Gostosura ou travessura

Margaret decidiu que iria manter a tradição do Halloween naquele ano, mesmo após a morte do filho mais velho, Frank.

- Acredito que Frank não gostaria que eu cancelasse a entrega dos doces - me disse ela com ar cansado. - Era a festividade de que ele mais gostava de participar; mais até do que do Natal.

Os dois irmãos sobreviventes de Frank, Alvin e Susan, apoiaram a decisão da mãe.

- Frank era o primeiro de nós que escolhia a fantasia para o Halloween, - recordou Susan - e como era mais velho, fazia questão de bater nas portas das casas. Nós vínhamos atrás dele, só esperando que ele dissesse a frase...

- Gostosura ou travessura? - Completou Alvin, o caçula, com um sorriso triste.

- Imagino que, com vocês três juntos, ninguém se negava a dar doces - prognostiquei.

- A gente sempre voltava pra casa com os cestos cheios - declarou Alvin com orgulho.

- E este ano, como vão fazer? - Indaguei. - Quem vai assumir o lugar dele?

Alvin olhou para a irmã, que fez um gesto de cabeça.

- Eu sou a mais velha agora; eu bato nas portas, claro.

Disse a eles que tomassem cuidado; a princípio, aquela cidadezinha nas montanhas era um local sossegado, mas sempre poderia haver algum residente mal-intencionado. Frank, aos 13 anos, era um garoto grande e alto, impunha respeito. O mesmo não poderia se dizer de seus dois irmãos menores.

- A mãe de vocês já deve ter dito isso, mas é melhor não irem para o lado das casas de veraneio do lago - ressaltei. - Até porque, já é outono e aquela área fica bem deserta.

- Nós não vamos - prometeu Susan solenemente.

Eu estava certo de que eles não iriam, e não somente porque eram crianças obedientes, mas também porque fora no lago que Frank havia morrido afogado, num trágico acidente no verão passado.

* * *

Susan e Alvin não pretendiam ir até as casas de temporada, mas ao chegar à rua que margeava o bosque que separava o lago da cidade, Alvin viu por entre as árvores que uma das casas estava iluminada e decorada para o Halloween.

- Não é longe, a gente nem vai perder a cidade de vista - justificou ele para a irmã.

- Frank não gostaria que a gente fosse pra esse lado - resistiu Susan.

- A gente só dá uma olhada de longe e voltamos - insistiu Alvin. - Não precisa bater na porta.

A menina achou que a proposta era razoável e tomou a dianteira, caminhando cautelosamente sobre a neve fresca. À medida que se afastavam da cidade e se internavam por entre as árvores, a escuridão ao redor aumentava, mas estavam confiantes de que seria fácil achar o caminho de volta e a casa iluminada era um destino fácil de atingir. Finalmente, pararam atrás de uma moita e se agacharam, vendo se havia algum sinal de vida na residência. Fora o vento nos galhos, tudo o mais estava silencioso.

- Susan? - Alvin cochichou ao ouvido da irmã.

- O que foi? - Redarguiu ela agastada.

- Acho que ninguém veio aqui - observou ele. - Não há nenhuma pegada na neve.

Efetivamente, a neve em frente à casa estava livre de pegadas, e havia nevado horas atrás.

- Melhor então a gente voltar - decidiu-se Susan. Ia erguer-se quando Alvin segurou seu braço e apertou.

Vindo da direção do lago próximo, por dentro da floresta e em direção à casa, começaram a surgir pegadas na neve, como se alguém invisível as estivesse provocando. As crianças, olhos arregalados, viram quando elas se aproximaram da porta da frente e desapareceram diante do degrau que levava à ampla varanda decorada com teias de aranha de plástico e abóboras. Um instante depois, a campainha tocou. Um homem com uma espingarda nas mãos surgiu, e olhou desconfiado para fora, tentando vislumbrar quem perturbara seu sossego.

- Então, vai ser travessura, hein? - Resmungou, antes de bater a porta com força.

Susan não quis ver mais nada. Pegou a mão de Alvin e disparou com ele de volta para a cidade. Só pararam de correr quando chegaram e casa, esbaforidos.

- O que foi que houve, crianças? - Perguntou Margaret assustada.

- Mamãe... - conseguiu finalmente dizer Alvin. - Acho que nós vimos o Frank!

Susan balançou enfática e negativamente a cabeça.

- Não, mãe, nós não o vimos.

E depois de uma rápida reflexão:

- Mas acho que ele continua cuidando de nós.

- [24-04-2023]