ASSASSINATO DO CEGO

O deficiente visual "enxerga" com o sentido que mais aguça diante desse problema: o tato. Através do tatear e segundo o conhecimento da escrita braile, ele escreve, lê e consegue definir coisas apenas perceptíveis para seus sentidos realçados. Pois segundo o ditado, fechada uma porta abrir-se-a sempre uma janela.

Nesse contexto, o fato aqui narrado tem muito a ver com esse delineado prisma, e aconteceu numa residência onde residiam dois irmãos cegos. Ambos, formados em engenharia civil, trabalhavam na maior e mais conceituada empresa de construção da cidade. O braile naturalmente era usado por ambos com erudita proficiência, utilizando o método para suas palestras e a comunicação escrita no trabalho. Os computadores de ambos tinham alta tecnologia que traduzia simultaneamente a linguagem deles para os caracteres usuais dos que não tem a deficiência visual.

Recebendo polpudos salários, os dois irmãos levavam vida luxuosa e tinham a ajuda de empregadas domésticas que cuidavam de tudo. Joana era a cozinheira, Maria organizava a casa. O relacionamento delas com os irmãos sempre se mostrou gentil e cordial, nunca tendo havido qualquer motivo para atritos ou discussões. A vida do grupo, então, seguia o ritmo normal do cotidiano.

Cada irmão ocupava seu próprio quarto com vistas à preservação da privacidade, detalhe que objetivava inclusive possibilidades amorosas independentes, embora eles trocassem confidências a respeito. Assim, em razão da individualidade, quando o mais jovem foi esfaqueado e morto enquanto dormia, ninguém ouviu nem percebeu nada. As portas da casa e do quarto foram arrombadas, cerca de cem mil reais foram roubados e o quarto estava uma bagunça. O cadáver jazia sobre a cama empapada de sangue.

A polícia vasculhou a cena do crime minuciosamente. Um dos investigadores descobriu sangue abundante no dedo indicador da vítima, e notaram que ele tentara virar-se por alguma razão, talvez para se defender. Mas não viram sinal de luta. Somente o dedo tinha sangue, dando estranheza por ser o único dedo ensanguentado. A seguir, porém, avistaram uma folha de papel cheia de pingos de sangue, algo esquisito porque dava impressão de simular uma sequência. Como código Morse.

Quando chamaram o irmão sobrevivente e falaram sobre o dedo do morto contendo sangue e a folha de papel com os pingos vermelhos mais parecendo algo lógico, ele estremeceu. Pediu aos policiais para dizer pausada e exatamente a posição dos pontos e suas subsequencias, no que foi atendido apesar da perplexidade dos homens da lei diante do pedido incomum. Os pontos estavam na seguinte ordem: •• • • •

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Ouvindo, o engenheiro cego ficou pálido. Solicitou que repetissem a sequência dos pontos, confirmando o que entendeu na primeira leitura. Depois, para maior espanto dos policiais, solicitou que eles pegassem grãos de arroz e colassem numa folha de papel seguindo a posição de cada ponto de sangue feito por seu irmão. Embora céticos, atenderam o pedido. Ato contínuo, o deficiente visual levou os dedos sobre os grãos de arroz e leu, apenas para confirmar, já que a ordem dos pontinhos ditada pelos homens da Lei revelava tudo. Sim, era isso mesmo, ele concluiu com tristeza. As lágrimas desceram pelo rosto. " É braile!" Balbuciou. " Foi Joana quem matou meu irmão."

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 14/03/2023
Reeditado em 15/03/2023
Código do texto: T7739971
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