O SORRISO DO BEIJA-FLOR

Coisas estranhas, fatos repentinos e inesperados, a fúria do ventos em tempos diferentes, a ira de alguns homens se manifestando de várias maneiras por todos os lugares. Nesses últimos tempos a humanidade aprofundou-se no caso. O que houve com o sorriso das pessoas?

Naquele amanhecer de anos atrás era nisso que eu pensava, olhando as palmeiras do condomínio através da janela do primeiro andar onde morava, quando avistei um beija-flor. A mim pareceu anormal a singela presença dele, porque não havia flores nas proximidades de meu apartamento. Mas, apesar disso, ele pairou no ar, subiu em voo rápido, desceu novamente, foi para um lado e outro da janela e mais uma vez retornou à minha frente e tornando a pairar. Como se quisesse me ver, me falar algo.

Ah, imaginei, quanta bobagem!, não passava de impressão do pouco de alma poética em mim existente. Provavelmente a bela avezinha estava perdida, desnorteada por algum motivo, não sei definir claramente. Mas seus pequeninos olhos hipnóticos olhavam diretamente os meus, suas asinhas a mil, a brisa passando, o sol brincando com o dia. Assim o lírico pássaro ficou por segundos semelhantes a horas. Depois, de súbito, se foi.

No dia seguinte, mesma hora, ele voltou repetindo a performance do alvorecer anterior. Porém, para minha agradável surpresa, o seu retorno trouxe inimaginável novidade, um encanto impensado. Tudo de que consigo realmente lembrar no instante é do visível estupor realçado nos traços do meu rosto. Pois, além dos movimentos realizados na primeira visita, o beija-flor esboçou um gesto que nunca lembro de ter visto outrora em nenhum outro ser da fauna. Ele sorriu.

Não sei como nem por que, o beija-flor abriu-se num lindo e singelo sorriso. Ato contínuo, recrudeceu as batidas das asas e partiu. Tive verdadeiro orgasmo de felicidade, perplexidade e gozo, acompanhando seu vôo até vê-lo desaparecer no horizonte. A partir de então, diariamente esperei-o à janela, queria sentir aquela maravilhosa alegria novamente. O beija-flor no entanto nunca mais me visitou. Sonho todas as noites com seu sorriso, o doce sorriso de um beija-flor.