Cidade do pecado

[Continuação de "A zeladora fiel"]

- Ela foi acusada de coisas horríveis - disse a mulher de rosto vermelho e inchado, tentando conter as lágrimas. Viktor Fábián esperou pacientemente que ela se recompusesse antes de propôr interromper a entrevista.

- Senhora Petra, talvez eu deva deixar essa conversa para outro dia.

Petra Varga assoou o nariz num lenço vermelho antes de prosseguir.

- Não, se é pra falar sobre a minha filha, que seja hoje. Depois não pretendo voltar a este assunto.

Fábián apertou a ponta da caneta contra o bloco de anotações.

- Então... a senhora dizia que sua filha foi acusada de coisas horríveis. O quê e por quem?

- Georgina nunca participou da Cruz Flechada, se foi nisso que pensou... ela só tinha 20 anos no fim da guerra... a minha garotinha...

Limpou o nariz novamente e disse numa voz cansada.

- Nós éramos de Töröklas, havia um destacamento alemão lá. Ela se envolveu com um oficial...

- Foi acusada de colaboracionista? - Questionou Fábián.

- Sim, quando os comunistas derrubaram o governo ela ficou presa por uns meses... por causa do envolvimento com esse alemão. Mas isso também foi a sorte dela, porque ser parte da Cruz Flechada era muito pior. Então, por mais que tivessem raiva da minha menina, não puderam mantê-la na cadeia por muito tempo...

- E foi então que decidiram se mudar para Kalotúr - deduziu Fábián.

- Sim, era o que dava pra fazer - suspirou Petra Varga, cabeça baixa. - Meu marido pensou em nos levar para a capital, mas a situação lá, logo depois da guerra, estava bem ruim. Aqui, pelo menos nós só vimos combates de longe; mesmo a passagem dos russos atingiu muito mais Töröklas do que Kalotúr.

- E aqui, vocês tinham a vantagem de que as pessoas não sabiam do passado de Georgina - ponderou o jornalista.

Petra Varga ergueu a cabeça antes de falar.

- As pessoas acabam sabendo, de um jeito ou de outro. Mas a cobrança em Kalotúr era menor, nossos vizinhos não tinham convivido conosco a vida toda; e ninguém aqui tinha muito interesse em apontar o dedo para os erros dos outros.

- Talvez a explicação seja de que todos nesta cidade parecem ter algo a esconder no passado - ponderou Fábián. - Portanto, vocês não poderiam ter feito melhor do que trocar Töröklas por Kalotúr.

Petra Varga fez um gesto de cabeça.

- Sim, eu estava satisfeita pela escolha que fizemos... até ontem.

- Acredita que o passado da sua filha voltou para acertar as contas com ela? - Indagou Fábián.

- Minha filha não era uma criminosa - rebateu Petra Varga. - A outra mulher que mataram antes dela, Anett, essa sim, tinha envolvimento com a Cruz Flechada. E quer saber?

Diante do olhar de expectativa de Fábián, ela completou:

- Se for para atirar a primeira pedra, quem em Kalotúr poderá dizer que não tem pecado?

Fábián balançou a cabeça em concordância.

- Tenho plena consciência disso, senhora Petra.

E murmurando para si mesmo:

- Eu, talvez mais do que ninguém.

- [Continua em "No silêncio da noite"]

- [14-07-2023]