Obsessão

Fabrício e Olívia se conheceram no finalzinho da década de 1970 quando ele cursava faculdade na cidade dela.

Eles se apaixonaram e começaram a namorar e não se separaram mais. Sentiam que tinham sido feitos um pro outro.

Quando ele se formou dentista em 1981 quis marcar logo o casamento e se casaram no ano seguinte. Ele ia trabalhar em sua cidade e lá fixaram residência.

Eram jovens. Ela tinha vinte e dois e ele vinte e quatro anos.

No ano seguinte nasceu o primeiro filho e eles se mudaram para a casa que estavam reformando.

Estavam radiantes e sonhando com um futuro auspicioso e feliz.

Mas nem tudo correu como esperavam.

Pouco tempo depois Olívia começou a ver vultos pela casa e ficava assustada.

Seu filho, Leonel, se assustava sem motivo aparente, e acordava assustado e chorando.

Ela falava com Fabrício e ele dizia que era só imaginação dela e que talvez o bebê precisasse ser medicado para dormir melhor e ficar mais tranquilo.

Ela se sentia magoada com o descrédito dele. Começaram a brigar por qualquer motivo

Pouco tempo depois ela disse que queria mudar daquela casa, que havia alguma coisa estranha ali. Ele não deu atenção e disse que aquela casa era deles e que não aceitava se mudar. Ela reclamou de sua frieza com o assunto.

Ele disse que ela estava precisando de um psiquiatra e eles brigaram feio.

No dia seguinte ela foi para sua cidade, para a casa da mãe, com o filho deixando apenas um bilhete para Fabrício.

Furioso ele embolou o bilhete. Dizia que nem ligava se ela não voltasse, mas que queria o filho de volta. Ficou transtornado com a situação e nem sabia como agir.

Dias depois ao chegar do trabalho Fabrício encontrou Olívia. Ele a olhou com desdém. Ela foi abraçá-lo e ele recusou o abraço.

-O que você está fazendo aqui?

-Esta é a nossa casa, não é?

-Pensei que não fosse mais sua casa. Você foi embora deixando, levianamente, um bilhete impessoal.

-Não é bem assim. Eu tentei falar várias vezes com você e você não me levou a sério.

-Tanto levei a sério que sugeri que consultasse um psiquiatra e ouvisse sua opinião.

-Eu não preciso de psiquiatra.

-Precisa de quê? De um pai de santo? De um macumbeiro? Anda vendo coisas que eu nunca vi. Por certo são espíritos que só querem aparecer pra você.

-Minha mãe me levou a uma benzedeira de confiança dela.

-Ah! Uma benzedeira? Sei.

-Ela me disse que eu sou médium e que a minha força atrai tudo em volta, inclusive as coisas negativas e que nesta casa tem uma energia muito negativa. E que nosso filho tem a mesma força que eu e por isto está vendo coisas e se assustando.

-Você colocou até nosso filho no meio dessa bobagem?

-Não é bobagem. Ela disse que fez uma limpeza aqui na casa, mesmo de longe e que fechou meu corpo e o corpo de Leonel e que isto deve resolver.

Ele riu.

-Você está mais louca que eu imaginava. Acreditar nessas sandices. Vamos marcar um psiquiatra, pelo menos pra ver o que ele diz. Você não está bem. Agir desta maneira tão vulgar, colocar o seu casamento em risco. O que você acha que eu fiquei pensando? Você sair de casa deixando um bilhete. Eu nem sabia se você iria voltar.

-Fabrício…

-Eu estou falando. Você já contou sua história, agora deixe-me falar. Você precisa crescer, Olívia. Eu sou seu marido, precisa confiar em mim, os nossos problemas nós resolvemos. Você não é mais uma menininha, você é uma mulher, comporte-se como tal.

-Perdoe-me, eu estava desesperada e você não acreditava em mim, só falava em me levar a um psiquiatra e não é o que eu preciso. Mas eu acredito que agora tudo vai mudar.

-Eu não acredito em benzedeiras, em macumbeiros, mas se você quer levar isso a sério, pague pra ver. Se não resolver você aceita ir a um psiquiatra?

-Está bem.

Tudo voltou ao normal e eles acabaram esquecendo tudo.

Meses depois Olívia ficou grávida novamente.

E em pouco tempo as visões e sinais voltaram com mais força.

Leonel começou a ter febre constante e acordava sempre muito assustado. As brigas entre Olívia e Fabrício só pioravam.

Ela se sentia exausta, e um dia teve um, suposto, surto psicótico.

Foi levada ao psiquiatra que não tinha um diagnóstico preciso e evitou medicá-la por causa da gravidez.

A partir deste dia ela ficou apática e só pedia pra mudar daquela casa e ser levada até a benzedeira.

Fabrício resolveu atender seu pedido e levá-la na tal mulher.

A benzedeira disse que a gravidez deixa a mulher mais sensível e frágil e por isto ela estava atraindo as energias negativas. Disse que aquela casa tinha uma maldição e que precisava ser benzida de perto, precisava ser feita uma limpeza completa.

Fabrício completamente descrente de tais coisas não levou nada a sério.

A cada dia Olívia estava mais abatida e nervosa.

-Fabrício, eu quero mudar desta casa. Eu não suporto mais. Se continuarmos morando aqui eu sinto que algo de muito ruim vai acontecer.

-Esta é a nossa casa, Olívia. Tente entender isto. Espíritos não ficam por aí atormentando ninguém. É só coisa de sua cabeça. Tente não pensar nisso. Com esta sua obsessão você está destruindo nosso casamento pois eu também não aguento mais esta conversa, não aguento mais esta situação e as suas loucuras. Estou ficando maluco também.

Ela chorou e se calou. Dias depois teve um surto e entrou em trabalho de parto um pouco antes da hora. O bebê nasceu, uma menina.

Olívia não queria voltar para aquela casa, mas Fabrício prometeu que iria encontrar alguém para fazer a tal limpeza que ela tanto queria. Mas nada fez.

No pós parto Olívia teve surto forte, como se estivesse possuída por um espírito ruim.

Ela falava coisas estranhas, com voz estranha e tentava atacar as pessoas.

Chamaram o psiquiatra e ele juntamente com Fabrício tentavam segurá-la, mas ela levantava o braço dos dois como se fosse muito mais forte que eles:

-Eu não suporto ver ninguém feliz, eu não fui feliz, como eu fui morta eu vou matar esta vagabunda e seus filhos. E ele que me matou traiçoeiramente e depois como um covarde se matou vai me ajudar. Esta casa é minha e ninguém vai ser feliz aqui.

Eles chamaram um padre que tentou exorcizar aquele espírito. Mas não adiantou. Olívia continuava a se debater. Ninguém conseguia segurá-la.

Por fim chegou lá um benzedor que começou a fazer orações. Jogava água benta e rezava sobre Olívia. Repreendia o espírito.

-Ela está obsediada por um espírito ruim que habita esta casa.

-O que é isto? - perguntou Fabrício.

-Ela está possuída por este espírito.

O psiquiatra riu.

-O senhor ri? Então faça o que acha que deve.

-Por favor senhor, se pode, ajude minha esposa.

-Não aceito servir de chacota pra ninguém.

-Desculpe, eu não quis fazer chacota. Faça o que tem que ser feito.

Ele continuou suas orações. Aos poucos ela foi se acalmando.

O benzedor disse que precisava fazer um trabalho para expulsar aqueles espíritos dali.

Olívia, já serena, não se lembrava de nada.

Sua sogra contou a ela o que aconteceu e ela ficou horrorizada.

-Eu não fico nesta casa nem mais um dia. Quero sair daqui agora.

-Esta é a nossa casa, Olívia.

-Mas é uma casa cheia de maus espíritos.

-Isso é uma bobagem.

-Aqui eu não moro mais. Vou embora daqui com meus filhos, com ou sem você.

-Meu filho, vamos pra minha casa pelo menos por hora.

-Mãe, se sairmos daqui não voltaremos mais. Eu comprei esta casa, reformei do nosso gosto. Não vai ser esta bobagem de maus espíritos que vai me tirar daqui.

Neste momento um vaso que estava em cima da mesa caiu e se espatifou no chão.

Olívia estremeceu e chorou.

-Eu quero sair daqui agora.

Por fim, Fabrício se deu por vencido e aceitou sair da casa.

Ele procurou saber sobre o que aconteceu na casa e depois de conversar com diversas pessoas, que se recusavam a falar sobre o assunto, finalmente encontrou a pessoa certa e ficou sabendo que há muitos anos morava ali um casal. O marido ficou sabendo da traição da esposa e a matou e depois cometeu o suicídio.

Fabrício que nunca acreditou em maldições ou que espíritos podiam interferir na vida dos vivos, viu de perto sua vida e seu casamento quase serem arruinados por aquela maldição.

Apesar do benzedor dizer que a casa estava livre dos espíritos, Olívia não quis voltar.

Foram morar em outra casa até que adquirissem uma nova casa. Tudo se normalizou.

Voltaram a viver em paz, apaixonados e felizes.

Venderam a casa e nunca souberam se os novos moradores passaram por algum problema de ordem espiritual.

Eles evitavam falar sobre aquele assunto e episódio que viveram.

Viraram aquela página e seguiram suas vidas.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 09/04/2023
Reeditado em 09/04/2023
Código do texto: T7759707
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