COMO SE ELE FOSSE EU E EU FOSSE ELE

Algo dentro de mim se remexia atribulado sempre que o via passando de mãos dadas com a tristeza marcada pela solidão. Sim, ele lembrava sempre um lesado desacompanhado e refletia isso em seu semblante angustiado. Ninguém falava com ele, nenhum cumprimento recebia, nadinha que lembrasse olhares, como se ele fosse invisível, a folha seca pisada e esmagada por todos ou um monturo do qual se passa longe e com ar de desdém.

Nunca entendi por que um sentimento de agonia passeava em meu coração ao vê-lo desprezado pelos transeuntes, abandonado pela alegria e sempre abraçado pela indiferença. Acredito que seja por naquele momento de sua passagem diante de mim sentir na alma a dor que dele emanava, talvez igual a se no íntimo me visse na pele dele, e o peso de sua cruz caía sobre mim. A arrebatadora vontade de chorar por ele e em virtude dele e do que certamente passava tomava conta de mim fortemente. Como se eu fosse ele e ele fosse eu.

Imagino o quanto o pobre coitado sofria sob a nefasta influência do não ser visto, notado ou, ao menos, como um ser humano qualquer não merecedor da mais ínfima atenção. Assim como se ele não existisse, não fosse uma vida pulsante andando e circulando por entre seus iguais. O zero à esquerda decerto chamaria mais atenção do que sua tosca presença.

O problema é que ele insistia em estar presente nas multidões, apressado em seus passos pelos shoppings, movendo-se entre as pessoas, de tudo fazendo para ao menos esbarrar em alguma delas e pedir desculpas. Para ouvir voz de outro ser humano dirigida a ele. Confesso, de verdade, acompanhando suas idas e vindas nos locais públicos eu torcia por isso, para ele acidentalmente causar um esbarrão em alguém, mostrar surpresa e arrependimento, pedir perdão após o incidente. E então ser percebido como a patética figura humano que era. Porém nem isso conseguia, não era visto nem tocado, não o avistavam.

Mesmo não tendo intenção de enxerga-lo aonde eu fosse, lá vinha ele passando por mim, na minha frente, surgindo de repente, sozinho e angustiado a exemplo de todas as vezes. O coitado não sabia de minha existência e que o observava, mas de tanto sofrer por ele ao longo de anos presenciando sua solidão, impregnado de seus dissabores respingando em meu senso comum, anos depois fiquei igual a ele: sozinho, abandonado, desprezado, sem ganhar um único olhar de quem quer que fosse. Tornei-me tão invisível e objeto de indiferença quanto ele. Hoje mesmo o vi passando ao meu lado sem me ver, sim até ele desviou os olhos de mim. Eu me tornei ele por osmose! Fomos transformados um no outro, clonados pelo ar dos meus sentimentos de pesar por ele, que talvez, penso, estivesse alheio a isso, de um solitário para dois nós além de nada e menos importantes que pequeninhos grãos de areia. Eu como se fosse ele, ele como se fosse eu. Um par de tristes trastes tronchos unidos pela aura da solidão.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 25/02/2023
Reeditado em 26/02/2023
Código do texto: T7727612
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