O sal da terra

Desde os tempos bíblicos as elites vem lutando para consolar os desfavorecidos na distribuicão dessa tal riqueza. Jesus, ouso dizer o maior líder e o mais carismático político de todos os tempos, os chamava de "o sal da terra": Seria isso um eufemismo para "os burros de carga da sociedade?" Quem pode saber? Consolava-os dizendo que bem-aventurados eram todos aqueles que choravam, que eram perseguidos; prometendo uma recompensa, por ele denominada Reino dos céus, para o fim. Mas não para o fim da vida... Não, mas para o fim de tudo. Para a escuridão imutável da morte.
Penso que o Cristianismo pouco favoreceu na harmonizacão e pacificacão dos homens, uma vez que até muitas guerras foram executadas entre execucões em seu nome e a humanidade caminha em rítmo cada vez mais frenético em direcão à indiferenca.

Mas está chegando o Natal, com letra maiúscula, e as pessoas tem andado por aí se 'enforcando' em contas em nome do tal espírito natalino. Para o filho da empregada, Inês e Maurício compraram um carrinho de plástico no 1,99, afinal, pra quem não tem nada, já está de bom tamanho; para a filha do patrão de Maurício, que problema! A menina já tem de tudo! No final, como a menina já está mocinha, optaram por uma jóia de ouro 18, afinal, jóais jamais são demais para uma pequena dama... As contas eles acertavam depois...

Raimundo, que já não acreditava em Papai Noel há muitos anos, escreveu a cartinha, que deixou bem à vista em sua cama ao sair para a escola, pedindo a seu papai noel, com letra minúscula que o pai parasse de beber ou fosse morar de vez com a Bete, deixando sua mãe...

Bem, o dia esperado se aproxima e os canais de televisão já preparam suas festas; aquelas que justificarão as propagandas de brinquedos, televisores, aparelhos de cozinha, carros e outras bugingangas; recheadas de muita música baiana e Tati-quebra-barraco e alguns sentimentais momentos do bom velhinho em passeio por comunidades carentes.

Dentro das igrejas, é hora de chamar a atencão para as doacões. Doem seus brinquedos velhos, Ops, perdão, USADOS, para as criancas pobres, afinal, para quem não tem nada...

No interiorzão de Minas Gerais mora um senhor que se chamava desgracadamente Noel. O pior ainda era que estava ficando velho e cada vez mais sentimental, e quando a criançada lhe apontava para as barbas brancas e perguntava se ele era o Papai Noel, ele já não mais as assustava. Para dizer a verdade ele até sorria...
Bem que ele andara com vontade de doar alguns bons brinquedos para a criançada pobre do bairro, mas quando foi procurar a primeira empresa, logo lhe disseram que já eram associados ao PFL e que não tinham mais verba para fazer política... Ele bem queria saber porque os pobres contam essas lorotas de Papai Noel e coelhinho da páscoa para os filhos...

Vágner já se preparava para ser mais uma vez arrastado pela mulher para aquela interminável 'Missa do Galo'. Já assistira tantas vezes àquela chatice, que mesmo com suas cochiladas, saberia descrever nos mínimos detalhes a cena da sagrada natividade... Ele bem que gostaria de acreditar em Jesus Cristo, afinal, a mulher o deixaria em paz, e ele provavelmente sofreria menos, mas infelizmente ele era inteligente demais para acreditar em uma baboseira daquelas...

Num subúrbio lá da Bahia, nos arredores de Salvador, já é véspera de natal. Mesas cheias de aves nobres, carnes, sobremesas e muito vinho, cerveja e afins já estão postas. Meia noite se aproxima e muitos cristão bêbados até já começando a arrumar suas brigas. Na casa de Alessandro e Selma, o clima também já esquenta. D. Marta, que não suportava mais ver a filha se matando de trabalhar para o sem-vergonha de seu Genro ficar tomando cerveja e cantando a mullherada do bairro, já começou a noite jogando piada. Seu Antero bem que tentava pôr panos quentes, mas também não entendia o porquê de a filha sustentar aquele vagabundo. Eles só vieram ali para entregar o presente do Pedro Paulo...
Pedro Paulo estava triste porque o dinheiro era curto e os pais não puderam fazer uma árvore de natal; nunca puderam. Era sempre aquele presépio que a avó Marta dera... Não entendia porque faziam questão de festa, de remontar aquela cena... Todos alí só queriam mesmo é que a noite acabasse. Menos seu pai, que ia encher a cara até a manhã do dia 26. Quando seus avós fossem embora, ele iria arrumar uma desculpa para brigar com a mãe e iria para rua encher o pote onde haveria mais vinho, que o deles, não era suficiente nem pra o primeiro hound. Depois, aos prantos a mãe iria mandá-lo a seco para cama, e os presentes baratos que ele ganhara, perderiam a graça, depois de mais uma briga em família... Ele aprendeu bem rápido que não existia Deus ou justiça...

Emília estava feliz. Não havia nehum motivo especial, estava feliz apenas porque era natal... Não tinha muito dinheiro, por isso a seia foi feita em conjunto com os irmãozinhos tão amigos. A mesa estava bonita, a comida com um cheirinho especial. E a casa cheia, o que era mais importante! Marcos já ia fazer a oração de graças quando seu irmão se levantou e começou seu protesto.
_Ah Emília! Por isso que fico em São Paulo e não venho nos finais de ano... Ter que aguentar esse monte de gente mal encarada, esses mendigos fedidos já é dose, mas você é boa e eu aceito, embora eu ache muito mais interessante ser rico... Ele riu olhando em volta. _Mas ter de participar desse negócio de oração não! É um atentado à minha inteligência!
_Se acalme, que a oração aqui não tem gritaria, gente desmaiando ou coisas desse tipo. É apenas para agradecer a Deus esse enviado, que apesar de ter vivido apenas 33 anos e feito seu ministério em apenas três, encaminha a humanidade para o bem há mais de dois mil anos.
_Que bem? Ele acabou com os pobres, é? Essa gente fedida aí é hippie?!
_Não seja debochado! Não o estou obrigando a acreditar em Cristo. Não precisa orar se não quizer. Mas respeite quem queira.
_Não dá pra acreditar que minha irmã, que estudou nos mesmos colégios que eu, bons colégios, acredite nessa besteira de nascimento sem sexo, milagres e ressureição. Daqui a pouco você vai dizer pra mim que se não me comportar eu não herdarei o Reino dos céus...
Mesmo depois de todo o desconforto, a noite seguiu e Emília despediu-se do irmão ainda feliz. Secretamente, pediu a seus espíritos protetores e anjos guardiões que o acompanhacem e buscassem influencia-lo mais, para que ao menos um pouco de sua cegueira se discipasse.
Madrugada de natal, em meio à rua escura e com o pneu furado, Evandro sentia medo. E não um medo justificado, mas um medo irrascível e infundado. Procurou pela lanterna na escuridão, mas não sendo capaz de encontrá-la, sentou-se no acento do motorista e ali ficou a tentar controlar o pânico.
_O que de mal me poderia acontecer aqui? Pensava em voz alta.
Nesse instante ele avista um dos companheiros de seia de sua bondosa irmã aproximando-se. Pela primeira vez na vida não sentira medo à aproximacão de um tipo daqueles. Depois do delicioso jantar que SUA irmã lhe proporcionara, o sujeito certamente pararia para ajudá-lo. Se não for louco, advertiu seu pensamento.
_Oi, será que você poderia me dar uma ajudinha aqui? É que meu pneu furou e eu ainda tenho 245 Km até São Paulo...
Uma ruga de preocupação vincou o rosto antes confiante de Evandro. Não se lembrava de ter visto esse camarada durante o jantar. Ao longe, ele lhe parecera tão esfarrapado como os outros e ele achou estar em boas mãos, agora o pânico ameaçava tomá-lo de vez.
_Não precisa temer que não vou atacá-lo, roubá-lo ou sequestrá-lo como você está pensando. Vou apenas ajudá-lo com a troca desse pneu.
Evandro riu nervosamente e para puxar uma conversa qualquer para descontrair-se, disse a primeira coisa que surgiu-lhe à mente.
_Você lê pensamentos?
_Nem precisava, ouvi teus comentários lá na festa.
_Engraçado! Não me lembro de o ter visto por lá.
_De todos os que lá se encontravam, fostes o único que não me viste. Em verdade vos digo que jamais me conhecestes.
Dito isto, o enigmático homem abaixou-se ao lado do pneu furado e um faixo de luz, do nada, ali se direcionou.
Com toda a calma do mundo, o homem esfarrapado se pôs a executar a insignificante tarefa de trocar o pneu. Quando terminou, Evandro, que até aquele momento boquiaberto, não pudera emitir sequer um som, sorriu-lhe de modo irônico e atreveu-se a perguntar.
_Qual é o truque? O da luz? Ótimo, mas pode dizer a minha irmãzinha que não foi o suficiente para me enganar.
O homem, de expressão serena e bondosa, neste momento olhou-o fixamente nos olhos.
_De todas as coisas que dissestes naquela sala, apenas uma expressa imutável verdade. Milagres não existem, e algum dia serás capaz de entender e executar meu chamado truque. Por agora, há outras muitas lições a aprender. Tenha um feliz natal!
Isso dito, o homem passou a caminhar, as costas viradas para Evandro, que o ficou observando até que sua imagem se tornasse em um espectro luminoso e sumisse ao longe como que por encanto.
Entre espantado e maravilhado, Evandro voltou ao carro e tomando o celular, discou nervosamente o número.
_Emília! Eu apenas esqueci-me de desejar-lhe um feliz natal...




Um ótimo natal a todos do recanto, e meu desejo de que ao menos por um mínimo instante, todos algum dia possam ver Jesus e sentir uma centelha do amor divino.


Monique Freitas




Monique Freitas
Enviado por Monique Freitas em 19/12/2006
Reeditado em 04/08/2011
Código do texto: T322338
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