O pomar de ossos #03: Interlúdio #01: Ritos de passagem

O pomar de ossos #03: Interlúdio #01: Ritos de passagem

Eles iriam ver uma coisa. Todos eles iriam: Paul, Jonh, Cliff e até o imbecil do Sammy.

Depois dessa noite, ele iria provar para todos eles que era corajoso.

Tim voltava a pé para casa pela estrada de terra batida que havia sido abandonada há tempos por causa da nova rodovia. Normalmente, ele não passava por ali, mas hoje ele tinha um motivo especial.

Tim saiu um pouco da estrada e se embrenhou na mata semicerrada até avistar de longe os portões enferrujados do antigo cemitério.

As árvores de galhos secos e retorcidos se projetavam em direção ao céu.

Tim ficou olhando de longe sem se aproximar muito.

“Esta noite” – ele pensou – e voltou para a estrada.

A casa estava em silencio quando Tim abriu a janela e saiu. Andou pelo telhado com cuidado para não fazer nenhum barulho, desceu pela calha d’água e passou por debaixo da cerca de arame.

Era noite de Lua cheia, por isso ele encontrou com facilidade a estrada de terra. Tomou cuidado para andar pelo acostamento para que não fosse visto.

Quando chegou perto do cemitério, ele entrou na mata e logo viu as luzes das lanternas se movendo perto da entrada do cemitério.

Estavam todos lá, esperando por ele. “Pensaram que eu não ia ter coragem de vir, não é seu bando de putos?” – pensou Tim. Pois ele ia mostrar a eles.

- Olha só quem resolveu aparecer – disse Cliff, o mais velho de todos. -Pensamos que você ia arregar.

- De jeito nenhum – respondeu Tim entre os dentes.

- É... você veio até aqui – disse Sammy em tom de deboche. – Mas quero ver se você vai ter coragem de cumprir o combinado.

Todos olhavam para ele. Todos haviam passado pelo teste de coragem iniciado por Cliff: Ficar até a meia-noite dentro do cemitério abandonado. Agora, era a vez de Tim encarar a prova e finalmente ser aceito por eles como membro do grupo.

- Você está pronto? – Perguntou Paul.

- Sim – respondeu Tim com voz firme.

- Bem – disse Cliff enquanto iluminava com a lanterna o relógio – São dez horas agora. Você vai passar duas horas dentro do cemitério e quando sair estaremos aqui te esperando, combinado?

Tim concordou com um aceno de cabeça.

De todos os garotos, o único que não havia pronunciado uma única palavra havia sido o Jonh. Ele se mantinha quieto e segurava a sua lanterna firme com as duas mãos.

Todos direcionaram os fachos de luz para o velho portão duplo enferrujado, trancado com um grossa corrente e um cadeado enorme e muito antigo.

Tim seguiu na direção do portão. Um súbito frio na barriga o fez andar devagar. Agora, era muito tarde para ter medo... já havia ido longe demais para desistir agora.

Ele estava diante da entrada agora. Afastou as duas partes do portão em direções opostas, o que resultou numa fresta com espaço suficiente para que ele passasse para o lado de dentro.

Tim atravessou a fresta e entrou no cemitério. Todas as luzes se apagaram.

Tim demorou um pouco para se acostumar com a luz fraca do luar. A primeira coisa que viu, foi uma árvore enorme e assustadora com galhos secos e retorcidos. Olhando ao redor, viu algumas lápides quebradas entre a vegetação seca.

Começou à andar devagar e à cada passo que dava, o barulho de folhas secas e galhos sendo partido pelos seu pés soava mais alto no silencio sombrio. Ainda conseguia ouvir as vozes dos garotos ao longe, mas depois de algum tempo, elas ficaram cada vez mais fracas e cessaram.

Tim havia decidido arranjar algum lugar para ficar de onde ele pudesse ver os outros garotos. É claro que eles iram querer lhe dar algum susto ou pregar algum trote.

Andando e com a visão mais acostumada com a pálida luz do luar, Tim observava as lápides perdidas entre as árvores secas. Uma coruja piou em algum lugar.

Depois de algum tempo andando, Tim avistou uma clareira rodeada de árvores secas. A lua iluminava bem o lugar e Tim decidiu atravessar para o outro lado. Assim, ele poderia se esconder e avistar com facilidade quem quer que se aproximasse.

Quando chegou no meio da clareira, Tim começou a ouvir o som de asas batendo ao seu redor. Pios que pareciam o barulho de folhas secas e galhos se partindo vinha de todas as partes.

E então, no céu, alguma coisa começou a se mover. Parecia que a noite se agitava e se contorcia. E ela foi avançando na direção de Tim. E a escuridão engoliu a luz da lua e o brilho das estrelas. Tudo o mais mergulhou nas trevas.

Tim fechou os olhos, tapou os ouvidos com força e se encolheu no chão da clareira.

De repente, tudo estava no mais profundo silêncio. Tim estava com muito medo, mas arriscou abrir um dos olhos.

A escuridão estava agora ao seu redor. Parecia que um pedaço da noite se movia em meio aos galhos das árvores.

Então de repente, pequenos pontos de luz começaram à piscar no meio da escuridão. Eram olhos que se abriam e se fechavam num ritmo cada vez mais frenético.

Tim fechou os olhos de novo. Aquilo tudo só podia ser fruto da sua imaginação. Ele ia fechar os olhos e quando os abrisse novamente, tudo iria voltar ao normal.

Subitamente, tudo se aquietou. Mesmo com os ouvidos tapados e os olhos fechados, Tim sabia que havia alguma coisa lá.

Ele destampou os ouvidos devagar e não ouviu nada. Então, lentamente abriu os olhos e tudo parecia haver voltado ao normal.

Tim sentou-se na clareira aliviado... o que quer que fosse, havia acabado.

“Tudo não passou de uma alucinação” – pensou.

Foi quando um barulho chamou a sua atenção. Era como o som do crepitar de chamas numa fogueira.

Tim olhou para o alto das árvores e viu duas luzes incandescentes brilhando intensamente.

Parecia um par de olhos flamejantes olhando na sua direção.

Ele abaixou a cabeça e fechou os olhos e tapou os ouvidos novamente, mas mesmo assim, ele podia sentir o par de olhos sobre ele.

E então, uma voz rouca se fez ouvir:

“O QUE FAZ AQUI NO POMAR DE OSSOS, CRIANÇA?”

Mesmo com os ouvidos tapados, Tim ouviu. A voz parecia ecoar dentro da sua cabeça como o estrondo do trovão. Ele sabia que teria que responder, mas estava apavorado.

- Eu... eu estou passando por uma prova... um teste de coragem.

O par de olhos continuou olhando de forma inquisitora para o menino encolhido no chão da calreira.

“ENTENDO...”. “VOCÊ NÃO É BEM VINDO AQUI, PEQUENINO”. “PARTA IMEDIATMENTE”.

- Mas... se eu for agora... os meus amigos vão achar que eu sou um covarde”.

Por alguns instantes, os olhos flamejantes brilharam mais intensamente.

“POIS BEM...”. “O TEMPO DE QUE VOCÊ NECESSITA JÁ TRANSCORREU”. “PARTA AGORA”.

Tim levantou-se, deu as costas e se afastou sem olhar para trás.

Mas antes de deixar a clareira, ele se voltou e olhou para o par de olhos e disse em voz alta:

-Obrigado.

E então, os outros pontos de luz se acenderam e começaram à piscar rapidamente.

O som de asas batendo se fez ouvir e os corvos acaram vôo em direção aos céus, tais quais pedaços de escuridão se movendo.

A luz da lua e das estrelas iluminaram o caminho de Tim no seu retorno ao portão. Ele se agachou e atravessou a fresta do portão. Os garotos estavam lá esperando por ele e animados, apertavam a sua mão e davam tapinhas nas suas costas, parabenizando-o pelo feito.

E juntos, se afastaram do cemitério em direção à estrada de terra.

Antes de se afastar completamente, Tim olhou para o cemitério e quase pode jurar ter visto dois corvos pousados nas colunas da entrada observando-os se afastarem.

Fim

Denis, O Dreamaker.

07,08/01/2009

NDA.: Este conto foi escrito entre as 23:45 do dia 07/01 até as 02:30 do dia 08/01/2009. Este interlúdio, veio de conversas com o meu amigo e irmão Jeferson, que irá escrever um dos contos da série “O Pomar de ossos”. A idéia de usar meninos ao invés de meninas é dele. Este interlúdio, trata de ritos de passagem... aqueles velhos testes de coragem já tão conhecidos de todos nós. Foi interessante ver O pomar de ossos ser o palco de um desses testes de coragem (e um belo pretexto para voltar à escrever sobre alguns dos lugares e personagens de que mais gosto). Para aqueles mais familiarizados com os contos da série, será que vocês podem adivinhar quem são os dois corvos que aparecem no final? Para aqueles que estão chegando agora, a explicação para as minhas fontes de referencias na concepção do conto, criação dos personagens bem como as locações, estão no conto “O pomar de ossos # 01: Raven. Quem tiver curiosidade, é só ir lá, ler e ver como tudo começou.

Não considero este conto como parte integrante ou seqüência da história original.

Sweet Dreams!!!

Denis, O Dreamaker

08/01/2009-02:53

Copyright © 2008 by Denis Correia Ferreira “Dreamaker”.

Copyright desta edição © 2009 by Denis Correia Ferreira “Dreamaker”.

A série "O pomar de ossos", conta com os seguintes títulos até o presente dia:

O pomar de ossos #01: Raven (07/10/2008)

O pomar de ossos #02: Magpie (02/12/2008)

O pomar de ossos #03: Interlúdio #01: Ritos de passagem (08/01/2009)

O pomar de ossos #04: Interlúdio #02: Ecos (19/02/2010)

O pomar de ossos #05: Interlúdio #03: As histórias que as pessoas contam (25/04/2011)

Confiram outros textos inéditos de minha autoria no meu Blog Terra dos Sonhos (http://sonhosdesperto.blogspot.com):

Eu me dou o direito (Poesia)

Rita Lee (Indriso em homenagem a Rainha Rock 'N' Roll nacional)

Arrependimento (Micro conto)

“Decifra-me ou devore-te” (Mensagem/Pensamento)

Música & Letra Especial: Mulher

Depois do ato consumado... (Poesia)

Somos livres? (Poesia)

The Last Remaining Light (A Última Luz Restante) (Mensagem)

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Uma carta para as estrelas... (Carta)

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Who cares? (Quem se importa?) (Poesia)

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