O Volga preto

[Continuação de "Força pela Alegria"]

Naquela manhã, Viktor Fábián entrou na redação vazia do "Kalotúr Sztárja", o que não era de surpreender: o dia era sábado, e o jornal da cidadezinha interiorana não tinha expediente nos fins de semana. Qualquer evento importante, caso acontecesse, teria que esperar até segunda-feira para ser devidamente noticiado. Mas o repórter havia sido convocado pelo editor-chefe, Attila Márton, para uma reunião a portas fechadas no gabinete deste. Ao entrar, Fábián deparou-se com Márton atrás de sua escrivaninha e dois desconhecidos de terno sentados à frente dele, cuja identidade já havia deduzido ao ver um Volga preto estacionado diante do prédio do jornal.

- Aí está o nosso homem! - Saudou-o Márton.

E indicando os dois visitantes, fez as apresentações:

- Ármin Bogdán e Benjamin Pap, do Departamento III.

"Departamento III" era um eufemismo para a polícia secreta; depois do Levante de 1956, já não era mais tão poderosa quanto sua antecessora, a AVH, mas ainda assim, a presença dos seus agentes continuava a ser motivo de preocupação, mesmo se você imaginasse nada ter feito de errado.

- A que devo a honra, cavalheiros? - Indagou Fábián, depois de apertar as mãos dos visitantes e se sentar numa cadeira ao lado deles.

- Viemos parabenizá-lo pelo seu trabalho no caso Anett Boros - disse Pap sem rodeios.

- Mas... eu não estou participando da investigação do caso - contrapôs Fábián. - Apenas escrevi matérias com base nos relatórios da polícia...

- O suposto Volkswagen bege... - aparteou Bogdán. - Expôs um aspecto do passado de Anett Boros que nos havia passado desapercebido.

- Foi logo depois do fim da guerra - minimizou Pap. - Naquela confusão, muitos criminosos acabaram se safando sem julgamento.

Fábián ergueu os sobrolhos.

- Estão me dizendo que a vítima era uma criminosa de guerra?

- Uma figura secundária - contemporizou Pap. - Mas, mesmo assim, membra da Cruz Flechada. Ela conseguiu manter sua identidade oculta por todos estes anos, aqui em Kalotúr.

- E... do que ela era acusada, se posso perguntar? - Indagou com cautela.

- Um crime de menor potencial ofensivo - replicou Pap. - Denunciação caluniosa de um oficial do exército nacional. Mas no período em que a Cruz Flechada dominou o país, isso poderia significar a sentença de morte.

- Então... a morte de Anett Boros pode ter sido tramada por vingança - ponderou Fábián.

- Já viram um raciocínio rápido como esse? - Elogiou-o Márton.

- A polícia local ainda vai ter que prender o assassino, mas do ponto de vista do serviço secreto, a conclusão é bastante óbvia - decretou Bogdán.

- É isso que irá para o relatório de vocês? - Questionou Fábián.

- Mas você não poderá noticiar isso no seu jornal - advertiu-o Pap. - Estamos lhe contando apenas como reconhecimento pelo seu bom trabalho.

- Bem... eu fico muito agradecido - redarguiu Fábián.

Márton e Fábián acompanharam os agentes até o carro deles e se despediram. Ao se verem novamente sozinhos à frente do edifício do "Kalotúr Sztárja", o editor-chefe comentou:

- Juro que quando me ligaram hoje cedo e pediram a sua presença no jornal, achei que estivesse encrencado.

Fábián olhou para o chefe e fez um aceno de concordância.

- Eu também - admitiu. - Eu também.

- [Continua em "Trufa rosa"]

- [11-07-2023]