O ônibus

Segundo contam, eram 32 passageiros que se encontravam sentados no ônibus, naquele dia. Não sei quem chegou nesse número pois a lotação completa desse tipo de transporte público, era de 46 passageiros, mas, vou “vender o peixe” como me foi contado.

Viajavam todos por volta do final do dia, preocupados com seus afazeres. Uns, querendo chegar logo em casa (ver os filhos, ver esposa/marido, mãe/parentes, descansar ou simplesmente se livrar de mais um dia exaustivo de trabalho), outros talvez se dirigissem aos seus trabalhos, alguns retornando de consultas médicas e mais alguns indo ou vindo de colégio, cursos, dentre outros lugares comuns.

O que nenhum deles imaginava é que o ônibus velho, próximo à chegada do terminal da viagem, apresentaria um defeito que resultaria na morte de todos. Sem deixar sobreviventes.

Tudo bem que aquele trecho sente teve má fama. Era chamado de Curva da Morte ou Curva Fatal e volta e meia ocorria um acidente naquela área, mas o ir e vir diário, fazia com que a maioria relaxasse e esquecesse desse infortúnio. O negócio é que naquele fatídico final do dia 13 de Agosto de 1966, o ônibus que fazia o habitual transporte de passageiros do antigo bairro que eu morava, perdeu a direção na Curva da Morte, indo de encontro a um pequeno e antigo muro de proteção, (que já não protegia mais nada) e caiu numa ribanceira de uns 12 metros de altura. Não sobrou muita coisa pois, assim que bateu, uma bola de fumaça alaranjada seguida de cinza e preto, se fez ver.

Contam que as famílias ficaram desoladas, houve comoção geral, notícias em jornais, TV´s e intermináveis brigas na justiça contra a empresa de ônibus, entretanto alguns contam também, que aqueles passageiros nunca descasaram em paz.

Como o bairro era residencial, muitos eram vizinhos, amigos ou parentes dos mortos e iniciou-se aqui e ali, histórias contadas à boca miúda, de pessoas que juravam ter visto o vulto de um parente que havia falecido no dito acidente.

Coincidência ou não, verdadeiras ou não, volta e meia surgia um filho que dizia ter visto a mãe falecida aparecer em casa, outro que dizia que o irmão surgiu para ele e, ao longo dos anos as histórias foram crescendo, se multiplicando. O fato da curva onde ocorreu o acidente, ficar próxima de um grande cemitério do bairro, contribuiu bastante no aumento da imaginação das pessoas que contavam as histórias, mas com o tempo, caíram no esquecimento.

Cinco anos se passaram e o trecho da Curva da Morte continuava a contar com o habitual transporte coletivo, conduzindo passageiros, como dantes. A pista havia sido restaurada, modificada e o paredão de proteção agora era maior, mais novo e resistente e o medo da famosa curva foi-se extinguindo.

Até um dia...

Sr Pedro Fuentes, um espanhol de meia idade naturalizado no Brasil, passou a conduzir para essa linha de ônibus e desconhecia a história do famoso acidente. Já era final da noite e ele estava feliz por seu expediente estar por terminar. Faria apenas mais uma viagem e seguiria para a garagem, encerrando seu dia de trabalho.

Ele havia estacionado o ônibus no terminal de linha, que ficava logo após a Curva da Morte e, como fazia habitualmente, deixou a porta aberta, para os passageiros que estavam na fila, pudessem entrar. Dirigiu-se até uma mercearia próxima a fim de tomar um cafezinho.

Bateu um breve papo com o Sr Mathias, dono da mercearia e consultando o relógio, constatou que estava no horário de cumprir seu itinerário. Despediu-se do Sr Mathias e entrou no ônibus. As pessoas da fila, já se encontravam acomodadas; ele resmungou um “boa noite” e sentou-se na cadeira de motorista, dando a partida no ônibus.

Fazendo as manobras para sair do terminal, olhou pelo retrovisor e viu um rapaz beijar uma moça no rosto e ela se esquivar, envergonhada. Sorriu para si mesmo, pensando em seu tempo de juventude onde as mocinhas coravam ao seu toque.

Conduzia o ônibus sorvendo tranquilamente o ar frio da noite, quando de repente sentiu-se incomodado por ele ter ficado repentinamente gelado. Remexeu-se na cadeira, sentindo um arrepio estranho e, quando passavam justamente pela Curva, ele olhou novamente pelo retrovisor e o que viu, fez-lhe meter o pé no freio com tamanha força que o ônibus quase capota!

Com o ônibus parado no meio da rua, Sr Pedro abandonou o veículo e saiu correndo e gritando por socorro, sem direção definida, até ser parado por alguns funcionários das casas comerciais que jaziam próximas do terminal.

Quem conta o que aconteceu, diz que o pobre homem estava da cor de papel, olhos perdidos e esbugalhados, prestes a enfartar. Acalmaram-no, dando-lhe alguns goles de água que ele mal tocou nos lábios para finalmente balbuciar algumas palavras desconexas.

O que ele explicou foi que havia descido a ladeira do terminal até ali com aproximadamente trinta passageiros no ônibus e após a curva, ele sentiu muito frio e olhou pelo retrovisor para fazer um comentário qualquer sobre o tempo, quando constatou que o ônibus estava completamente vazio!

E assim, não houve ninguém na face da Terra que fizesse o pobre homem voltar lá e conduzir o ônibus. Foi necessário entrar em contato com a empresa para enviarem outro motorista para retirar o ônibus do meio da rua. O motorista que veio, pronunciando impropérios e colocando apelidos na mãe do espanhol, apenas retirou da pista um ônibus vazio, conduzindo-o para a garagem da empresa. Não houve mais clima para concluir a última viagem, principalmente porque a notícia se espalhou e ninguém queria arriscar entrar naquele ônibus.

Contam que o Sr Pedro foi demitido, porém entrou na justiça do trabalho, alegando transtornos por estresses.

O fato é que a empresa transferiu o terminal de linha para uma rua anterior à Curva Fatal e do cemitério, mas até hoje, muitas pessoas juram que constantemente veem no antigo terminal, uma fila de pessoas que aguardam pacientemente, a chegada de um ônibus...

LICÍNIA RAMIZETE

15/08/2019