A zeladora fiel

[Continuação de "Trufa rosa"]

- Viktor? A que devo o prazer? - Indagou a voz do outro lado da linha.

Viktor Fábián sentiu que a mãe poderia estar sendo sarcástica, mas ainda não tinha certeza disso.

- Escute, mãe... a senhora deve estar acompanhando essa história do maníaco da floresta. Quis me certificar de que está bem e em segurança.

A voz do outro soou mais afável, embora não o suficiente para fazê-lo abaixar a guarda.

- Considerando que há meses não ligava pra mim, só mesmo algo horrível como esses assassinatos para fazer com que mudasse de opinião. Então você está realmente preocupado com a minha segurança? Por quê?

- Por causa do maníaco - redarguiu Fábián com uma ponta de exasperação. - A senhora mora num lugar isolado, talvez devesse considerar vir para a cidade.

- Eu não pretendo me mudar - afirmou Martina Fábián em tom convicto. - Estou aqui pelos Rosinger, você sabe.

Fábián pigarreou.

- Os Rosinger não vão voltar, mãe. Fugiram para os Estados Unidos antes que fossem apanhados pela Cruz Flechada.

- E eu fui incumbida pelo governo de tomar conta das coisas depois disso, você bem sabe - insistiu Martina. - Não sei se o governo vai finalmente dar um destino à mansão, embora planos não tenham faltado desde o fim da guerra. O último deles era que iam fazer um internato para moças aqui.

Fábián tinha certeza de que Kalotúr era interiorana o suficiente para que o governo central não tivesse nenhum plano imediato para a utilização da antiga mansão dos Rosinger, uma família de industriais judeus que abandonara o país há mais de vinte anos, deixando a propriedade aos cuidados da zeladora: Martina Fábián. A irritação de Viktor Fábián só aumentara ao longo desse tempo, ao perceber que a mãe não tinha nenhuma intenção de abandonar seu posto, embora agora estivesse sendo remunerada pelo governo. Durante todo esse tempo, a mansão só voltara a ter movimento por alguns meses, no fim da guerra, quando servira de posto de comando para um destacamento das forças de ocupação. Mesmo assim, os alemães haviam reconhecido o trabalho da zeladora e a mantiveram como cozinheira e lavadeira dos oficiais aquartelados. Fábián sentiu que era chegado o momento de pressionar a mãe em prol da mudança.

- Mataram outra mulher hoje, mãe - anunciou finalmente. - Foi essa a principal razão pela qual lhe liguei.

- Outra mulher? - Martina estava surpresa. - Achei que a polícia já havia prendido algum suspeito... o motorista do tal Volkswagen bege de que falam.

- Não prenderam ninguém, mãe - assegurou Fábián. - E a mulher era uma colaboradora.

Martina ficou em silêncio por alguns instantes.

- A polícia lhe disse que ela era uma colaboradora? - Indagou por fim.

- Eu sei que se tratava de uma colaboradora, mãe - afirmou Fábián. - Há um padrão nessas mortes.

Martina respirou fundo do outro lado da linha.

- E você acha que eu fui uma colaboradora e portanto posso estar na mira do assassino?

- Eu não tenho que achar nada, mãe - desconversou Fábián. - Mas se eu estiver certo, você pode estar na lista de futuras vítimas dele.

- O que talvez esteja esquecendo, é que os alemães já estavam aqui antes da Cruz Flechada tomar o poder - retrucou Martina. - Até então, colaborar com eles não era considerado um crime contra o estado. Na verdade, era o que se esperava dos bons cidadãos; os alemães eram nossos aliados, afinal de contas. Mas aí, foram derrotados na guerra, os comunistas assumiram o poder, e mesmo assim, não perdi o meu cargo. Por quê?

- Porque conseguiu comprovar que durante todo esse tempo, estava espionando os nazistas para a guerrilha - redarguiu Fábián exasperado. - Mas essa é a explicação racional, mãe. O maníaco pode se basear apenas nas aparências, mesmo a cidade inteira sabendo do seu passado como zeladora da mansão dos Rosinger.

- Bem, eu não pretendo aceitar carona de nenhum estranho, Viktor - declarou Martina convicta. - Tampouco vou colher trufas na floresta, se quer saber.

A ligação terminou sem que Fábián conseguisse convencer Martina a se mudar, mesmo que temporariamente. Mas um dado ficou martelando em sua mente: porque a mãe fizera um comentário sobre procurar trufas na floresta? A informação lhe fora dada ainda a pouco pela polícia, e ele não fizera nenhuma referência a isso durante a conversa.

Talvez fosse apenas uma coincidência, disse de si para si, tentando se tranquilizar.

- [Continua em "Cidade do pecado"]

- [13-07-2023]