Papai Noel, o primeiro amor, a primeira desilusão.

Papai Noel, o primeiro amor,

a primeira desilusão.

maria da graça almeida

A grama na fazenda era farta. Para rechear o miúdo sapato, bastava um punhado de fiapos verdes.

Eu não conhecia um Papai Noel que viajasse de trenó, puxado por renas.

Meu Noel era bucólico. E usava o cavalo. Jamais que o imaginara anunciando-se: Ho, Ho, Ho!

Por certo chegaria com o noturno cumprimento de colonos: NoitE, gEntE!

Egoísmo, alimentar apenas o animal. Guloseimas o grande presenteador merecia.

Todo ano era assim. E todo ano, escassa a criatividade, sempre os mesmos carinhos:

um punhado de caramelos embrulhados em papel pardo e uma garrafa de caçulinha

– pequeno vasilhame com guaraná-. Julgava um bom regalo a quem chegasse cansado

e carregado lá pelas bandas poeirentas de minha terra.

No dia seguinte ou pelas tantas da madrugada, substituindo as doces prendas, o presente sempre

tal qual o pedira. Papai Noel era atento, jamais se enganava.

Lembro-me do ano em que me trouxe a noivinha, uma boneca de porcelana clara, com os cabelos

escuros e os olhos azuis. No vestido, a renda, na cabeça, a grinalda. Parecia uma fada.

Ô bonzinho Noel, meu amor, meu encanto!

O pacote vazio do doce, a garrafinha seca balançando-me entre os dedos, os olhos brilhando:

- Tomou tudo!

Não sei o que me punha mais feliz, se o presente recebido, ou se o oferecido.

Talvez até mais este, pois me dava o que pensar: “decerto me achou boazinha”

Afinal, pelo que eu sabia, alguns tão-só deixavam a refeição ao cavalinho. Ao Papai Noel nem uma bala!

Ingratidão! Minha irmã não lhe deixava nada.

Eu já o percebera com tristeza. Coisas de adolescente. Até o dia em que realmente

assinou a juventude com letras maiúsculas.

Inverno. O fogo estalava gostoso no fogão à lenha. Mamãe remexia o caldeirão da sopa que na época

eu detestava e que hoje me traz saudade!

- Sopa do quê?

- Fubá! Com couve rasgadinha!

Sopa de fubá e ainda com couve. Argh! Tudo o que eu não queria.

Tentando disfarçar a careta, assuntei pelo presente de Natal e minha mãe, centralizando o caldeirão

sobre a chama, resmungou:

- Hei! É cedo para pensar nisso! Cinco meses ainda...

- Não é! E ainda tenho as coisas do Papai Noel para arrumar...

- Tem é chão, minha filha!

Minha irmã olhou-me de um jeito esquisito...não entendi.

Continuei insistindo:

- Não está longe assim...acho que quero uma bicicleta de duas rodas.

- Você nem sabe andar! alfinetou-me a irmã.

- Eu aprendo...ela vem com rodinha de lado...

- Você é medrosa, depois nunca que vai tirar as rodinhas.

- Vou sim!

- Duvido!

Minha mãe querendo acalmar os ânimos tentava encerrar o assunto:

- Chega! Depois a gente pensa nisso...

- Agora, mãe! –eu insistia- Vamos pensar, então, no que deixo no sapato...

- O de sempre- dizia minha irmã dando de ombros.Tanto faz ...

- Por que tanto faz?- eu já quase chorando-O sapatinho fica sem a grama

e a garrafa vazia... eles gostam!

- Como você é boba! Era ela me desafiando.

Minha mãe observava, querendo intervir, mas a voz a faltar.

- Não sou boba, você é!

- É boba, sim. Sabe o que acontece com a grama

que põe no sapato?

- O cavalo come.

- Ah! Até parece... eu jogo fora.

- Você é má...Por quê?

- Pra você pensar que ele comeu, oras...- ela olhava, vaidosa, as unhas alongadas-

Minha voz trêmula, as lágrimas querendo escorregar:

-Não é nada! E os caramelos? A caçulinha?

- Os doces, eu como todos! A caçula tomo a metade, jogo o resto! Sempre está quente!

- Eles não gostam?

Minha mãe fez menção de retrucar, desistiu, observando-me penalizada.

- Eles nunca vêm! Não existem, irmãzinha...

- Mentirosa! E o presente?

Nesse momento, ela não me responde.

Com o sorriso zombeteiro, aponta o dedo magrelo em direção ao pai, entrando calado, os olhos

úmidos. Entendo.Tudo! Abafo um soluço fundo. Corro e enlaço sua cintura.

Ele sorri sem graça. Remexe meu cabelo com tristeza.

Maria da Graça Almeida

maria da graça almeida
Enviado por maria da graça almeida em 21/12/2004
Reeditado em 07/12/2005
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