Uma entre todas

Cansado, Viktor Fábián abriu a porta de casa e descalçou cuidadosamente os sapatos antes de pisar apenas de meias no piso de tábuas corridas da antessala. Sabia o trabalho que a mulher tinha para manter tudo encerado, e não queria provocar nenhum dissabor com ela. Deixou os calçados numa sapateira de madeira ao lado da entrada, e, valise na mão, adentrou a sala onde a mulher assistia no sofá a um programa de auditório na TV em preto e branco. Ela virou-se ao vê-lo entrar e sorriu.

- Oi amor! Chegou tarde, o programa já começou.

Ele balançou a cabeça, aquiescendo.

- Resolvi arrumar o arquivo, antes que Márton me chamasse a atenção novamente. Me dê uns minutos, preciso tomar um banho... estou todo empoeirado.

A esposa ergueu-se.

- Vá tomar o seu banho, vou deixar o roupão na porta.

Fábián estalou os lábios num beijo à distância e deixou a valise de couro sobre um aparador, antes de se dirigir ao corredor que levava aos quartos e ao banheiro principal da casa.

Quinze minutos depois, já vestido com o roupão, pantufas nos pés, sentou-se no sofá ao lado da esposa e a beijou.

- Estava sentindo falta disso - aprovou ela, estendendo-lhe um copo com um líquido escuro. - Seu remédio.

- Também senti falta - disse Fábián em tom dúbio, bebendo o conteúdo do copo de uma golada.

Com expressão mais relaxada, voltou-se para a TV e perguntou:

- O que foi que eu perdi?

- Tibor está 150 pontos à frente de Vilmos - resumiu ela. - Dorka não está aliviando hoje.

Fábián fez uma careta.

- Dorka vai ter uma surpresa desagradável - afirmou convicto. - Aquela bruxa...

A esposa riu.

- Dorka não é tão velha assim para ser chamada de bruxa, Fábián. Eu diria que ela é só um pouquinho mais velha do que...

Parou no meio da frase, percebendo a gafe que estava cometendo. Fábián lançou-lhe um olhar curioso e indagou calmamente:

- Do que quem, Lilla?

A esposa apertou os lábios antes de responder, sem olhar para ele.

- Eu acho a Dorka Bognár parecida com a sua mãe, Viktor.

Ele balançou a cabeça em concordância.

- Acho que numa outra realidade, Dorka Bognár poderia ter sido minha mãe.

E recostando-se no assento, ponderou:

- Mas duvido que seu caráter fosse qualquer coisa melhor.

E deu a conversa por encerrada, concentrando-se na ação bruxuleante em preto e branco diante dele.

- [Continua em "Entrevista com o capitão"]

- [08-07-2023]