ESSE FOI O MOTIVO

Percebi acentuada frieza no olhar dele quando o cumprimentei, mesmo deixando a alegria se estampar fortemente em meu rosto. Eu até disse que me sentia feliz por vê-lo, esperando pelo menos um abraço ou gestos de simpatia. Não valeu de nada minha atitude, respondeu-me baixinho, de forma quase imperceptível como um mero murmúrio. Engoli em seco, tinha esperança de encontrar reciprocidade aos meus afagos de emoção.

Depois ele curvou-se sobre o celular e fez de conta que eu não estava lá. Confesso, eu já deveria estar acostumado ao seu desprezo, ao dar de ombros, mas quarenta anos de relacionamento cuidadoso, amoroso e dedicado me davam a entender que algo assim jamais aconteceria conosco. Quem nos via antes não acreditaria em tamanha mudança entre nós. Eu que o ensinei a dirigir, depois de muita insistência, tantas brincadeiras inventavamos usando voltava do trabalho, levei-o até mesmo para a faculdade de direito. Porque ele chorava ao me ver saindo para a faculdade.

Éramos tão apegados, unha e carne por assim dizer, que ele só entrava no mar se eu fosse com ele. Por amor, fazia suas vontades. Somente uma coisa ele fez a meu pedido: tornar-se destro mesmo sendo canhoto. Aliás um grande sacrifício, pois não é fácil deixar um hábito vindo do berço. Ao longo dos anos nossa convivência foi afetuosa e tranquila. De grande amor posso assegurar.

Para minha surpresa, no entanto, certo dia do ano de 2018 ele me perguntou: " Pai, em quem o senhor vai votar para presidente? " Todo satisfeito, ciente de que minha escolha era a melhor para o Brasil e que isso o influenciaria a tomar a mesma decisão, respondi: " Em Bolsonaro, meu filho." A partir desse dia, o meu filho mais amado entre os outros que gerei mudou, transformo-se num desconhecido, fechou o cenho e nunca mais falou comigo do mesmo jeito de quando era criança. O filho enraiveceu-se do próprio pai, meu menino caçula tornou-se um homem estranho e distante daquele extraordinário amor filial que sempr me teve. Do vinho para a água 😢.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 16/06/2023
Reeditado em 16/06/2023
Código do texto: T7815312
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