JÁ NÃO ESTAVA MAIS SÓ

Doente, só e em lágrimas. Abandonado por todos, dos filhos aos amigos e conhecidos, dos familiares aos vizinhos. Ele poderia morrer que ninguém sentiria sua falta, e apenas saberiam de seu fim quando começasse a se decompor e exalasse o fedor da carne morta. É sem dúvidas triste dizer isso com todas as letras e de forma cruel e direta porém a vida ao hesita em usar o látego para dilacerar cada polegar dos instantes humanos

Que poderia ele fazer para alterar sua triste situação ante os indiferentes? Certamente e pensando bem não havia muito, talvez nem pouco. Ou nada. Pois já idoso, filhos criados, netos em crescimento, cada um dos filhos cuidando de si mesmo e dos seus rebentos, a roda viva seguindo em frente, o ruge-ruge dissimulando as horas e os dias, alguém lembrar dele provavelmente seria pedir demais. Pelo menos era assim que ele se sentia.

Nenhuma mão amiga ao seu lado, zero conforto através do consolo das palavras, ausência total de solidariedade, principalmente dos que gerara e criara com amor e dedicação. Estranha mas verdadeira constatação. Caso necessitasse de um simples chá de mel com limão e alho ele mesmo teria que fazer, se caísse depois de tropeçar ou por outra razão qualquer permaneceria no chão, se piorasse do mal que o afetava somente a cama o ampararia. Sim, para o bem e para o mal estava completamente sozinho.

Olhou a tarde se dissolvendo, o sol diminuindo e as poucas sombras da noite se aproximando. Tudo continuava o próprio ritmo, o cotidiano ria dele e de sua solidão. O que lhe restava então? Deitar e se entregar, as mãos cheia de dedos inúteis esperando a chegada da morte? Não, mil vezes não! Ajoelhou-se iniciando inexprimíveis gemidos de oração, chorando copiosamente, relatando a Deus as angústias, a tristeza, os motivos e os desmotivos, os medos e as amarguras, entregando-se a Ele em busca da paz tão necessária ao seu coração. Ali ficou e não mais saiu até adormecerem os joelhos, as mãos postas, as costas arqueadas, todo o seu ser. De alguma maneira algo nele mudou, as lágrimas cessaram e ele foi tomado por um novo alento, um princípio de paz. Não estava mais só.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 20/01/2023
Reeditado em 20/01/2023
Código do texto: T7700024
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