degustarem do precioso líquido.

O Aleijadinho comentava com a população local, que o motivo dele ir até o Jequi e enquanto pacientemente sentado as margens de suas águas, bebia sua pinga, era esperar aparecer nos olhos d´agua, a formosa mulher que muitos afirmavam já terem visto. Um ser feminino, com uma metade mulher, a outra, de peixe. Uma sereia, como a Iara. Mas, a vida de retirante, tinha lhe ensinado a ser precavido com os perigos. A história de um vaqueiro que perseguia um boi e caiu dentro de um sumidouro com areias movediças que margeava o Jequi, lhe dizia ser prudente e ficar observando de longe. Para o Aleijadinho, o vaqueiro foi atraído pela sereia e levado para as profundezas do olho d´agua.

No entanto, o que todos na cidade sabiam, era que o Aleijadinho ao chegar ao Jequi, escondia-se detrás de carnaubeiras e buritizais, para espiar as mulheres que iam até lá, tomar banho. E este seu atrevimento o levou em certa ocasião, a uma acalorada discussão com uma senhora da cidade. E por este motivo foi morto pelo filho daquela senhora. Quanto a macaca, dizem que teve o mesmo fim de seu dono e hoje é mais um espírito, que nas noites de lua cheia, ronda a área inundada do Jequi.

No retorno para casa, as lavadeiras de roupas, passavam em frente a uma delegacia de polícia militar que ficava próxima ao Jequi. As mulheres comentavam entre si, a pouca sorte dos presos que estavam ali. São noites em que os policiais não costumavam ficar de plantão, vigiando os presos. Justificavam suas ausências, afirmando que os presos que lá se encontravam, cometeram crimes severos e como castigo, os deixavam sozinhos com o espírito dos escravos.

Nestas noites, os presos passavam a noite em claro, ouvindo gritos de muita dor, gemidos de sofrimentos. Enfim, eram os lamentos de uma morte cruel.

Quando os primeiros desbravadores chegaram em solo inhumense, ainda usavam a força escrava. E estes, para fugir dos maus tratos a que eram submetidos debaixo de um sol causticante, se ariscavam a desertar, ou não cumprir todas as tarefas desumanas impostas a eles. E por isso, eram severamente castigados pela desobediência, por seus donos.

Assim, eram levados acorrentados até uma grande faveira próxima ao Jequi, amarrados no tronco desta árvore e eram deixados naquela situação durante dias, privados de comida e água, até sucumbirem. Outros escravos foram torturados fisicamente com açoites de chicote, até a morte.

O espirito destes escravos mortos, continuam rondando a área do Jequi, manifestando-se principalmente nas noites de lua cheia, como forma de denunciarem as torturas que sofreram.

Nesta noite, tem uma majestosa lua cheia no céu, iluminando à noite inhumense com um clima agradável. Eu aqui de longe, observando e esperando acontecer, as nuances da lenda do Jequi.

Henrique Rodrigues Inhuma PI
Enviado por Henrique Rodrigues Inhuma PI em 12/01/2023
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