Círculos de fadas

- Tem certeza de que quer o professor Fraser como seu orientador? - Questionou Cassius Barker, secretário da pós-graduação, ao me receber para um cafezinho.

- O campo de pesquisa dele, círculos de fadas, é o tema da minha dissertação - expliquei. - E ele é uma das maiores autoridades mundiais na área.

- De fato - admitiu Barker. - O professor Fraser possui uma grande produção científica sobre a formação dos círculos... embora deva estar a par de que algumas de suas conclusões são um tanto controversas.

- Sim, estou a par e precisamente por isso desejo ajudar a comprovar algumas delas.

- Você também deve estar a par que, justamente pelas condições da pesquisa de campo efetuada pelo professor Fraser, muitos dos seus alunos acabam abandonando o curso. Na verdade, acabam por abandonar a universidade.

E diante da minha cara impassível, acrescentou de forma a não deixar dúvidas:

- Nunca mais dão as caras por aqui.

- Sim, estou a par das elevadas taxas de desistência dos orientandos do professor Fraser - minimizei. - Trabalhar em desertos não é realmente, uma atividade com a qual a maioria das pessoas quer ter contato direto.

- "Taxas de desistência" é por sua conta - Barker me encarou com uma expressão perscrutadora. - Mas já que está disposto a levar o seu pedido adiante, assine o requerimento na linha pontilhada, por favor.

Assinei.

* * *

- Ryan Lane? - O professor Fraser me encarou por cima dos óculos sem aros. O homem tinha o topo da cabeça calvo, cercado por uma auréola de cabelos negros.

- À sua disposição, professor - declarei, enquanto me sentava na cadeira que ele me oferecera em sua sala, no ambiente dos professores da pós-graduação.

- Para um recém-graduado, você tem uma experiência impressionante - aprovou ele, com o meu currículo nas mãos. - Então, esteve em Pilbara?

- Como estagiário de uma empresa que fazia prospecção mineral, nada diretamente relacionado com o seu campo de estudo - expliquei. - Mas foi ali que a questão dos círculos de fadas me chamou a atenção pela primeira vez. Eles eram tão perfeitos!

- Sim, perfeitos - assentiu Fraser. - O mesmo para mim, embora meu despertar tenho ocorrido na Namíbia. Eu precisava saber o que era aquilo!

- E o senhor fez avanços importantes para decifrar o mistério - adulei-o.

- Apenas parcialmente, meu caro, apenas parcialmente - replicou com modéstia. - E infelizmente não tenho tido boas experiências com os meus orientandos. Alguns sequer cogitam em fazer trabalho de campo, quanto mais em desertos.

- Comentei isso com o secretário, Barker. Mas pode ter certeza de que tenho plena consciência do que me será exigido - afirmei convicto.

- Poderemos comprovar isso em breve - replicou Fraser, balançando a cabeça em aprovação. - Na segunda-feira, seguimos para a Namíbia.

* * *

- Nunca havia visto tantos assim, verdade? - Indagou Fraser, quando descemos do Land Rover que nos havia levado até o vale Marienfluss, uma vasta planície rodeada por montanhas graníticas, onde a grama ressecada era interrompida por círculos de terra vermelha: os círculos de fadas.

- Estão por toda parte - constatei, enquanto retirava o equipamento científico da traseira do veículo.

Era primavera naquela região desértica, e o clima felizmente ainda era ameno.

- Você deve imaginar que o povo himba, nativos da região, têm mitos que explicam a presença dos círculos de fadas - comentou meu orientador, enquanto colhíamos amostras de solo fora e dentro dos círculos.

- Nada a ver com toxinas, radiação ou ausência de nutrientes - especulei.

- Não, nada disso - redarguiu Fraser etiquetando uma amostra. - Algo bem mais sutil, na verdade: a ação dos deuses.

- Naturalmente, o senhor descartou esta hipóteses nos seus estudos - comentei, imaginando que se tratava de uma blague.

Fraser guardou as amostras num estojo, antes de responder:

- Na verdade, estamos aqui justamente para provar que há algum fundo de verdade nessa ideia, meu caro Lane.

* * *

O secretário Cassius Barker ergueu os sobrolhos ao me ver entrar na secretaria.

- Pensei que ainda estivesse na Namíbia com o seu orientador.

- A pesquisa tomou um rumo inesperado e ele resolveu ficar na África por mais alguns meses.

- E você? - Questionou ele.

- Eu cheguei às minhas próprias conclusões - admiti. - E agora, preciso que me indique um novo orientador.

Peguei o formulário que ele me estendeu e declarei:

- Creio que não veremos o professor Fraser por aqui por um bom tempo.

- [05-04-2024]