LINHA DA MÃO

Dizem que o destino está na palma da nossa mão.

Cabe? Eu achava que não.

Quem as lê começa sempre falando sobre longevidade e sorte,

Mas sem muita certeza ou precisão.

Com a mão a ser lida dominada, as predições mudam de porte

E dinheiro, amores, família e morte entram no pacote.

Mas quem prediz nunca dá recibo nem passa certidão.

Ora, mas a morte de tão certa nem carece de 'leitura'.

Toda hora morre um de coração, pulmão ou intestino.

Mas como ninguém quer saber de ir cedo pra sepultura,

O que não falta são ouvidos quando o assunto é o destino.

Certo dia uma velha cigana analfabeta ‘leu’ minha mão.

Disse que eu faria uma longa viagem a qualquer hora.

Fiquei eufórico, viajar sempre foi minha grande paixão.

Mas como crer nos olhos cansados daquela nômade senhora?

Ela usava atalhos para falar das coisas da vida e do coração...

Hoje, quarenta anos depois, posso afirmar que sua ‘leitura’

Foi tão precisa que só pode ter sido extraída de uma escritura.

Ela viu na palma da minha mão, na chamada ‘linha da vida’,

Muito bem desenhado, o M que disse ser de uma tal Maria,

Que eu sequer conhecia, e garantiu, sem admitir ser interrompida,

Que essa seria minha eterna companhia.

Depois, demonstrando firmeza e confiança,

Disse que no início da nossa viagem subiria um casal de crianças,

Que na estação seguinte, um homem de lanterna azul, cansado, desceria.

E que pouco depois outra criança, com olhos cor-de-mar,

Nome de rei e cachos de anjo, não tardaria a embarcar.

E garantiu que logo um irmão apressado lhe faria parceria.

Sem pedir nada em troca, ela se afastou.

Entendi naquele gesto um ensaio de despedida,

E quando lhe perguntei sobre o preço, ela se irritou,

Voltou dizendo não ter sido compreendida.

Eu gostaria de reencontrar aquela velha cigana

Para saber se suas predições são sempre tão precisas

Ou se às vezes ela se engana.

Fico a me perguntar, como é possível tanta exatidão?

Será que ela viu mesmo tudo aquilo na palma da minha mão?

Será que esse “dom” tem a aprovação divina

Ou terá sido um truque do tempo, que ninguém controla ou subordina?

Ela pode usar isso para proveito próprio, inclusive com os seus?

Com certeza, até para manter o mistério, ela dirá:

“Os olhos, meu filho, são meus, mas a caneta é a de Deus”.