MISTÉRIO, TRAIÇÕES E LOUCURAS - Cap. 4

As palavras de Gina caíram como um tsunami na sala mortuária. Lourdes empalideceu e precisou se agarrar na cadeira para não cair. Angelina, pálida, olhou da amiga para a mulher e fez a pergunta que todos queriam fazer:

― De qual Juarez você está falando?

Gina, imperturbável, apontou com a cabeça para o defunto.

― Deste aqui.

Devagar, Lourdes se levantou. Ninguém respirava naquele lugar.

― Deve haver algum engano. Juarez era meu marido há mais de quinze anos.

― Meu também.

Houve um “oh” que ecoou entre os presentes. Lourdes pensou que fosse vomitar. Evitou olhar para o corpo do marido ao mesmo tempo em que algumas peças soltas começavam a se juntar na sua mente.

― Você deve lembrar, Lourdes – a voz de Gina era aveludada e sedutora. ― de algumas viagens que Juarez fazia. Para você ele dizia que era a serviço.

Lourdes lembrava muito bem. A última, inclusive, tinha sido na semana anterior. De fato, Lourdes implicava com as viagens frequentes, mas não teria porque duvidar da fidelidade do marido. E quando Juarez voltava, era com os braços cheios de presentes e mais amoroso do que nunca.

― Era para a minha casa que ele ia. Não moro muito distante desta cidade.

― Ah... – fez Lourdes pouco à vontade, sentindo os olhares dos familiares e amigos sobre ela. A impressão era que um par de chifres nascia, lentamente, em sua testa. ― E o que você quer aqui? Veio fazer jus a sua pensão por viuvez?

Mas Gina não demonstrava estar disposta a brigar. Sua expressão era de dor quando retrucou:

― Não quero nada. Juarez era a única coisa que eu queria. Ele prometeu que iria se separar de você para ficar comigo. Bem, nenhuma de nós duas ficou com ele. Boa tarde a todos.

Antes de sair, Gina se inclinou sobre o caixão e beijou os lábios do falecido. Depois, tão elegante quanto entrou, saiu da sala mortuária sem dizer mais nada.

Por uns trinta segundos o local permaneceu em silêncio. Lourdes, envergonhada, tentava processar tudo aquilo. Chegou mesmo a imaginar que fosse alguma brincadeira de mau gosto. Mas, à medida que os minutos passavam, mais fios soltos se uniam e Lourdes foi obrigada a admitir que estava sendo corna há muito tempo.

― Venha, tia, senta aqui com a gente.

Branca, Lourdes sentou entre a irmã e a sobrinha, sem conseguir articular uma palavra. Angelina estendeu a ela um copo com água e açúcar quando, na verdade, Lourdes queria parar no primeiro bar e encher a cara.

O clima ficou estranho na sala mortuária. As pessoas, chocadas, se afastaram do caixão, como em protesto, e também constrangidas pela situação. Aos poucos, uma forte raiva foi tomando conta de Lourdes. Fechou os olhos e contou até cinquenta, pois a vontade que tinha era de desferir uma voadora no caixão e fazer Juarez voar longe.

Depois daquele fato, o velório transcorreu de uma maneira atípica. Lourdes se recusou a chegar perto do caixão. Quando o enterro saiu e alguns amigos seguraram o caixão para levar ao crematório, Lourdes não se aguentou e berrou:

― Quantos de vocês sabiam que o desgraçado levava uma vida dupla?

Lorena pegou a irmã pelo braço, tensa.

― Calma, Lou.

― Estou muito calma. Se estivesse nervosa, já teria eu mesma incendiado o Juarez.

Ninguém tinha coragem de falar nada. As amigas de Lourdes se aproximaram e fizeram um círculo em torno dela como se quisessem protegê-la e evitar que tomasse alguma atitude mais extrema. Durante a cerimônia de despedida, Lourdes não falou nada. Amigos fizeram alguns discursos em homenagem ao morto, mas todos eles estavam desconfortáveis. Por fim, quando o caixão foi enviado para o crematório, Lourdes não se aguentou e disparou, ferina:

― Não vejo a hora de jogar as cinzas deste infeliz no lixão da cidade.

... continua.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 06/12/2023
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