A Lenda De Juliana

O vento soprava forte, a noite estava escura. Ela sentiu um frio percorrer seu corpo.

Em noites assim ela se sentia angustiada, devastada pela tristeza e por sentimentos controvertidos.

Ela saiu e foi até a beira da praia. O vento forte a puxava pra trás, mas ela seguia.

Olhou atentamente o mar. Lá estava aquela imagem nítida e presente. As lágrimas rolaram. Ela caiu de joelhos e se deixou ficar ali por muito tempo contemplando o mar que estava bravio.

Juliana sempre morou naquela vila de pescadores. Seu pai foi pescador e ela se casou com um pescador aos vinte anos. Dois anos depois nascia seu único filho.

Ela era apaixonada por seu marido e fazia tudo por ele e pelo amado filho. Manoel também vivia para sua Juliana. Quando não estava trabalhando, estava junto dela.

Eles sonhavam em ter uma menina e Juliana pedia a Deus todos os dias que lhe abençoasse e mandasse uma menina para alegrar mais ainda seu lar. Mas a menina nunca veio.

Os dois eram felizes e tinham uma vida de paz e tranquilidade. Muitos invejavam aquela família tão linda e abençoada.

Juliana sonhava com uma vida melhor para Marcos, seu filho. Queria que ele se tornasse um doutor. Mas Marcos amava o seu lugar, amava o mar e queria ser pescador como o pai e os pais de seus pais.

Marcos queria acompanhar o pai nas pescarias, mas sua mãe queria que ele frequentasse a escola. Sempre que podia ele fugia pra pescar com o pai. E Juliana brigava com eles.

Marcos já estava com quinze anos e não queria saber de escola e seu pai o acobertava.

Juliana descobriu que seu Marcos não estava frequentando a escola e quando pai e filho chegaram brigou feio com eles.

-Muito bonito, não é, Marcos? Quer dizer que você resolveu abandonar a escola? E está mentindo pra mim o tempo todo? Eu aqui pensando que você estava estudando e você me apronta esta. E você acobertando o mal feito do filho, Manoel. Acha bonito isto?

-Você me obriga a mentir, mãe. Sabe que não quero estudar, que quero ser pescador como meu pai.

-Sabia que é obrigação dos pais dar estudo aos filhos?

-Eu assumo a responsabilidade. Eu assumo que eu não quero estudar.

-Você é menor. Não assume nada. Você vai voltar pra escola. Pelo menos o básico você tem que estudar. Vai terminar pelo menos o terceiro ano. Você ainda está sob minha responsabilidade e vai estudar.

-Se for obrigado, posso frequentar a escola, mas não vou estudar.

-Você não fala nada, Manoel? Que espécie de pai é você?

-Por que eu tenho que obrigar meu filho a estudar se ele não quer?

-Ele está assim porque você fica passando a mão na cabeça dele. Vocês são dois irresponsáveis.

-Não admito que você fale assim comigo. Eu sempre fui um homem responsável. Você está me ofendendo e eu não vou aceitar. Exijo respeito. (subindo o tom de voz)

-Não grite comigo. Se quer ser respeitado não aja como um irresponsável.

-Parem de discutir. Não quero que briguem por mim. Deixem que eu mesmo decido minha vida.

-Você não decide nada. É um pirralho e está sob a nossa responsabilidade.

-Cuide de sua vida, mãe. Deixa que meu pai e eu cuidamos da nossa.

Juliana deu uma bofetada nele.

-Você me respeite, seu moleque. Nós somos uma família. Você não é nenhum largado.

Manoel ficou sem saber a quem defender e Juliana ficou ainda mais brava com ele por não educar o filho. O tempo esquentou e a discussão baixou o nível.

Era uma sexta-feira à tarde. Manoel e Marcos ficaram muito chateados, nervosos e tristes com Juliana e resolveram sair para o mar.

Juliana tentou impedi-los de ir, mas eles nem deram ouvidos.

A noite caiu, uma tempestade se anunciou. Juliana ficou aflita. Nada dos dois chegarem.

Os ventos estavam casa vez mais fortes e o mar cada vez mais agitado.

Ela rezava e pedia a Deus que os protegesse. Ela ficava na beira da praia olhando para o mar, mas nada deles aparecerem.

O tempo passou, a madrugada chegou, outras pessoas se juntaram a ela naquela vigília desesperada.

O dia amanheceu, a tempestade passou e nada deles voltarem.

As pessoas tentavam consolar e animar Juliana dizendo que Manoel era muito experiente e que por certo nada acontecera.

Um dia após o outro se passou. Eles não voltaram. Não acharam o barco nem os dois.

Juliana passava dias e noites olhando o mar. Muitas vezes parecia tresloucada. Falava sozinha e chorava.

Uma noite ela estava sentada na praia olhando o mar e disse que eles estavam chegando.

Ela gritava, sorria, chorava.

As pessoas foram se juntando, mas ninguém via nada e ela dizia que eles estavam logo ali olhando pra ela.

As pessoas tiveram pena dela. Diziam que estava tendo uma alucinação. Tentavam ajudá-la. Ela insistia que estava vendo Manoel e Marcos, que alguém precisava ajudá-los.

Alguns pescadores saíram ao mar, mas não viram nem encontraram nada.

Várias outras vezes ela dizia estar vendo o marido e o filho no mar.

As pessoas achavam que ela havia perdido totalmente o juízo.

Ela estava totalmente largada. Todos tentavam ajudar. Limpavam sua casa, levavam comida e ela só olhando o mar dia após dia.

O tempo passou e Juliana não se recuperava. A falta de notícias ou dos corpos pra ela prantear e sepultar estava lhe tirando toda a razão.

Ela sentia culpa e remorso por ter brigado com eles e por ter batido no filho. Sentia culpa por eles terem ido para o mar.

Ela envelhecia e perdia a razão a cada dia.

Quase dois anos se foram desde aqueles acontecimentos.

Naquele dia ela amanheceu melhor. Decidiu que faria algo por si mesma.

Ela se arrumou, se perfumou, saiu à rua e ninguém nem lhe reconheceu.

Parecia ter saído, finalmente, de seu luto e voltado à vida.

E naquela noite o vento soprou forte e ela estava ali na praia. Ainda de joelhos ela viu Manoel e Marcos lhe acenando. Ela se encaminhou para o mar, que estava agitado, tentando alcançá-los.

No dia seguinte ninguém viu Juliana. E nos próximos dias ninguém a viu. Ninguém nunca mais viu Juliana…

Por muitos e muitos anos os pescadores contavam que viam durante a noite três vultos no mar, observando a praia. Sempre bem juntinhos ora pareciam pedir socorro, ora pareciam contemplar a vila, ora pareciam brincar e sorrir.

Esta lenda foi contada por muitas gerações e muitos tinham medo de passar por aquele local durante a noite. Outros por muito tempo hesitavam ou ficavam com medo de navegar naquela faixa de água e serem tragados pelo mar.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 02/03/2023
Reeditado em 20/07/2023
Código do texto: T7731133
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